Mec, Conae e a ditadura da ideologia de gênero*
Carlos Alberto Di Franco
O governo não consegue esconder seu viés autoritário. O discurso oficial é sempre um oba-oba à democracia, a prática concreta é bem diferente. O Plano Municipal de Educação é o mais recente exemplo do desprezo dos governantes pelas regras da democracia representativa. Explico, amigo leitor, as razões da minha afirmação.
Tramita atualmente nas câmaras de vereadores (a de São Paulo incluída) o projeto de lei que institui o Plano Municipal de Educação para a próxima década. O Plano Nacional de Educação (PNE), base para os planos municipais, foi intensamente debatido na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, sendo dele excluída a menção à “igualdade de gênero” pela relação direta que tem com a chamada “ideologia de gênero”. Os embates democráticos e a retirada da linguagem de “gênero” foram amplamente noticiados.
A proposta do Ministério da Educação (MEC), fortemente apoiada na ideologia de gênero, perdeu o jogo. Porém o governo tenta ganhar no tapetão e, num flagrante desrespeito ao Congresso, trata de contornar a decisão dos parlamentares. Vejamos como se dá o malabarismo antidemocrático.
O MEC atua mediante vários organismos. A Conferência Nacional da Educação (Conae) preparou um documento que serviu como norteador para a formulação dos planos municipais. A ideologia de gênero, afastada pelo Congresso Nacional, reaparece com vigor no texto. É uma olímpica banana às regras do jogo democrático. O documento, que contém mais de uma centena de referências a “gênero”, foi elaborado pelo Fórum Nacional de Educação.
Depois do debate democrático realizado no Parlamento, que resultou na Lei 13.005/14, que instituiu o Plano Nacional de Educação, o governo, num evidente desrespeito à lei, reintroduz a ideologia de gênero e submete novamente o plano à discussão. Resumo da ópera: o pretenso respeito à democracia é só jogo de cena.
Tendo em vista a proximidade da votação, torna-se indispensável chamar a atenção da sociedade para a relevância do assunto. O que está por trás de tudo é a tentativa, mais uma, de impor às crianças a ideologia de gênero. Simples assim.
Mas, afinal, o que vem a ser essa teoria autoritária?
Trata-se da distorção completa do conceito de homem e mulher, ao propor que o sexo biológico seria um dado do qual deveríamos libertar-nos em busca da composição livre e arbitrária da identidade de gênero. É uma ideologia que defende a absoluta irrelevância dos dados biológicos e psíquicos naturais na construção da identidade da pessoa humana, considerando o gênero de cada indivíduo como uma elaboração puramente pessoal. Não existe menino e menina. É tudo neutro. É isso que pretendem ensinar às crianças. De modo dogmático e compulsório.
Há quem pense que a ideologia de gênero seria uma forma de proteger as minorias e sua introdução na legislação educacional seria um avanço em relação à proteção dos direitos humanos. Mas não é assim. Como disse alguém, na lógica interna da ideologia de gênero não há lugar para o conceito de mulher, nem de homossexual, nem de nenhuma outra identidade abstrata. Logo, com uma ideologia dessas, os próprios movimentos feministas e homossexuais perderiam seu suposto fundamento e a razão de suas lutas.
A ideologia de gênero traz diversos inconvenientes (1) para a educação: 1) A confusão causada nas crianças no processo de formação de sua identidade, fazendo-as perder as referências; 2) a sexualização precoce, na medida em que a ideologia de gênero promove a necessidade de uma diversidade de experiências sexuais para a formação do próprio “gênero”; 3) a abertura de um perigoso caminho para a legitimação da pedofilia, uma vez que a “orientação” pedófila também é considerada um tipo de gênero; 4) a banalização da sexualidade humana, dando ensejo ao aumento da violência sexual, sobretudo contra mulheres e homossexuais; 5) a usurpação da autoridade dos pais em matéria de educação de seus filhos, principalmente em temas de moral e sexualidade, já que todas as crianças serão submetidas à influência dessa ideologia, muitas vezes sem o conhecimento e o consentimento dos pais. Trata-se, sem dúvida, de uma violência arbitrária do Estado.
Na verdade, uma onda de intolerância avança sobre a sociedade. O tema da sexualidade passou a gerar novos dogmas e tabus. E os governos, num espasmo de obscurantismo totalitário, querem impor à sociedade um único modo de pensar, de ver e de sentir.
Uma coisa é o combate à discriminação (2), urgente e necessário. Outra, totalmente diferente, é o proselitismo de uma concepção única da sexualidade. Não cabe ao governo, contra a vontade da maioria da população, formatar a cabeça das crianças brasileiras. Tal estratégia, claramente delineada no desrespeito à Lei 13.005/14, tem nome: totalitarismo.
A intolerância atual é uma nova ideologia, ou seja, uma cosmovisão – um conjunto global de ideias fechado em si mesmo -, que pretende ser a “única verdade”, racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na educação, etc. Tal como as políticas nascidas das ideologias totalitárias, a atual intolerância execra – sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele – os pensamentos que divergem dos seus “dogmas” e não hesita em mobilizar a “inquisição” de certos setores para achincalhar, sem o menor respeito pelo diálogo, as ideias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo. Alegará que são interferência do pensamento conservador e liberal, quando um verdadeiro democrata deveria pensar apenas que são outros modos de pensar de outros cidadãos, que têm tantos direitos como eles.
O governo não pode passar por cima da lei e do Congresso Nacional e impor a sua vontade à sociedade brasileira. Os vereadores têm a oportunidade e o dever de barrar esse atalho autoritário.
*CARLOS ALBERTO DI FRANCO É JORNALISTA. E-MAIL:
Notas do Olivereduc.
* Subtítulo acrescentado por nós.
Em dois pontos penso ser necessário ser mais específico na linguagem que o brilhante jornalista:
- Mais do que inconvenientes são autênticos malefícios.
- É “urgente e necessária” o combate a toda discriminação. Concordo desde que se introduza a palavra injusta. A aceitação da palavra discriminação tal como é usada hoje é muito bem explicada no Lexicon, do Pontifício Conselho para a Família, publicado no Brasil pela Edições CNBB, 2007. Encontramos lá no artigo sobre a “Manipulação da Linguagem, escrito por Warwick Neville: “Provavelmente um dos instrumentos linguísticos usados com maior regularidade é a pós-moderna “discriminação”, que se tornou hoje o termo pejorativo por excelência. Sua utilização pressupões uma suposta culpa, uma não inocência. As palavras qualificativas “justo” e “injusto” são sempre ignoradas”. (op. cit. p. 575)
Aqui temos uma notável vitória semântica e de guerra psicológica dos neomarxistas manipuladores da linguagem. A palavra – por exemplo na Constituição brasileira – foi um autêntico cavalo de Tróia para tudo de ruim que querem incluir em nossas leis. Ademais, fez com que a imensa maioria das pessoas se apressem em dizer que não discriminam ninguém ou coisa alguma.