Carlos Alberto Di Franco
Não tenho entusiasmo por Donald Trump. Assusta-me a exacerbação patológica do seu ego. Suas bravatas não preocupam tanto. São marqueteiras e oportunistas. Chuvas de verão. A vida real e os formidáveis freios e contrapesos da democracia norte-americana impedem aventuras muito coloridas: o Legislativo e o Judiciário não permitem que presidente ultrapasse a fronteira da vida democrática.
Este artigo não está focado em Donald Trump, mas na qualidade da cobertura da imprensa. A vitória do republicano foi uma derrota da mídia. A imprensa, excessivamente engajada, não foi capaz de captar a América profunda. Não fez jornalismo. Fez campanha.
O que se viu não foi uma cobertura das eleições presidenciais, mas uma vasta mobilização midiática a favor de Hillary Clinton. Os jornais foram muito além de uma opção editorial transparente e aceitável. Perderam conexão com a realidade.
Como disse um amigo, desde as convenções dos partidos ele foi considerado uma piada. Agora, assim como o Brexit, será objeto de teses acadêmicas sobre a incapacidade dos analistas em antever o iceberg.
Precisamos, todos, fazer uma autocrítica.
Um abismo separou a chamada elite intelectual, formadores de opinião e jornalistas, que são mais cosmopolitas e liberais e torciam pela vitória de Hillary, e o grosso da população que elegeu Trump.
“Como esses dois grupos praticamente não convivem, não houve troca entre eles. Muitos jornalistas só conversavam entre si”, diz Philip Seib, professor de jornalismo e de relações internacionais da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles.
A revista americana Newsweek chegou a imprimir 125.000 exemplares com Hillary presidente na capa. Esqueceu-se o básico: ouvir as pessoas, sair às ruas, fazer jornalismo.
O que preocupa, e muito, é a percepção que se formou a respeito de uma suposta separação entre a imprensa e o mundo real.
As redes sociais registram forte rejeição à mídia. E isso é injusto, precipitado e perigoso. Sem jornalismo público, independente e qualificado, o futuro da democracia é incerto e complicado. A internet é um fenômeno de desintermediação.
E que futuro aguarda os meios de comunicação, assim como os partidos políticos e os sindicatos, num mundo desintermediado?
Só nos resta uma saída: produzir informação de alta qualidade técnica e ética. Ou fazemos jornalismo para valer, fiel à verdade dos fatos, sem engajamentos ideológicos, apoiado na força de uma opinião equilibrada e qualificada, verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e com excelência na prestação de serviço, ou seremos descartados por um consumidor cada vez mais fascinado pelo aparente autocontrole da informação na plataforma digital.