3 HISTORIADORES COMENTAM O 31 DE MARÇO DE 1964

  

 

» Carlos Fico
Professor de História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Professor, 50 anos depois, com todas as pesquisas que já foram realizadas, com o conhecimento que já foi produzido, com as contribuições da imprensa e das Comissões da Verdade, como podemos explicar o golpe de 31 de março?

O golpe não começou no dia 31, ele começou antes, na posse de João Goulart, na negociação para a posseE, na sequência, o período de 1961 a 1964 foi de muita turbulência, crise mundial, greves e muita agitação social. Somado a isso, o contesto da Guerra Fria e, principalmente, a forte campanha norte-americana para desestabilizar o governo Jango, podemos até chamar de conspiração. E nesses 50 anos, também fomos colecionando mais evidências, mais pesquisas e levantando aspectos mais delicados sobre o episódio. O que merece destaque nesse tempo é o entendimento do apoio da população ao golpe.

Alguns historiadores atribuem a esse apoio a rapidez com que a ditadura se instalou…

Exatamente, o golpe foi muito rápido e instalou o novo sistema com muita agilidade, sem muita resistência. Em verdade, muitos que apoiaram o golpe eram democratas e imaginavam que seria uma intervenção rápida para retomar a democracia logo depois. Mas não foi o que se viu. A esquerda e os trabalhistas foram vitimados pelo golpe. O que pesou a favor do governo autoritário foi o apoio da imprensa, a Igreja Católica, a classe média urbana, os militares e os parlamentares de direita. Alguns setores da sociedade que, inicialmente, foram favoráveis à tomada do poder pelos militares, depois passaram à oposição, porque foram entendendo que os militares tinham um projeto de poder que divergia da opção desses setores.

Então o senhor acha acertada a adoção do termo golpe civil-militar?

Se a gente entender que a participação e o apoio da sociedade civil foram fundamentais para a derrubada do governo Jango, acho sim apropriada, até porque essa denominação “golpe militar” foi dada por opositores, ainda na década de 1960, e era uma maneira de marcar bem o inimigo. Além disso, o governo que se seguiu era mesmo militar, então a expressão ficou. Mas hoje, olhando para a História, precisamos rever o termo.

Mas a ditadura que se implantou foi militar…

Sim e essa é uma das chaves mais importantes para se compreender o período. Houve um processo, uma transformação. O que começou com uma movimentação civil e militar foi gradualmente se solidificando como um regime de proeminência militar.

Talvez porque não tenha havido resistência?

Isso foi um fator importante, sem dúvida. Primeiro, não houve resistência de João Goulart. Ele não comandou as tropas de resistência, não convocou a sociedade e os políticos, enfim, entregou o poder rapidamente, sem muitas dificuldades, e partiu para o Sul. Deve ter contado para isso a informação que ele tinha de que os Estados Unidos reconheceriam um governo alternativo ao dele. Ele então, não convoca a resistência e o país fica desmobilizado. Diante da inoperância de Jango, que era mesmo de índole pacifista, as esquerdas e a sociedade não se organizam para impedir a ascensão dos militares. Não deixa de ser surpreendente a ascensão tão rápida.

Nem os Estados Unidos imaginavam que seria tão rápido.

Exatamente, os documentos e as ligações telefônicas mostram que o governo Kennedy esperava uma reação da sociedade e dos correligionários de João Goulart que duraria uns 10 dias, tanto assim que a Força Tarefa Naval, destacada pelos norte-americanos para apoiar a derrubada de Goulart, só estava prevista para chegar no dia 10 de abril, dez dias depois do golpe. Os próprios militares e golpistas acreditavam que as tropas do General Mourão Filho seriam dizimadas. O que nunca aconteceu.

E por que afinal a esquerda não atuou?

O que entendemos hoje é que a não resistência de Jango foi interpretada como um sinal para não agir. Além disso, o golpe – isso é muito importante – provocou uma ruptura entre os trabalhistas e os comunistas. Ele interrompe a atuação dessas forças. Em princípio, veio mesmo para isso e é bem sucedido na tarefa.

