Denis Lerrer Rosenfield
07/12/2009
O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi, durante décadas, controlado por grupos mais à esquerda da comunidade estudantil, com destaque para o PSOL, o PSTU, o PT e o PCdoB.
Era como um jogo de cartas marcadas, em que esses grupos, entre si, disputavam o poder. O ambiente vigente era o de partidos orientados por ideias anteriores à queda do Muro de Berlim, como se, para eles, o mundo não tivesse mudado nem mostrado as vicissitudes da democracia totalitária. O mundo estudantil era um mundo de ideias bolorentas.
Temos presenciado, em particular, recentemente, no Estado de São Paulo, como estudantes cada vez mais radicalizados invadem prédios da Reitoria, impedem a entrada de professores e funcionários e procuram, de todas as maneiras, impedir o livre desenvolvimento do trabalho acadêmico e da pesquisa. A liberdade é fortemente cerceada. Sua preocupação não é a vida universitária, mas a política, servindo a primeira como mera correia de transmissão da segunda. O conhecimento e o mérito são simplesmente relegados. Falta um ar renovador nesse ambiente asfixiante.
Eis que, na UFRGS, conhecida como preponderantemente de esquerda, acontece algo totalmente inusitado. Um grupo de estudantes, não partidário, portanto, não vinculado a nenhum partido político, diz-se de “direita”, enfrenta esses diferentes grupos/partidos de esquerda e ganha as eleições para o DCE ? 35 votos foram a diferença matemática que garantiu à Chapa 3 derrotar outras três chapas esquerdistas, uma delas formada por militantes do PSOL, outra por radicais do PSTU e a última por filiados do PT e do PCdoB.
O curioso aqui reside em que esse grupo não é apenas dito de “direita” por seus opositores esquerdistas, mas se assume como tal. Sabemos que essas distinções não deixam de ser relativas, pois, por exemplo, o PT, para o PSTU (e para o PSOL), é um partido que abandonou a “esquerda”, por ter “traído” as suas posições doutrinárias. O PT, nessa perspectiva, ter-se-ia tornado “neoliberal”. Convém, contudo, analisarmos quais são as bandeiras desse grupo de “direita”, para que tenhamos uma visão mais precisa de sua concepção.
Em seu material de propaganda, eles estampam como preocupação central a excelência acadêmica. Suas demandas consistem em melhores laboratórios, mais verbas para a compra de livros e melhores condições gerais de ensino e pesquisa. Se essa é reconhecidamente uma bandeira de “direita”, isso significaria dizer que os grupos de esquerda são contra a excelência acadêmica, melhores laboratórios e bibliotecas mais bem equipadas. O contraste, aqui, é particularmente evidente no que diz respeito a uma concepção de universidade e, por extensão, de sociedade.
Sabemos que esses grupos de esquerda têm especial ojeriza pelo mérito, que, no entanto, é próprio do desenvolvimento do conhecimento e da ciência. Alguns se destacam; outros, não. Alguns progridem; outros, não. Há uma diferenciação própria do avanço do conhecimento e da pesquisa, mostrando quão simplórias são as ideias de igualdade para dar conta de tal tipo de situação. Uma sociedade desenvolvida não aposta numa equalização por baixo do conhecimento e da ciência, mas numa diferenciação por cima. E é o conjunto da sociedade que ganha com isso, dos menos aos mais bem aquinhoados.
Outro anátema para a esquerda reside numa proposta de incentivar o empreendedorismo. A finalidade consiste numa maior integração universidade-empresa, com o lucro sendo revertido na formação dos estudantes e na pesquisa. Para eles, a universidade deve voltar-se para fora, não ficando fechada em si mesma, seguindo ideias conforme as quais qualquer envolvimento com empresas significaria uma perda de sua “pureza”, uma queda no “mal”. Caberia mesmo a pergunta: de qual “pureza” se trata? Só pode ser a “pureza ideológica” de ideias que vicejam no mofo. O novo programa estudantil está centrado no mercado de trabalho, com o após universidade, com a criatividade, com a inovação, com a interação com a sociedade.
Outra bandeira ostentada pela chapa vencedora foi a da segurança. Normalmente é esta, também, considerada uma bandeira de “direita”. Com efeito, o novo DCE pensa que maior segurança é necessária nos câmpus universitários. Propugna até por um convênio com a Brigada (Polícia) Militar. Para a esquerda, é algo intolerável. Qual é, porém, a situação real, para além da demagogia? O que os estudantes ? e os professores e funcionários ? vivem na universidade é uma situação de insegurança, com roubos, assaltos e mesmo estupros. Alguns câmpus não podem ter, normalmente, cursos noturnos. Isso quer dizer que a “esquerda” pensa em manter essa condição de insegurança sob o pretexto de que a Brigada Militar não deve entrar na universidade? Quem responde, então, pela segurança, bem maior, de todo cidadão? Os militantes esquerdistas?
Uma outra ousadia do programa “direitista” consiste em proclamar o seu engajamento por eleições transparentes. Até agora as eleições foram feitas com urnas aleatoriamente dispostas em determinadas unidades, em horários igualmente arbitrários. Por exemplo, em unidades onde a “direita” era forte, as urnas funcionavam num exíguo período de tempo, dificultando, portanto, a participação, sobretudo de estudantes não engajados partidariamente. Em unidades onde a “esquerda” era forte, as urnas funcionavam durante todo o dia, num horário elástico. A nova proposta visa a ampliar a participação para todos os estudantes via meios eletrônicos, como o portal da universidade, mediante o uso de senhas. Logo, segundo a “direita”, as eleições devem ser eletrônicas, transparentes, evitando a fraude, e propiciando ampla participação. A “esquerda” é contra, exibindo, aliás, o seu perfil “democrático”!
O mofo de certas ideias foi arejado por um sopro de ar!
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: [email protected].
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