Artigo de Celso Napolitano*
Há algum tempo negociamos condições de trabalho e remuneração para dois anos. Essa estratégia, debatida e aprovada nas assembleias dos sindicatos, vem dando certo, pois as relações tornam-se mais estáveis e, tanto as instituições de ensino, quanto os professores e funcionários não docentes, têm tempo para planejar e se adaptar às mudanças negociadas.
No ensino superior, ainda nas negociações de 2013, já planejávamos negociar uma Convenção que abrangesse um período superior a dois anos, pela nova ordem imposta.
A inovação na organização das Instituições de Ensino Superior privadas, nos moldes empresarial e mercantilista, com fusões, aquisições, abertura de capital, ingresso de dinheiro proveniente de fundos de private equity, provocam mudanças drástica nas formas de gestão, então profissionalizadas. O grande objetivo passou a ser o lucro e a economia de escala o meio para alcança-lo. Como no ensino não se pode usar a receita da reengenharia que é a demissão horizontal, outras formas de redução de custo estão sendo utilizadas: classes lotadas, disciplinas básicas juntando turmas de vários cursos, semana letiva de quatro dias, pois com o beneplácito do MEC, 20% do curso pode ser “ministrado” à distância, dias de aula de três horas, terceirização de várias funções administrativas etc.
Enquanto isso, a forma de contratação da maior parte dos docentes continua sendo pelo regime de hora-aula, no qual apenas o período da aula é remunerado. Todo o trabalho executado fora da aula (preparação, estudo, qualificação, atualização, orientação, inserção de material de estudo e interação com os estudantes nas plataformas eletrônicas) não é pago.
Segundo o INEP, em 2013, apenas 28,61% dos docentes no Estado de São Paulo (17.765 para 62.092) trabalhavam em regime de tempo integral nas 500 Instituições de Ensino Superior privadas, das quais 30 (6%) são Universidades.
Desse modo, o período tradicional dedicado às negociações, assim como os dois anos de vigência da Convenção Coletiva de Trabalho já não se mostravam suficientes para dar conta de todas as alterações introduzidas na gestão das instituições de ensino superior privadas.
Convencionou-se, então constituir uma “Comissão de Aprimoramento das Relações de Trabalho”, paritária, para estudar e propor (em princípio até 31/03/2014) uma regulamentação para relações do trabalho envolvendo definição de atividade docente, aplicação de novas tecnologias (hora tecnológica), ensino a distância, atividade de tutor de cursos à distância e semipresenciais, cursos modulares e sequenciais, planos de carreira docente, adicional por titulação, aprimoramento acadêmico, número máximo de alunos em sala de aula, entre outros. (Cláusula 55 da CCT).
Essa “extensa” negociação prevista na norma coletiva para se dar ao longo de dois anos, justifica-se, pois envolve temas complexos, cujo estudo exige tempo, dedicação e informações.
Não se trata, portanto, simplesmente, do acerto salarial tradicional, visando apenas obter o índice de reajuste. Trata-se de algo mais: de condições efetivas de trabalho para serem implementadas em médio prazo. Assim as empresas de ensino não poderiam utilizar a desculpa da inviabilidade econômica, pois teriam tempo para planejar e orçar o “aumento de custo”. Em contrapartida, a valorização do trabalho docente traria como consequência a melhoria da qualidade de ensino e, como subproduto, o aumento do número de alunos, mais receita, mais lucro etc.
Trabalhamos em construir propostas para todos esses temas por pelo menos um ano e iniciamos as negociações em agosto do ano passado, com reuniões quinzenais. Havia perspectivas concretas de avanços.
Porém, bastou o corte nos subsídios financeiros governamentais, para que o véu da ilusória tolerância caísse e os mantenedores do ensino retomassem a antiga postura. A regulamentação do FIES foi o motivo que os patrões precisavam e, talvez, procurassem para “endurecer” as negociações.
É importante que nesse ponto sejam colocados parênteses para que se possa colocar a questão da intervenção governamental no financiamento do ensino superior nos seus devidos termos.
