No livro “Um cavalheiro em Moscou”, que permaneceu por quase um ano na lista de best-sellers do The New York Times, seu autor, Amor Towles, apresenta com humor e leveza um elogio aos valores e tradições deixados para trás pelo avanço da história.
Nobre acusado de escrever uma poesia contra os ideais da Revolução Russa, Aleksandr Ilitch Rostov, “O Conde”, é condenado à prisão domiciliar no sótão do hotel Metropol, lugar associado ao luxo e sofisticação da antiga aristocracia de Moscou. Mesmo após as transformações políticas que alteraram para sempre a Rússia no início do século XX, o hotel conseguiu se manter como o destino predileto de estrelas de cinema, aristocratas, militares, diplomatas, bons-vivants e jornalistas, além de ser um importante palco de disputas que marcariam a história mundial.
Mudanças, crises e questionamentos não paravam de entrar pelo saguão do hotel, criando um desequilíbrio cada vez maior entre os velhos costumes e o mundo exterior. Graças à personalidade cativante e otimista do Conde, aliada à gentileza típica de suas origens, ele soube lidar com a sua nova condição.
O clima é tenso, as relações vão se complicando, as ironias e os julgamentos precipitados contaminam o ambiente, a capacidade de dialogar vai desaparecendo no ralo das paixões humanas. Com sua experiência de vida, carregada de sabedoria, Rostov comenta com um de seus interlocutores: “Se um homem não dominar suas circunstâncias, ele é dominado por elas”. Uma pérola de realismo e de capacidade de liderança. Tem tudo a ver com o dramático momento que estamos vivendo.
Seria bom que nossas lideranças, muito especialmente o presidente da República, meditassem no conselho do prisioneiro do hotel Metropol. A perda de domínio das circunstâncias pode transformar a liderança em algo vazio e perigoso.
Os fatos mostram que o presidente Bolsonaro não está sabendo lidar com as suas circunstâncias. Afasta-se dos seus ministros, desconfia do seu entorno e vai, aos poucos, reduzindo o leque de interlocutores a um pequeno universo de vozes concordantes. A opinião de seus filhos têm hoje mais peso do que o conselho de ministros competentes e leais. A presença de Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro, em recente reunião do Ministério acendeu uma luz mais do que amarela. Confundem-se as circunstâncias e as estações. A racionalidade vai sendo superada e a emoção toma conta do processo.
Não sou daqueles que enxergam Bolsonaro pelo filtro da crítica corrosiva e de um antagonismo ideológico visceral. Esforço-me para olhar os fatos. Esta deve ser, creio, a atitude dos jornalistas e formadores de opinião. Reconheço que o presidente da República soube montar uma excelente equipe. Muito superior às da era petista. Tem gente séria trabalhando: Paulo Guedes, Sergio Moro, Luiz Henrique Mandetta, Tarcísio Gomes Freitas, Tereza Cristina, general Heleno, o porta-voz da presidência general Rego Barros, entre outros. Não dá para comparar com ministérios recentes, autênticas centrais de incompetência e de corrupção que brotavam como cogumelos.
Jair Bolsonaro, com suas virtudes, seus defeitos e seu estilo “presidente mesa de bar”, soube captar o pulsar profundo da sociedade. Sua mensagem -na política, na economia, na segurança pública, na defesa dos valores- foi ao encontro de um sentimento latente na alma nacional. Soube falar com o Brasil profundo.
Seu grande equívoco é o de permanecer em clima de confronto permanente. Alguns dirão, e talvez com certa dose de razão, que muitas vezes ele reage às críticas. Mas o presidente precisa saber lidar com o contraditório, mesmo quando injusto. Creio que muitas vezes Bolsonaro estique excessivamente a corda da sua comunicação conflitiva. Não se dá conta de que o futuro do Brasil e o seu próprio destino depende de menos alarido e mais governo. O presidente, influenciado por seus filhos, só olha para as redes sociais. Mantém sua militância unida, mas corre crescente risco de perder importante capital representado por aqueles que querem mais governo, mais diálogo e menos conflito.
O Brasil, não esqueçamos, é um país de consenso. Não foi só a roubalheira que fez água no projeto lulopetista de perpetuação no poder. Foi o cansaço provocado pela interdição do diálogo e pela estratégia do “nós contra eles”. A agressividade como forma de comunicação pode dar certo no curto prazo. Mas desgasta, e muito, numa perspectiva de médio prazo. Provoca antipatia e acaba transferindo o controle da narrativa para as mãos dos que, espertamente, se apresentam como mocinhos do filme. É o que já está acontecendo.
Não tem sentido o presidente da República fazer contraponto ao seu ministro da Saúde em caminhada dominical pela zona comercial de Brasília. Não é o lugar adequado. Sua preocupação com a economia e com o desemprego, justa e urgentíssima, deve ser trabalhada e alinhada com seus ministros.
O Brasil está mergulhado no medo do coronavírus, na brutal crise econômica, no terror do desemprego e nos riscos de uma crise social sem precedentes. Só faltaria entrarmos numa crise institucional.
O Brasil espera que o presidente domine as suas circunstâncias.