O sofrimento acompanha-nos, passo a passo, no caminho da vida. É um companheiro assíduo e inseparável: sofrimento físico, sofrimento moral, doença, decepção, frustração, perda… O sofrimento pode ser um grande amigo ou um terrível inimigo, pois tem o poder de edificar ou destruir, de enriquecer ou despojar. (Pe. Francisco Faus) (1)
Utiliza-se atualmente com grande frequência o vocábulo inglês burnout, que pode ser traduzido por “queimar até o fim”. No campo da psicologia, burnout é entendido como uma síndrome de exaustão emocional, de esgotamento, verificado em profissionais de diferentes profissões. Dito de forma bem simples, burnout é um estado de cansaço que se torna permanente, crônico, fragilizando as principais funções psíquicas e por isso provocando diversos e variados sintomas físicos e mentais.
Está enganado quem pensa que burnout seja um mal moderno. Semelhante estado de funcionamento mental foi identificado no século XIX. Em 1860 o neurologista novaiorquino George Miller (1839-1883) criou o termo neurastenia para descrever um estado crônico de exaustão nervosa, de esgotamento físico e mental. A neurastenia é causada por estresse prolongado, e pode ser desencadeada por fatores como excesso de trabalho, problemas financeiros, problemas de relacionamento e outros fatores estressantes. Como se percebe, o cansaço, que chega ao nível do esgotamento e da exaustão não é uma condição recente, mas acompanha e desafia a saúde humana há muito tempo.
A prestigiosa “Associação Norte Americana de Psiquiatria”, por sua vez, prefere a expressão Síndrome de Fadiga Crônica. Naquele país, uma parcela representativa da população adulta experimenta fadiga com duração superior a duas semanas. É definida como crônica quando tem duração igual ou superior a seis meses, sendo classificada como grave e debilitante. Entre os males causados pela fadiga crônica estão: concentração e memória prejudicados; insônia ou sono não restaurador; dores musculares; alterações no humor com sinais de depressão. A fadiga é o sintoma mais evidente, podendo atingir o nível da exaustão mental e física grave.
Por empatia, é possível representar mentalmente o que significa burnout. Todos nos sentimos cansados e exaustos ocasionalmente. Nestas situações experimentamos o quanto a exaustão interfere na execução de tarefas mentais simples, como pensar logicamente, manter a atenção focada em algum conteúdo, além das profundas alterações emocionais e afetivas. Expressões emocionais intensas e descabidas são frequentes em pessoas esgotadas emocionalmente, sendo normais, neste estado, acentuadas alterações no humor. Tudo isso fragiliza a capacidade de manter o normal ritmo de trabalho, o empenho nos estudos, e o estabelecimento de relações interpessoais satisfatórias e saudáveis.
Nos anos 80 a psicóloga social americana Cristina Maslash desenvolveu pesquisas sobre o burnout em profissionais da saúde. Segundo esta pesquisadora, os principais sintomas são exaustão emocional, despersonalização e redução nas realizações pessoais, presentes em profissões que demandam contatos interpessoais de alta intensidade com pacientes, clientes ou com o público em geral.
No ambiente de Igreja, o cansaço é presença constante. Os leigos têm dificuldade de conciliar a rotina de empenhos com o trabalho e a família, e as demandas pastorais paroquiais, que são sempre complexas e intensas. Os párocos se veem sobrecarregados com os muitos empenhos nas gigantescas paróquias que compõem as dioceses no Brasil. Não é diferente a situação na vida religiosa consagrada, cujos desafios são a diminuição acentuada das vocações, e a consequente sobrecarga provocada pela necessidade de administração patrimonial, além do empenho diretamente voltado para o carisma de cada congregação.
Do ponto de vista psicológico cansaço e fadiga não são problemas, mas experiências recorrentes e naturais. Diariamente submetemos corpo e mente a esforços, necessários ao desenvolvimento das atividades que compõem a vida humana, e por consequência há tanto cansaço físico quanto mental. O cansaço chega a ser desejado, benéfico e até prazeroso. Depois de um dia de intenso trabalho, a fadiga faz com que o simples fato de nos assentarmos num sofá se torne extremamente agradável. O final de semana num sítio isolado e silencioso pode tornar-se o objeto de maior desejo de alguém que tenha uma semana intensa e exaustiva de trabalhos. Para o estudante, a possibilidade de “não fazer nada” é agradável somente enquanto necessária ao restabelecimento da normalidade do funcionamento físico e mental.