Como o senhor analisa a atuação e os trabalhos das Comissões da Verdade?

Eu vejo muito mais avanço na atuação da imprensa, que tem descoberto e publicado fatos e detalhes que podem sim mudar o entendimento sobre o que foi de fato o golpe e, na sequência, a ditadura militar. E, em contrapartida, vejo a Comissão Nacional da Verdade meio sem rumo, sem muita clareza em seus objetivos. Por outro lado, tenho muita expectativa nas Comissões Estaduais, Municipais e das universidades. Talvez porque tenham menos pressão e mais foco e, assim, chegam a descobertas mais significativas.

O senhor acredita que essas Comissões podem ajudar a reescrever a história?

Os avanços que as Comissões estão promovendo já vinham acontecendo por conta da lei – a mesma que institui a Comissão Nacional da Verdade – que garante o acesso a documentos sigilosos.

E o que significa a data de 31 de março atualmente?

Tenho dado muitas palestras sobre esse tema e digo sempre que a efeméride pode ajudar a compreender um traço importante na nossa constituição como povo e como nação: o apelo para soluções autoritárias. O desejo que muitos brasileiros têm de um governo mais linha dura, mais autoritário, é uma característica significativa. Creio que tão forte quanto a conciliação na política. E 50 anos depois isso não mudou. Volta e meia, diante de uma situação de crise, não são poucos os brasileiros que pedem e confiam num sistema mais duro. A efeméride tem que servir para pensarmos sobre isso, sobre o autoritarismo hoje. Estamos falando de um país governado pela esquerda e que taxa manifestantes de terroristas, de uma população que se incomoda com as conquistas dos mais pobres, que apoia uma atuação mais violenta da polícia. Os 50 anos do golpe devem servir para nos afastar da tentação de uma solução autoritária.

 

» Daniel Aarão Reis
Professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense

 

 Passados 50 anos, a História incluiu novas forças e novos atores em suas análises sobre a queda de Jango. O que é hoje possível dizer sobre o golpe, à luz dessas evidências e pesquisas mais recentes?

Tenho estudado o período ditatorial há mais de 20 anos e refletido sobre isso há mais de 40 anos, como ex-militante de uma organização revolucionária que atuou no período e, depois, como pesquisador, como professor de História. Penso que nas primeiras décadas depois do fim da ditadura, anos 1980 e 1990, predominaram muito as versões memorialísticas, de ex-militantes de esquerda e também estudos sobre organizações de esquerda. Os dois gêneros continuam a todo vapor e é bom que seja assim, porque ajudam a compreender todo o período e dão voz a atores que precisam ser ouvidos. No entanto, uma via que considero mais fecunda para o entendimento desse episódio é aquela que começou no início da primeira década deste século, porque é mais abrangente, porque não focalizava apenas quem se opôs, mas procurava entender por que a ditadura tinha se implantando tão rapidamente, praticamente sem resistência e como tinha durado tantos anos. Essa começou a descobrir, então, os fundamentos históricos e sociais da ditadura e, assim, abriu um campo de pesquisa sobre as conexões civis. E isso faz toda a diferença, porque a expressão ditadura militar foi construída logo depois do golpe, pelas oposições ao golpe. Era um recurso político legítimo, porque queria isolar o controle do poder pelos militares. Nem sempre, no entanto, o que é legítimo na luta política ajuda a compreender o processo histórico, porque, de fato, os militares foram os grandes líderes – basta pensar nos cinco presidentes – e conseguiram uma série de regalias e benefícios, mas não incluir o componente civil é deixar de olhar para um aspecto deveras importante. Estudar as conexões civis não visa esconder o protagonismo militar, mas eles não estavam sozinhos. Desde o início estavam acompanhados por numerosos civis, negociaram com civis a realidade política, constantemente fizeram concessões e puderam contar com um apoio civil diversificado. Existiam, inclusive, aqueles civis que não apoiavam abertamente, mas tinham uma postura de indiferença ou de neutralidade. O historiador francês Pierre Laborie, que estudou a ocupação nazista da França, chamava isso de Zona Cinzenta, que são aquelas pessoas que não concordam e nem discordam, muito pelo contrário. Se a gente olhar para a ditadura no Brasil, há uma zona cinzenta considerável. Gente que ziguezagueou na postura, que apoiava e depois mudou de ideia, ou que concordava e discordava ao mesmo tempo. Pessoas e instituições. Essa via de pesquisas tornou mais complexa a compreensão da ditadura. Mas permitiu mostrar que a ditadura foi uma construção social e histórica da sociedade brasileira, que suscitou desde o início oposições, das mais moderadas às radicais, porém suscitou apoios e zona cinzenta, que, num contexto ditatorial, contribui muito para a reprodução da ditadura.

