Valter de Oliveira
Teoricamente intelectuais e militantes da esquerda sempre foram críticos dos governos Vargas. Há muitas razões. Getúlio subiu ao poder com a Revolução de 30 que, na lógica socialista marxista, nunca foi revolução (1). Seu governo nacionalista, especialmente a partir de 1937, seria simpático ao nazi-fascismo, como o comprovaria a Constituição do Estado Novo, a Polaca (2). Também as leis trabalhistas que Vargas promulgou, nas exigências da Constituição de 1934, foram inspiradas em leis fascistas italianas. Leis aprovadas, não na verdade pelo desejo de um real apreço pelo povo e pelo senso de justiça, mas simplesmente porque assim seria melhor para as assim chamadas classes dominantes. Lembremos ainda que Getúlio combateu a esquerdista ANL (Aliança Nacional Libertadora) e teve que se defrontar com Intentona de 35 que acabou com a prisão de Luís Carlos Prestes, sua mulher Olga Benário, comunistas como Agildo Barata e muitos outros líderes e militantes até hoje idolatrados pela esquerda brasileira.
Para ilustrar melhor esses pontos na própria visão da esquerda transcrevo algumas partes de um livro didático de História do Brasil para o Ensino Médio de autoria de Francisco de Assis Silva (3):
“A situação da classe operária no início dos anos 30 era desesperadora. (…) Em 1931 havia aproximadamente 2 milhões de desempregados e subempregados (…). Principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro a massa se aglomerava nas praças esperando algum aviso de emprego. Passaram a ser comuns saques a armazéns e lojas e conflitos com a polícia”.(…)
“(…) A questão social continuava sendo um caso de polícia. Cabia ao novo governo criar uma legislação social que viesse a atender, pelo menos em parte, as reivindicações dos trabalhadores e mudasse o quadro das relações entre empregadores e empregados”
“As elites dominantes se sentiam ameaçadas pelas manifestações operárias e passaram a aceitar o Estado como árbitro na luta entre capital e trabalho, pois não se julgavam capazes de assumir, em seu próprio nome, as responsabilidades do Estado.
Conforme Francisco Silva Vargas vai submeter os diferentes grupos sociais ao domínio do Estado, e inibir as lutas de classes, através de uma política populista:
“O populismo pode ser definido, em síntese, como a política estatal de controle das classes trabalhadoras urbanas (operariado, classes médias assalariadas, pequena burguesia proprietária).
“Em outras palavras, no populismo os grupos burgueses que exercem o poder, incapacitados de controlar as camadas populares, recorrem ao Estado para que este intermedeie os conflitos de classes.
“Por outro lado, as classes trabalhadoras urbanas aceitam o controle do Estado Populista por admitirem a ideia mítica e/ou/mística de que ele é seu protetor, seu orientador político, seu defensor perante as elites dominantes, e que seu bem estar social está diretamente vinculado à ação do Estado”.
“Na prática, o Estado Populista reforça essa ideia através de concessões feitas à massa trabalhadora urbana, como, por exemplo, o atendimento ainda que parcial de algumas de suas reivindicações”.
“A disciplina entre capital e trabalho foi parcialmente conseguida pelo Estado Populista de Vargas através do controle dos sindicatos e pela concessão lenta e gradual de Leis Trabalhistas postas em prática pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, criado em novembro de 1930, pelo qual o governo intervém, sistemática e profundamente, na questão trabalhista”.
(…)
“Apesar da importância das leis trabalhistas para o trabalhador urbano – o trabalhador rural não foi beneficiado – sua concretização e o controle dos sindicatos foi uma forma populista de “neutralizar” as massas. Nesse particular, há quem afirme que a política de Vargas favoreceu sobretudo as classes dominantes”.
Finalmente o autor comenta como Vargas destruiu a liberdade sindical, durante o Estado Novo, “quando os sindicatos se transformam praticamente num órgão oficial do governo, sujeitos à legislação governamental. Oficializava-se o peleguismo, isto é, a política de “amaciamento” das massas sindicalizadas pelos “pelegos” – burocratas sindicais a serviço do governo e dos empresários”.
O texto ilustra bem, a meu ver, uma visão praticamente hegemônica da história do Brasil presente em nossos livros didáticos. Nossos alunos não sabem, não são avisados, que estão assimilando uma visão esquerdista da história. O que não quer dizer que não haja várias verdades na análise feita.
Contudo, se essa visão for tida como verdadeira, ou completamente verdadeira, não deixa de ser curioso ver toda a nossa esquerda apegar-se ferrenhamente às leis de Vargas. O ditador pró-fascista passa a ser enaltecido e já se apressam a coloca-lo no panteão dos heróis da esquerda… Talvez porque resolveram reconhecer as semelhanças de objetivos, métodos e programas dos ditadores de “direita”…
Além disso o populismo, sempre fortemente criticado por nossos livros didáticos de história, passa agora a ser revisto… Já há vários professores de esquerda dizendo que não entendem porque há tanta crítica ao populismo por adversários de “direita”. O que haveria de mal no populismo?
Talvez eles digam como teria dito FHC: “Não se importem com o que escrevi no passado!”
Que haja falta de clareza ideológica na grande maioria da população é explicável. É fruto de um ensino deplorável em que muito pouco se aprende, especialmente na área da Ciência Política. Já entre intelectuais e acadêmicos é simplesmente deplorável. Para dizer pouco.
Notas:
- Na concepção marxista só há Revolução quando as estruturas sociais são modificadas. Assim seria, por exemplo, na passagem do capitalismo para o socialismo onde a propriedade privada deixaria de existir em favor da propriedade comum, controlada pelo Estado). Revoluções conjunturais são meras reformas.
- A Constituição de 1937 foi inspirada na da Polônia que, na época, adorara a ideologia fascista.
- Silva, Francisco de Assis. História do Brasil: Colônia, Império, República. São Paulo, Moderna, 1992, p.253, 254.