O problema não é experimentar cansaço e fadiga. Pode-se dizer, neste contexto, que a saúde mental é resultado da adequada alternância de trabalho intenso e criativo, e repouso. Corpo e mente precisam ser exercitados intensa e frequentemente. Mas precisam de um equivalente período para se refazerem, para o restabelecimento e recuperação da normalidade de suas funções. Duas fontes de problema são inatividade, e atividades excessivas e desestruturantes.
Pelo que se disse anteriormente é fácil perceber que o burnout pode atingir o nível do adoecimento emocional e afetivo, incapacitando para o exercício do ministério sacerdotal. Então, quais recursos terapêuticos temos à disposição? Não há terapia medicamentosa específica e eficaz para o burnout, pelo fato de que as causas, os sinais e sintomas são muito variados. Os casos estudados demostram que a recuperação espontânea raramente acontece. Normalmente a pessoa se engana, acreditando que consegue manter a rotina de vida que se impõe, e que os sintomas são apenas passageiros. Nos casos em que se chega a um estado profundo de desorganização emocional e afetiva, a reconstrução demandará grande empenho, e possivelmente irão permanecer sequelas e fragilidades, com as quais se deverá aprender a conviver e administrar.
Quanto ao percurso terapêutico, o ponto de partida deverá ser a identificação dos principais sintomas, a busca de cuidados médicos e psiquiátricos, e a utilização de medicamentos para reduzir os males que fragilizam a qualidade de vida e provocam sofrimento. Haverá, possivelmente, descontrole emocional, incapacidade de manter a rotina de trabalhos e estabelecer relações interpessoais saudáveis, de manter um sono de qualidade e restaurador, sintomas depressivos, etc.
O principal recurso para a auto reconstrução, contudo, será submeter-se a processo psicoterapêutico. Nada substitui o conhecimento profundo de si que somente a psicoterapia poderá oferecer. Dentre os objetivos propostos para a psicoterapia deverão estar:
- Analisar atenta e cuidadosamente a história pessoal, com atenção voltada para o perfil da própria estrutura mental, com os seus recursos e suas limitações e fragilidades. O presbítero ou religioso deverá ser capaz de conhecer a si mesmo com uma profundidade tal que lhe permita saber que ritmo de vida é capaz de levar e o quanto é possível exigir de si, sem se fragilizar ou adoecer;
- Identificar os conflitos subconscientes que concorreram para o adoecimento. Seria um equívoco situar a causa do burnout unicamente em fatores externos. Cada pessoa sempre tem a possibilidade de escolher o estilo de vida que deseja viver, seja ele mais ou menos saudável. E como é impossível ter uma infância perfeita, todos somos marcados por conflitos e imaturidades que deverão ser trazidos à consciência e trabalhados, na medida do que é possível;
- Aprender a administrar as fragilidades que se tornarem permanentes. Pode ser que algumas das limitações, desenvolvidas pelo burnout, se tornem crônicas. Nem sempre se recupera, por exemplo, a capacidade de trabalhar no ritmo que se trabalhava no período anterior ao adoecimento. O que fazer? Aprender a ser o melhor presbítero ou consagrado que for possível, aceitando-se e integrando em si as fragilidades que se tornaram permanentes. Como disse o apóstolo Paulo, basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder (2Cor. 12, 9). O que se apresenta como um obstáculo ao serviço a Deus, poderá mostrar-se como ação da graça e da providência do Senhor, em nosso benefício e em benefício da Igreja.
Por fim, o tema aqui tratado nos convida à releitura e reflexão do episódio em que Jesus se encontra com as irmãs de Lázaro, Marta e Maria (Lc 10, 38-42). Esta passagem bíblica nos leva a perceber o quanto é difícil discernir o que é prioritário, e ter a capacidade de escolhê-lo. Marta, muito disponível e dedicada, estava inquieta e ansiosa, buscando cuidar de suas inúmeras tarefas, da melhor forma possível. Creio que ela represente iconicamente um grande número de pessoas de nossos dias, às quais o Senhor adverte: tu te inquietas e agitas por muitas coisas; no entanto pouca coisa é necessária, até mesmo uma só. Corremos o risco, sacerdotes e consagrados, de nos tornarmos trabalhadores cansados, que não desfrutam da companhia do Senhor.
Notas:
1. Texto não consta no original de José Carlos Santos.. Foi introduzido pelo site olivereduc.com
2. José Carlos Santos é sacerdote e mestre em psicologia clínica.
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