Olhando para tudo isso, 50 anos depois, o que se pode dizer que estava em jogo naquele momento?

O golpe foi a expressão de toda uma conjuntura. A meu ver, a conjuntura mais rica em termos de lutas sociais da nossa República. Configurou-se um campo complexo, heterogêneo e favorável a que se realizassem no país profundas reformas. O programa se chamava Reformas de Base, porque mudaria as bases da sociedade. E, embora formado por atores heterogêneos, tinha um denominador comum, que era fazer essas reformas. O país precisava dessas mudanças, caso contrário não completaria o processo de modernização, que na época do JK tinha sido fulgurante. Para a modernização continuar o curso, as barreiras que Juscelino encontrou precisavam ser removidas, integrando segmentos populares, que estavam alijados. A Constituição de 1946 era extremamente autoritária. Tínhamos um Estado de Direito, mas extremamente autoritário. Basta dizer que a maioria dos adultos, analfabetos, não participava do jogo político, não votava. O Partido Comunista que era forte na época foi colocado na ilegalidade, em 1947, seus deputados foram cassados, a lei de greve era severa e inviabilizava os movimentos. A República foi passando por mutações até que os movimentos populares vão começando a ter uma participação muito grande, sobretudo na conjuntura pré-golpe. E esses segmentos vão se organizando em torno das reformas de base, que dariam a esses grupos uma força mais importante que até então tinham conseguido. Uma das reformas era a eleitoral que tinha por objetivo universalizar o voto, integrando os analfabetos. Aumentaria em mais de 50% o eleitorado brasileiro, uma mudança e tanto, que atacaria pilares da sociedade brasileira. Tinha a reforma agrária, que deveria acabar com o latifúndio, um dos pilares da ordem vigente no país.

A formação desse campo reformista e mais favorável aos pobres certamente gerou uma reação…

Ah sim. Formou-se um campo heterogêneo, complexo e nada monolítico. Mas o que unificava o campo da contra-reforma? Um profundo medo de que as reformas de base pudessem levar a uma revolução social no país e que a revolução social desembocasse no comunismo. O exemplo de Cuba era muito vivo. E é preciso lembrar que tudo isso estava num contexto internacional muito tenso, era a Guerra Fria, a revolução cubana vitoriosa em 1959, a revolução argelina, em 1962, África e Ásia com vários movimentos de libertação social, guerrilhas na América Latina, Crise dos Mísseis, enfim… Um quadro tenso e polarizado que impactava nas circunstâncias brasileiras. Radicalização interna e externa. Do embate entre esses dois campos é que se origina o golpe, que é o triunfo do campo da contra-reforma. Assim, quando o golpe se transformou numa ditadura militar de longo alcance, se transformou numa insatisfação em muitos setores que haviam participado do golpe. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que mobilizou gente de todas as origens, foi um dos apoios mais decisivos para o golpe, é um dos melhores exemplos. Basta dizer que um dos líderes da primeira marcha, que foi em São Paulo, foi Ulysses Guimarães, que rapidamente mudou de lado e mais tarde foi um dos líderes da redemocratização. O mesmo aconteceu com Juscelino Kubistchek. Os moderados queriam que os militares fizessem o trabalho sujo, tirando de cena os líderes mais radicais, comunistas e trabalhistas, para serem novamente os líderes da democracia brasileira.

Como o senhor avalia as correntes históricas revisionistas e negacionistas, que procuram mostrar que nossa ditadura não foi tão dura assim, principalmente quando comparada com o que aconteceu em outros países do continente?

