André Gonçalves Fernandes
22/09/2012
Hoje, o casamento homossexual e a redefinição de família estão entre as questões mais controvertidas da pauta social. É possível que o Estado reconheça o casamento entre pessoas do mesmo sexo, com a consequente alteração da ideia de família, sem adentrar em controvérsias morais sobre o propósito natural do casamento e o status moral da homossexualidade?
Em assuntos como tais, convém ser sereno para não ferir suscetibilidades e, mesmo assim, é o que parece vir à tona toda vez que alguma bandeira do movimento gay é contraposta com argumentos racionais e igualmente ponderáveis no campo das ideias.
Não adianta. Por falta de uma réplica mais sólida, a histeria toma força e rotula o oponente, no âmbito dos títulos publicáveis, de fundamentalista religioso, tradicionalista intransigente ou de reacionário medieval. Pelo menos, foram os que a minha coleção já recebeu até hoje. Acho que o Homer Simpson tem alguma razão quando fala da tal “conspiração gay”…
Uma postura responde à pergunta afirmativamente. Com base num argumento liberal, os indivíduos devem ser livres para escolher os parceiros conjugais, quaisquer que fossem eles, com base no estrito afeto mútuo. Vou mais adiante e com uma forte dose de lógica aplicada: o afeto bastaria para aqueles que desejam se casar com duas mulheres ou dois homens; para um pai que queira casar-se com sua filha ou mesmo a mãe em relação ao filho; ou para um irmão que tenha muito afeto pelo outro irmão.
Não é preciso ir muito além para concluir que a questão não se sustenta com este tipo de argumento, acrítico, porque o problema depende justamente de uma determinada concepção do fim do casamento. E, quando discutimos sobre o propósito de uma instituição social, Aristóteles recorda-nos de que, no fundo, estamos debatendo acerca das virtudes que ela respeita e recompensa. Estamos falando de lei natural.
A discussão sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo torna-se, logo, um debate sobre o valor dessas uniões, se elas merecem o mesmo reconhecimento que a sociedade confere ao casamento heterossexual. É uma questão moral implícita inevitável.
Outra resposta defende o direito ao casamento, tentando uma neutralidade sobre o significado moral do casamento, sob o argumento da não discriminação. Tal justificativa, por si só, é insuficiente: se o Estado fosse realmente neutro quanto ao valor moral de todos os relacionamentos sociais, ele não teria fundamentos para restringir o casamento apenas para duas pessoas. A poligamia, a poliandria e o incesto teriam que ser aceitos, salvo se o Estado se abstivesse de outorgar o reconhecimento a qualquer tipo de casamento, uma solução libertária que, hoje, é puramente hipotética.
Voltemos a Aristóteles: é preciso definir se tais uniões cumprem o propósito natural da instituição social do casamento, num trabalho de justa distribuição de cargos e honrarias. Quando as condutas sexuais passam a ter transcendência pública, o assunto pode e deve ser abordado sob a perspectiva da justiça: os juízes nunca se furtaram ao julgamento dos efeitos patrimoniais e previdenciários das uniões homossexuais, desde que elas começaram a surgir nos tribunais.
Mas a justiça consiste em dar a cada um o seu, isto é, o seu direito e dar a cada um o seu não significa a dar a todos o mesmo. Quer dizer que, no momento da distribuição “dos cargos e honrarias”, ou seja, dos bens, as diferenças entre umas pessoas e outras devem estar justificadas. Se a convivência entre as pessoas de mesmo sexo deve ser regulada legalmente, isso importa em concluir ser necessária a completa redefinição da instituição do casamento?
A resposta vai passar – novamente – pela análise do status moral daquelas uniões. Ante as interpretações mais comuns e conflitantes dos fins do casamento – casamento para procriação e casamento para um compromisso exclusivo e permanente – a determinação depende daquele fim que celebra as qualidades que correspondem a uma estrutura antropológica objetiva.
E não a um interesse localizado, porque, se a justiça não está fundada sobre a natureza, então, está fundada num interesse. E, quando esse interesse torna-se caduco, surge outro e o substitui. Não discriminação e liberdade de escolha não resolvem a questão.
Muito pelo contrário, criam um beco sem saída. Ou, melhor dizendo, com uma única saída: a saída moral do propósito do casamento, que, ao ter sido expulsa pela porta de entrada do debate, voltou pelo vão da janela. Com respeito à divergência, é o que penso.
André Gonçalves Fernandes é juiz de direito e professor do CEU-IICS Escola de Direito ([email protected])