É inegável que o FIES é o maior programa de inclusão social projetado pelo governo federal em todos os tempos, com a finalidade de cobrir o enorme déficit do número de vagas oferecidas nas Universidades federais a jovens de baixa renda, apesar do considerável investimento do governo Lula nesse segmento.
Os alunos financiam seus estudos, a juros subsidiados – R$51,00 por trimestre – e restituem esse valor, depois de formados, com 18 meses de carência, em parcelas mensais, no prazo igual a três vezes a duração do curso, mais um ano, sem correção monetária. O sistema previsto, portanto, é de retroalimentação. Depois de algum tempo, os estudantes formados estarão financiando os formandos. Os recursos iniciais para a formação desse “fundo de bolsas” são provenientes do tesouro, considerados como um investimento na capacitação, trazendo como consequência uma evolução tecnológica e jovens em melhores condições de empregabilidade, com maiores salários, maior poder de compra. Mais consumo, mais impostos, mais recursos para investimentos.
Porém, na outra ponta do sistema, a “compra” irrestrita de vagas em instituições privadas de ensino superior, sem a contrapartida da qualidade do ensino oferecida, a “preço de vitrine”, sem discutir ou negociar os preços das mensalidades, ofereceu às empresas mercantilistas o verdadeiro capitalismo sem risco, pois aliava receita certa ao cliente cativo.
Segundo dados publicados no Blog do Estadão Dados, em infográficos dos jornalistas José Roberto de Toledo, Paulo Saldaña e Rodrigo Burgarelli, para atender o aumento de pedidos de financiamento, o gasto por ano do governo federal aumentou 13 vezes em cinco anos. Passou de R$1,1 bilhão em 2010 para R$13,7 bilhões em 2014 (valores corrigidos pela inflação). O grupo Kroton-Anhanguera, por exemplo, recebeu mais de R$2 bilhões em 2014. Por outro lado, desde então, o número de alunos do FIES subiu 448% (de 150 mil em 2010 para 827 mil em 2013), enquanto o total de alunos da rede privada subiu apenas 13% (de 3,9 milhões para 4,4 milhões). Significa que, absurdamente, as Instituições de Ensino incentivavam alunos com condições econômicas a aderirem ao FIES, transformado em seguro contra a inadimplência.
Foi a verdadeira “farra do boi” do ensino privado. Ações em disparada na bolsa, aquisições e fusões em profusão, precificando a “cabeça de aluno”, chamado de ativo acadêmico. As antigas mantenedoras vendiam o potencial de estudantes e mantinham os prédios, alugando-os aos novos compradores. Com os preços nas alturas, os fundos de private equity venderam as ações, com lucros absurdos. Verdadeiros “negócios da China” com dinheiro público.
A regulamentação dessa farra tardou, mas chegou, porém, as empresas ainda não têm do que se queixar, pois para 2015 está previsto o repasse de mais de R$17 bilhões para o FIES, em financiamentos de contratos antigos e novos. As empresas têm dinheiro em caixa.
Porém os patrões continuam alegando uma pretensa “crise” para emperrar as negociações e se recusam a discutir qualquer avanço nas condições de trabalho e a cada reunião apresentam uma sucessão de propostas que consideramos indecentes, pois configuram e cristalizam perdas tanto na base, quanto na massa salarial dos trabalhadores. Lucraram nos tempos de vacas gordas e querem antecipar a socialização de prejuízos em tempos de alegadas vacas esbeltas.
Nossa postura, referendada pelas assembleias foi a de nos mantermos irredutíveis nas propostas de reposição da inflação, com ganho real e de retomada das discussões sobre condições de trabalho.
Afinal, onde está o dinheiro? O gato comeu? O gato sumiu? Ninguém viu?
O manifesto aprovado pelas assembleias e distribuído aos professores é conciso e claro: EXIGIMOS RESPEITO!
*Professor da FGV-SP, presidente da Fepesp e do Diap
Texto originalmente publicado no site Fepesp
http://www.sinprosp.org.br/noticias.asp?id_noticia=2079