PARTE II: DESCREVENDO A MANIPULAÇÃO
Valter de Oliveira
Não é necessário que alguém seja especialmente perspicaz para perceber que os meios de informação têm tendências políticas e ideológicas. Costumava-se dizer aqui em São Paulo, por exemplo, que o Estadão era um jornal de direita e a Folha de esquerda. Mesmo assim, muita gente considerava que as notícias e opiniões que expressavam seguiam padrões jornalísticos confiáveis.
Notemos, em primeiro lugar, que os meios de comunicação, por mais honestos que pretendam ser, não fornecem a notícia como se tratasse de um informe oficial, burocrático, frio. Como dissemos no primeiro artigo sempre existe a influência da ideologia ou linha editorial do meio de informação. Todos desejam ser lidos, ouvidos, vistos. Todos têm por objetivo captar nossa atenção por meio de recursos próprios da técnica informativa. Esta pode ser usada de modo honesto ou manipulador. Nem sempre é fácil distinguir entre um e outro. De qualquer modo é preciso que tenhamos isso em conta porque nem toda técnica informativa é uma manipulação no sentido de faltar com a objetividade.
Como isso é feito? De vários modos. Vejamos alguns deles.
1. Titulação. O que se coloca na titulação é o que se julga mais importante. Editores titulam as mesmas notícias de modo absolutamente distinto. Cada um, a seu modo, parte de sua visão de mundo, de suas crenças e valores, a fim de procurar um meio de atingir e influenciar o leitor. Imagine duas manchetes sobre um mesmo acontecimento:
Globo: “Fortes reações nos EUA contra medidas de Trump que prejudicam direitos humanos”.
National Catholic Register: “Trump cumpre promessas de campanha e agrada aos movimentos pró-vida”.
Ambas as manchetes dão enfoques diferentes à mesma notícia e se referem ao fato de que o presidente americano tomou medidas restritivas ao aborto e decidiu não permitir o financiamento da “Planned Parenthood”, instituição abortista americana com ação global e que foi acusada de vários crimes. O Globo, que claramente apoia o movimento da esquerda cultural, decidiu dar ênfase às reações do movimento feminista americano contra as decisões da Casa Branca. Lembremos que o movimento nega os direitos do nascituro, afirma que o ser humano tem autonomia absoluta sobre o próprio corpo e considera que impedir um aborto é uma violação dos direitos da mulher. O jornal, com sua manchete, procura dar uma conotação negativa da ação de Trump e procura aumentar a rejeição a ele.
Já na segunda manchete o jornal NCR dá destaque ao atendimento de Trump às reivindicações dos movimentos Pró Vida, que consideram que todo ser humano tem direitos desde sua concepção. Ademais ela procura criar uma simpatia pelo presidente ao mostrar que ele atuou cumprindo suas promessas de campanha.
2. Colocação da notícia nas páginas de um jornal. Aqui também, da primeira à última página do jornal, do cabeçalho à parte inferior de cada página, há mil maneiras de se valorizar mais ou menos uma notícia. Isso também é feito com o tipo de letra com que a notícia é publicada.
3. Redação da notícia. Um jornalista escreve seu artigo, mas este pode, conforme o caso, ser alterado de várias maneiras. Razão: apresentar a notícia de modo a influenciar a opinião pública conforme o pensamento dos editores dos jornais.
4. Silenciar determinados fatos
Há acontecimentos que recebem pouco destaque e outros que nem sequer são mencionados. Claro que vão dizer que os últimos não tinham interesse publicitário. Na verdade não são expostos porque interessa mais que fiquem ocultos. Isso pode ocorrer por diversos motivos: represália, interesse político-econômico ou ideológico, ou simplesmente má fé.
5. Desencadeamento de campanhas contra instituições ou pessoas. Aqui normalmente entram todos os fatores que citamos anteriormente. Elas englobam também, de forma às vezes descarada, duas formas de mentiras:
a) A mentira oficiosa, que tende a favorecer – ou prejudicar – uma pessoa, uma coletividade, uma corrente de pensamento. Basta ver o caso das manifestações políticas. O número de manifestantes varia em dezenas ou centenas de milhares de pessoas conforme a mídia que o veicula. Tudo depende se a mesma é mais afim com uma ou outra ideologia.
b) A mentira prejudicial. É a calúnia pura e simples com o fim de prejudicar pessoas. Muitos, à maneira de Lenin, acreditam que tal postura é legítima – e até “ética” – porque são favoráveis à sua ideologia. Maquiavelicamente acreditam que o fim justifica os meios.
Termino elencando mais alguns pontos:
- Entender que nem toda informação constitui um conhecimento da realidade.
- Informações vistas ou apresentadas de modo superficial tendem a provocar análises e juízos errôneos e até injustos;
- O importante e o interessante não são sinônimos. É bom lembrar quanto espaço a mídia dá para novelas e “curiosidades” dos “famosos”.
- Nem tudo é matéria de informação. Bons jornalistas sabem disso muito bem. Sabem conciliar transparência com o direito de privacidade e da dignidade das pessoas.
Resumindo: Não acreditar em tudo, saber esperar mais informações antes de se arvorar a palpitar sobre tudo, saber documentar-se e, finalmente, saber rejeitar os estereótipos, ou seja, uma imagem rápida e simplificada da verdade que nos leva a engolir grandes mentiras.
Nada disso é possível sem paciência, trabalho e honestidade.
Se conseguirmos ter essas coisas em vista poderemos contribuir para termos um mundo melhor. E, sobretudo, estaremos desenvolvendo a nós mesmos.
Nota 1: Os dois artigos reproduzem, em grande parte, as ideias e considerações encontradas no livro “Problemas morais da existência humana, de Rafael Gomez Perez, Lisboa, edições CAS, 1980.
Nota 2. Há ocasiões em que o jornal ou revista publica falsas informações devido à má fé de algum de seus colaboradores. Neste sentido são famosos alguns casos.
a) o do jornalista Jayson Blair. do New York Times que cometeu enorme número de fraudes e enganou seus editores.
https://longreads.com/2014/01/22/famous-cases-of-journalistic-fraud-a-reading-list/
b )na mesma linha vale a pena ver o filme “Shattered Glass”.(Em português, o preço de uma verdade). Baseado em fatos reais narra a história de um jornalista de 24 anos – Stephen Glass que forjou artigos em importante revista americana.