Cláudio de Moura Castro 18/01/2011 “Há a mágica criada pelo grande
Nelson Freire acaba de tocar uma sonata de Mozart. Aplausos de pé, efusivos. E ninguém menospreza seu talento, pelo fato de que não só tocou rigorosamente todas as notas de uma partitura comprada na loja, mas seguiu o andamento anotado por Mozart. O público festeja o momento mágico criado pela sua interpretação.
Mas espera-se muito mais de um professor. Sua “interpretação” na aula é pouco. Seguir a partitura é “escravizar-se ao autoritarismo de um livro”. Ele tem de “criar” a aula, inventando maneiras de levar o aluno a construir seu mundo intelectual. O pobre professor tem de ser Nelson Freire e também Mozart.
Por que o professor não pode ter partitura? Por que as idéias construtivistas que deram certo não podem ser apresentadas nos livros, para que sejam testadas e usadas? Pesquisas mostram que, usando “partitura” (isto é, bons materiais), o aluno aprende mais.
Desde os primeiros dias, um pianista aprende a tocar piano tocando piano. E não vendo um professor ao quadro-negro. E aprende o tempo todo sob a tutela de um pianista praticante. Amador ou profissional, o pianista continua tocando para algum mentor mais ilustre, até o fim de sua carreira musical. É educação permanente.
Já o professor consome seu tempo com teorias pedagógicas que não consegue aplicar e quase não tem oportunidades de praticar na presença de um mestre que comente, corrija e retoque seu desempenho em sala de aula. Não aprende a arte de dar aula. É largado por sua conta, tendo de inventar a própria partitura. O professor é um deserdado na sala de aula, ninguém o ajuda, ninguém sabe como é seu desempenho.
O estudo do pianista inclui duas fases. Primeiro, ele aprende a partitura. Toca pesado e devagar, para fixar na memória as notas. É a etapa “conteudista” de seu aprendizado. Mas a formação de professores desdenha essa etapa, embora seja difícil entender como é possível ensinar sem dominar bem os conteúdos.
Sabida a partitura, o pianista estuda a interpretação que vai dar a ela. Para isso, ouve os melhores intérpretes e discute com colegas e professores. Já o professor, entupido com teorias, raramente pratica diante de mestres mais experimentados. Essa parte foi sub-repticiamente subtraída de sua formação.
O pianista se sabe um ator. O professor foi ensinado a ignorar sua função nobre e a menosprezar o palco da sala de aula.
A performance do pianista é julgada pela platéia e pelos críticos. Não interessa o diploma, pois tudo o que está sendo avaliado acontece na sala de concertos. Já o professor se sente ameaçado quando alguém decide indagar dos alunos como ele funciona em sala de aula. Perde-se o feedback e a melhoria de desempenho resultantes. Nem pensar em dar aula a um inspetor, como na França.
Esse é o grande equívoco, professor produz na sala de aula, mas é julgado pelo que nada tem a ver com a dita. Os diplomas não são concedidos a quem é inspirado na sala de aula, mas a quem passa em provas de conhecimentos. Só se julga o que não interessa. Só nos cursinhos o desempenho em sala de aula é o fator crítico para a contratação.
Os pianistas começam a aprender com o melhor pianista que encontram e continuam, por toda a vida, tocando para bons intérpretes. Os professores aprendem com quem jamais se celebrizou pela interpretação (isto é, na sala de aula), embora tenha muitos diplomas para mostrar. Quando penso nos critérios usados para selecionar quem vai ser o professor do professor, lembro que nunca ouvi falar de uma busca pelas grandes estrelas em sala de aula. Onde estão os mestres que seduzem e hipnotizam?
A interpretação não é uma arte menor. É lá que se incendeiam as mentes, se inspiram os alunos e se desencadeiam os processos que levam ao aprendizado. Há a mágica criada pelo grande pianista e há a mágica, igualmente notável, do professor inspirado.
Fico pensando, ao ver como se preparam nossos pianistas e como se preparam nossos professores: por que não aprendemos com os pianistas como preparar nossos professores?
Claudio de Moura Castro é economista |