Norma Braga 22/04/2010
Isso se verifica facilmente entre nós, ocidentais, quando lembramos os assassinatos em massa do século XX. Judeus, ciganos, cristãos dissidentes e povos não-alemães foram os bodes expiatórios da Alemanha hitlerista: quarenta milhões de mortos. Da mesma forma, nos países comunistas o vago conceito de “classe dominante” tem justificado a condenação à morte de mais de cem milhões. Trata-se um ciclo diabólico, pois não há sacrifícios que cheguem para a sanha dos que pensam combater o mal dessa maneira. Assim, a violência aumenta na mesma proporção do secularismo.
A equiparação entre comunismo e nazismo não é novidade. No entanto, de certo modo o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães era melhor nisso: mentia menos. Seus membros não escondiam o desejo de conquistar o mundo; já o socialismo oculta seu projeto de poder total sob a compaixão pelos pobres e a promessa de um futuro glorioso. O autointitulado “protetor dos oprimidos”, ao tornar-se chefe da nação, passa a valer-se de sua anterior (e farsesca) posição de “oprimido” para solapar resistências e positivar desmandos. E o povo, além de mais empobrecido, fica definitivamente sem voz. Na Rússia, na China e no Camboja a arbitrariedade apenas mudou de mãos, tornando-se voraz como nunca; em Cuba, uma favela carioca pareceria condomínio de luxo na parte não-turística da ilha; na Venezuela, Chávez diz “eu sou o povo” para justificar a progressiva supressão da democracia.
Hoje não há cristãos nazistas (espero!), mas há uma miríade de cristãos socialistas ou comunistas. É algo difícil de compreender. Em primeiro lugar, por que um seguidor de Jesus aderiria a um arremedo de plano da redenção? Para confessar esse endosso, precisaria necessariamente subverter todo o pensamento bíblico, substituindo a criação divina pela matéria autônoma, o pecado original pela propriedade privada, a salvação em Cristo pela revolução socialista. Se não o fez, é porque ainda oscila entre os dois mundos, sem perceber que são díspares – a cultura marxista mimetizando a cristã.
Em segundo lugar, por que um cristão se posicionaria a favor de um Estado forte que pune seus dissidentes? O processo de centralização do poder empurra a igreja ou para o servilismo ou para a clandestinidade onde quer que o socialismo seja implementado. De fato, Hannah Arendt estudou o totalitarismo e concluiu que o isolamento torna o ser humano muito mais vulnerável ao controle estatal. Por isso, esse regime ataca prioritariamente as livres associações (a família, a igreja, a escola, o comércio), buscando atomizar a sociedade no melhor estilo romano “dividir para conquistar”.
Ser socialista e cristão é tomar o partido de César, não de Cristo. Sobretudo, ser socialista e cristão no Brasil de hoje é assumir uma postura perigosíssima para a igreja. De várias maneiras, o governo atual, honrando suas influências teóricas e suas alianças internacionais, busca cada vez mais controle sobre a sociedade. É quando precisamos recorrer aos ensinamentos de Calvino e Kuyper: por causa do pecado, Deus instituiu os magistrados para punir os maus e garantir a ordem; porém, o Estado jamais pode ferir a soberania das esferas individuais, familiares e corporativas, pois a autoridade de cada esfera descende igualmente de Deus. Caso o faça, devemos orar para que retorne ao ideal divino, opondo-nos a cada atentado à liberdade e amparando os perseguidos. Mas isso só será possível se substituirmos a cosmovisão esquerdista por uma genuína cosmovisão cristã. Que Deus ajude a igreja brasileira nessa empreitada.