Esse termo “ditabranda”, cunhado pela Folha de S. Paulo e depois adotado por Marco Antonio Villa, é totalmente inconsistente. A ditadura foi extremamente severa, cassou milhares, prendeu outros milhares, exonerou milhares e torturou e matou outros tantos. A tortura já começou em 1964, o livro do Márcio Moreira Alves já denuncia isso. O livro do Elio Gaspari mostra que o Geisel avisa ao Castello Branco que havia torturas sistemáticas, principalmente nos quarteis. Castello Branco destitui os partidos, impõe eleição indireta, fecha o Congresso, cassou ministros do STF. Chamar de branda uma ditadura assim… O historiador precisa trabalhar com evidências, explicitar fontes e analisar esse material. Não há nenhuma evidência de que foi branda, o que não quer dizer que não tenha piorado depois, piorou muito depois do Castello. Temos que comparar o golpe e a primeira fase da ditadura com o passado imediatamente anterior, não com o futuro. O período de 1961 a 1964 era de muita liberdade e efervescência.

Professor, voltando aos atores que agitavam o período de 1961 a 1964, somando a isso a análise que os Estados Unidos faziam sobre o golpe, a pergunta que não quer calar é: por que não houve resistência?

Essa história continua um desafio para os historiadores, porque predomina a visão dos que a gente chama de “os profetas do passado”, que explicam a história assim: aconteceu exatamente o que devia acontecer. É uma tendência usual, o que aconteceu exatamente o que tinha que acontecer. Mas Edgar Morin diz que, às vezes, acontece o improvável. E a vitória fulgurante dos golpistas era considerada extremamente improvável, pelos golpistas e pelos opositores e até pelos Estados Unidos. O pensador Marc Bloch, analisando a capitulação da França diante dos nazistas, fez um livro chamado A estranha derrota. E aqui o caso parece ser o mesmo, uma estranha derrota. As forças de esquerda tinham apoio considerável da população. Se lutassem e perdessem, ok, acontece. Mas nem lutaram.

E em relação às comissões da verdade, professor? Como avalia o trabalho que elas estão desenvolvendo?

Isso escapa totalmente ao escopo das comissões da verdade. O papel da Comissão da Verdade não é recontar ou construir a história. É apurar crimes cometidos por agentes do Estado. É punir e reparar. E se fizer isso, terá feito um bom trabalho. A história da ditadura será construída por historiadores, jornalistas e interessados no assunto.

 

Fonte: sinpro-SP

Nota: Os destaques são do site (V.O).

Os gigolôs da memória

 

Marco Antonio Villa

Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964

A lembrança dos 50 anos da queda de João Goulart ocupou amplo espaço na imprensa. Nenhum outro acontecimento da história do Brasil foi tão debatido meio século depois do ocorrido. Para um otimista, isto poderia representar um bom sinal. Afinal, o nosso país tem uma estranha característica de esquecer o que ocorreu ontem. Porém, a reflexão e o debate sobre 1964 e o regime militar acabaram sendo dominados justamente por aqueles que conduziram o país à crise da república populista e que negaram os valores democráticos nos anos 1960-1970.

A tendência à hagiografia mais uma vez esteve presente. João Goulart foi transformado em um presidente reformista, defensor dos valores democráticos e administrador capaz. Curiosamente, quando esta narrativa é cotejada com relatos de assessores, como o ministro Celso Furtado, ou de um amigo, como o jornalista Samuel Wainer, cai por terra. Furtado, em entrevista à revista “Playboy” (abril, 1999) disse que Jango “era um primitivo, um pobre de caráter”. Wainer relatou que “uma vez por mês, ou a cada dois meses, eu visitava os empreiteiros e recolhia suas doações, juntando montes de cédulas que encaminhava às mãos de João Goulart. (…) Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e 1964. Não fiquei.” (“Minha razão de viver”, p. 238).

Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964. A quebra da hierarquia militar incentivada pelo presidente da República é sabidamente conhecida. A gravidade da crise econômica e a inépcia governamental em encontrar um caminho que retomasse o crescimento eram mais que evidentes. O desinteresse de Jango de buscar uma solução negociada para o impasse não pode ser contestado: é fato. O apego às vazias palavras de ordem como um meio de ocultar a incompetência político-administrativa era conhecido. Conta o senador Amaral Peixoto, presidente do Partido Social Democrático, que em conversa com Doutel de Andrade, um janguista de carteirinha, este, quando perguntado sobre o projeto de reforma agrária, riu e respondeu: “Mas o senhor acredita na reforma agrária do Jango? No dia em que ele fizer a reforma agrária, o que vai fazer depois?” (“Artes da política”, p.455)

Também causa estranheza a mea culpa de alguns órgãos de imprensa sobre a posição tomada em 1964. A queda de Jango deve ser entendida como mais um momento na história de um país com tradição (infeliz) de intervenções militares para solucionar crises políticas. Nos 40 anos anteriores, o Brasil tinha passado por diversas movimentações e golpes civis-militares. Basta recordar 1922, 1924, Coluna Prestes, 1930, 1932, 1935, 1937, 1938, 1945, 1954, 1955 — tivemos três presidentes da República e dois golpes no mês de novembro – e 1961.

Jogar a cartada militar fazia parte da política. E nunca tinha ocorrido uma intervenção militar de longa duração. Esperava-se um governo de transição que garantisse as eleições de 3 de outubro de 1965 e a posse do eleito em 31 de janeiro de 1966. Esta leitura foi feita por JK — e também por Carlos Lacerda. Os dois principais antagonistas da eleição que não houve imaginavam que Castello Branco cumpriria o compromisso assumido quando de sua posse: terminar o mandato presidencial iniciado a 31 de janeiro de 1961.

JK imaginou que Castello Branco era o marechal Lott e que 1964 era a repetição — um pouco mais agudizada — da crise de 1955. Errou feio. Mas não foi o único. Daí a necessidade de separar 1964 do restante do regime militar. Muitos que foram favoráveis à substituição de Jango logo se afastaram quando ficou patente a violação do acordado com a cúpula militar. Associar o apoio ao que se imaginava como um breve interregno militar com os desmandos do regime que durou duas décadas é pura hipocrisia.

Ainda no terreno das falácias, a rememoração da luta armada como instrumento de combate e vitória contra o regime foi patética. Nada mais falso. Nenhum daqueles grupos — alguns com duas dúzias de militantes — defendeu em momento algum o regime democrático. Todos — sem exceção — eram adeptos da ditadura do proletariado. A única divergência é se o Brasil seguiria o modelo cubano ou chinês. Não há qualquer referência às liberdades democráticas — isto, evidentemente, não justifica o terrorismo de Estado.

A ação destes grupos os aproximaram dos militares. Ambos entendiam a política como guerra — portanto, não era política. O convencimento, o respeito à diversidade, a alternância no governo eram considerados meras bijuterias. O poder era produto do fuzil e não das urnas. O que valia era a ação, a força, a violência, e não o discurso, o debate. Garrastazu Médici era, politicamente falando, irmão xifópago de Carlos Marighella. Os extremos tinham o mesmo desprezo pelo voto popular. Quando ouviam falar em democracia, tinham vontade de sacar os revólveres ou acionar os aparelhos de tortura.

Em mais de um mês não li ou ouvi qualquer pedido de desculpas públicas por parte de ex-militantes da luta armada. Pelo contrário, se autoproclamaram os responsáveis pelo fim do regime militar. Ou seja, foram derrotados e acabaram vencedores. Os policiais da verdade querem a todo custo apagar o papel heroico da resistência democrática. Ignoraram os valorosos parlamentares do MDB. Alguém falou em Lysâneas Maciel? Foi ao menos citado o senador Paulo Brossard? E a Igreja Católica? E os intelectuais, jornalistas e artistas? E o movimento estudantil? E os sindicatos?

Em um país com uma terrível herança autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a importância dos valores democráticos.

Fonte: http://www.marcovilla.com.br/

Marco Antonio Villa é  historiador ,mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo e doutor em História Social pela USP. Atualmente é professor da Universidade Federal de São Carlos.

 

 

 

 

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