Creio que, hoje em dia, a quase todos nos agrada apresentarmo-nos como pessoas neutrais, no sentido de pessoas independentes, objetivas, imparciais. Ser homem neutral é hoje quase sinônimo de pessoa cujas opiniões são as únicas que estão baseadas na objetividade.
Sempre me pareceu que se trata de um desejo louvável, que fomenta um bom entendimento da tolerância e afasta as atitudes impositivas e prepotentes.
Não obstante, se não se tem um certo cuidado, corre-se sério risco de pensar que a objetividade fica garantida desvinculando-se de tudo, não fazendo parte de nada, não defendendo nada:
A OBSESSÃO PELA NEUTRALIDADE É UMA DAS MELHORES FORMAS DE ACABAR SEM NENHUMA IDÉIA PRÓPRIA DENTRO DA CABEÇA
E isso é o que facilmente acontece com os que defendem com grande seriedade a chamada educação neutra, que consiste basicamente numa educação em que a ninguém se pode transmitir convicções firmes nem valores bem assentes.
O motivo? Sempre o mesmo. Dizem que inculcar esses valores e essas convicções seria uma manipulação, uma doutrinação. Asseguram que, com isso, se restringiria a sua liberdade, uma vez que, sendo tão jovens, não podem ainda saber se desejam ou não esses valores e essas convicções nem sabem se quererão praticá-los quando forem mais velhos.
Na educação neutra só se inculca uma convicção firme: a de não ter convicções firmes. E só há um valor intocável: a neutralidade. Há um pequeno pormenor que costuma passar despercebido: não costumam explicar como sabem que as crianças desejam esses sacrossantos princípios de neutralidade que regem – inapelavelmente – o seu esquema de educação.
Por outro lado, uma análise minimamente profunda revela que tal neutralidade é contraditória. Optar pela tal educação neutra supõe sempre escolher. Mais ainda, supõe decidir-se por um tipo muito concreto de educação, escolher um sistema educativo informado pelo duvidoso valor da neutralidade, que se pretende destacar como valor supremo dentre todos os outros valores possíveis.
Um dos pontos em que melhor se retrata a educação neutra é em tudo o que se refere às crenças religiosas. Escola neutra significa exatamente educar num sistema impermeável à ação de qualquer princípio religioso. Como assinala Aquilino Polaino, educação neutra e educação agnóstica ligam-se bem, sobrepõem-se até à quase coincidência, acabando por significar neste contexto uma única e mesma coisa. Neutralidade aqui é sinônimo de educar no agnosticismo. Mas é duvidoso que isso seja muito neutral.
Deve pensar-se que o educando também não foi consultado sobre se deseja ou não uma educação desenhada desta forma, cuja consequência imediata, para além de outras, é o ceticismo vital, a dúvida bem estabelecida quanto ao que é bom e o que é mau, e um agnosticismo absoluto desde a mais tenra infância.
A quimera da escola neutra torna-se na prática uma falácia, posto que, por detrás de qualquer comportamento ou modelo de educação, existe sempre – implícita ou explicitamente – um código de ética. Os professores não se ocupam só de instruir, mas de educar, e sabem bem que até o modo de se dirigir a um aluno tem um significado, um sentido antropológico e sabem perfeitamente que a tal neutralidade é impossível.
Os primeiros passos no bem
Chesterton dizia que o interior do homem está tão cheio de vozes como uma selva: caprichos, loucuras, recordações, paixões, temores misteriosos e esperanças obscuras. A educação correta e a orientação correta da própria vida – dizia -, consistem em chegar à conclusão de que algumas dessas vozes têm autoridade e outras não.
Na educação neutra, porém, insiste-se em não conceder autoridade prévia a nenhuma dessas vozes (umas vezes procurando que preste igual atenção a todas e outras evitando que ouça alguma).
A neutralidade é uma forma curiosa de comprometer-se, vincular-se e autodeterminar-se. O que há por trás dessa atitude não é, provavelmente, um amor profundo pela liberdade, mas antes um medo profundo da liberdade, que leva habitualmente a uma espiral de empobrecimento progressivo.
Pelo contrário, as pessoas que aceitam o risco de usar a liberdade, é certo que talvez renunciem a muitas coisas, mas, em troca, enriquecem-se com as consequências do que escolheram e, no caso dos pais, enriquecem com elas os filhos.
Os pais, quanto melhor escolhem e mais se comprometem com os valores que escolheram, tanto mais enriquecem os filhos ao educá-los nesses valores.
Por essa razão, seria lamentável que pais, quando pensam nos valores em que os filhos se devem educar, ou na religião, dissessem que decidiram educar na neutralidade, que desejam neste ponto ser independentes, com a idéia de que depois ele ou ela decidirão por si próprios quando forem mais velhos.
– Mas é lógico que sejam ele ou ela a decidir quando forem mais velhos, não?
Certamente, mas, para poder decidir por onde se caminha, deve ter aprendido a caminhar. Ou, continuando com o exemplo anterior, se um crente educa os filhos no agnosticismo, é muito difícil que depois eles possam decidir com liberdade quanto à religião.
Se uma pessoa pensa que Deus realmente existe e crê que sua fé é a verdadeira (porque se não pensa isso, o problema é que não tem fé), parece claro que se não educa os filhos nessa fé, está orientando erroneamente as suas vidas, uma vez que os educa ao contrário do que considera verdadeiro.
E, se esperar muito tempo, comprovará que há decisões que, quando chegam, já é demasiado tarde para sair das redes da mentira que teceram em seu redor e que as coisas não são depois revogáveis a nosso gosto, como uma fácil retórica das boas intenções queria fazer-nos crer.
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* Alfonso Aguiló Pastrana, autor do livro A Tolerância, é Vice-presidente do Instituto Europeo de Estudios de la Educacíon e Secretário do Foro Interdisciplinar para la Promoción de la Tolerancia.
Fonte: http://www.portaldafamilia.org/posts/a-quimera-da-educacao-neutra.php
Extraído do livro A Tolerância, Editora Rei dos Livros