Fonte: Revista Ultimato
Esclarecimento de Norma Braga:
Sobre meu artigo na Ultimato, cabe um esclarecimento. Conforme a Carta Aberta das páginas 38 e 39, não é de hoje que a revista tem sido acusada de um esquerdismo quase militante, embora nem sempre em termos explícitos. A veiculação dessa carta na mesma edição de meu artigo suscitou em alguns leitores e não-leitores meus (hehe) a hipótese de que Ultimato, preocupada com essas acusações, tenha decidido publicar meu artigo somente para rebatê-las, dando mostras de pluralidade. Mesmo que o editor da revista tenha mencionado meu artigo como prova de que não segue uma linha antiamericana (o que aliás não entendi, pois os EUA estão ausentes do texto), não posso negar nem afirmar a veracidade dessa hipótese, pois não quero correr o risco de pecar ao emitir julgamentos acerca de motivações ocultas.
O que posso dizer com toda certeza é o seguinte: seja como for, a publicação de meu artigo não configura, de modo algum, pluralidade. Meu texto é um evento isolado em uma seção dedicada a opiniões femininas (“Deixem que elas mesmas falem”). A “pluralidade”, se limitada a uma seção de opiniões, não me parece algo significativo. Assim, o que dá identidade à revista são os articulistas de sempre, cuja maioria, de fato, é bastante conhecida do público, seja por suas posições à esquerda, seja por seu antiamericanismo, seja por manifestar apreço por certo feminismo: René Padillha, Paul Freston, Robinson Cavalcanti, Ricardo Gondim, Valdir Steuernagel, Bráulia Ribeiro. Isso é o que posso dizer simplesmente ao olhar o sumário da nova edição que tenho em mãos. E nisso não vai nenhum julgamento de valor. Apenas a constatação: sim, a grande maioria dos autores fixos da revista Ultimato tende a demonstrar posições de esquerda. Mas e daí? Nosso país não conhece variedade política. A grande maioria dos formadores de opinião no Brasil é de esquerda. A revista apenas espelha esse fato no mundo protestante evangélico.
Tudo isso para, fundamentalmente, dizer o seguinte. No Brasil, as pessoas acham bonito o socialismo, aprovam ou não se incomodam com a ditadura cubana, odeiam os Estados Unidos, andam com camisetas do Che Guevara, vêem no governo a solução de todos os problemas, xingam o “neoliberalismo”, abominam o capitalismo como o próprio Mal e não se dizem de esquerda. Claro, há os que o declaram mais abertamente, mas são minoria. A maioria sequer reconhece que existe, de fato, esquerda. Há ainda os que se denominam “socialdemocratas” embora continuem apoiando ditadores consumados como Fidel Castro e Hugo Chávez… Depreende-se disso que, neste país, o pensamento de esquerda se tornou a Opinião Comum Isenta e Racional. A explicação é simples: basta lembrar que desde o Brasil Colônia somos a somatória do Complexo do País Oprimido com a histórica expectativa de um governo que atue como um Grande Pai. Além disso, os ideais socialistas, onipresentes, nunca são questionados por leituras ou ensinamentos diversos, pois autores conservadores e liberais são ilustres desconhecidos no Reino dos Doutores do MEC. Ideologicamente, estamos quase tão fechados quanto a ilha-cárcere cubana…
Como conservadora, uma de minhas tarefas é denunciar o apagamento de todo um leque de opções (e isso não significa que eu seja uma adoradora dos EUA, uma entusiasta do capitalismo, uma elitista que não se importa com a pobreza etc. etc.). Outra, como cristã, é mostrar que a afinidade do socialismo com o cristianismo é, em grande medida, falsa, apontando para os perigos dessa convergência forjada. Isso significa afirmar que crente esquerdista não é crente? Claro que não! Mas se você, crente, por causa do seu esquerdismo, abre exceções ao aborto, cede ao relativismo (epistemológico, moral, cultural) e ajuda na perpetuação de um pensamento político autoritário por meio de um Estado forte e centralizador, quero contribuir para que você se desesquerdize, desconformando sua mente em relação ao mundo e submetendo-a cada vez mais ao senhorio de Cristo.
(1) A autora é de origem protestante.
Fonte: Norma Braga Divulgação: www.juliosevero.com |