BENTO XVI E A QUARESMA


 Valter de Oliveira

17/02/2010

No último dia 4 de fevereiro foi apresentada, na Sala de Imprensa da Santa Sé, a Mensagem do Santo Padre para a Quaresma, com o tema: “A justiça de Deus está manifestada mediante a fé em Jesus Cristo”.

O Papa, mais uma vez, mostra-nos como somente uma correta visão da vida espiritual e de Deus, podem contribuir para que tenhamos o pleno desenvolvimento do ser humano e, como conseqüência, uma sociedade mais aberta para o bem.

Nessa Quaresma, diz-nos o Papa, “A Igreja convida-nos a uma revisão sincera da nossa vida à luz dos ensinamentos evangélicos”. E acrescenta: “Este ano desejaria propor-vos algumas reflexões sobre o tema vasto da justiça, partindo da afirmação Paulina: A justiça de Deus está manifestada mediante a fé em Jesus Cristo” (cfr Rom 3,21 – 22 ).

Costuma-se dizer que a “justiça” consiste em “dar a cada um o que é seu”, (dare cuique suum), conhecida expressão de Ulpiano, jurista romano do século III. Essa expressão, continua o Pontífice, não explica, não precisa em que é que consiste aquele “seu” (suo) que se deve dar a cada um.

Aqui no Brasil é bem comum usar o termo justiça quando se fala sobre a distribuição dos bens terrenos. Justiça é ligada à questão das desigualdades sociais, da posse da terra, do direito de propriedade, da procura da riqueza, do desejo de lucro.

Há uma certa razão nisso. Entretanto, é uma visão reducionista. É o que vemos nas palavras de Bento XVI:

“(…) Aquilo de que o homgarantido por lei. Para gozar de uma existência em plenitude, precisa de algo mais intimo que lhe pode ser concedido somente gratuitamente: poderíamos dizer que o homem vive daquele amor que só Deus lhe pode comunicar, tendo-o criado á sua imagem e semelhança. São certamente úteis e necessários os bens materiais – no fim de contas o próprio Jesus se preocupou com a cura dos doentes, em matar a fome das multidões que o seguiam e certamente condena a indiferença que também hoje condena centenas de milhões de seres humanos à morte por falta de alimentos, de água e de medicamentos – , mas a justiça distributiva não restitui ao ser humano todo o “suo” que lhe é devido. (…) mais do que o pão ele de fato precisa de Deus.” E o Papa cita Santo Agostinho: “a justiça é a virtude que distribui a cada um o que é seu…não é justiça do homem aquela que subtrai o homem ao verdadeiro Deus” (De civitate Dei, XIX, 21).

E de onde vem a injustiça? Pergunta o Papa. Ele responde citando o Evangelho:

“O evangelista Marcos refere as seguintes palavras de Jesus, que se inserem no debate de então acerca do que é puro e impuro: “Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. Porque é do interior do coração dos homens, que saem os maus pensamentos” (Mc 7,14-15.20-21). Para além da questão imediata relativo ao alimento, podemos entrever nas reações dos fariseus uma tentação permanente do homem: individuar a origem do mal numa causa exterior. Muitas das ideologias modernas, a bem ver, têm este pressuposto: visto que a injustiça vem “de fora”, para que reine a justiça é suficiente remover as causas externas que impedem a sua actuação: Esta maneira de pensar – admoesta Jesus – é ingénua e míope. A injustiça, fruto do mal , não tem raízes exclusivamente externas; tem origem no coração do homem, onde se encontram os germes de uma misteriosa conivência com o mal. (1) Reconhece-o com amargura o Salmista:”Eis que eu nasci na culpa, e a minha mãe concebeu-me no pecado” (Sl. 51,7). Sim, o homem torna-se frágil por um impulso profundo, que o mortifica na capacidade de entrar em comunhão com o outro. Aberto por natureza ao fluxo livre da partilha, percebe dentro de si uma força de gravidade estranha que o leva a dobrar-se sobre si mesmo, a afirmar-se acima e contra os outros: é o egoísmo, consequência do pecado original. Adão e Eva, seduzidos pela mentira de Satanás, pegando no fruto misterioso contra a vontade divina, substituíram a lógica de confiar no Amor por aquela da suspeita e da competição ; á lógica do receber, da espera confiante do Outro, por aquela ansiosa do agarrar, do fazer sozinho (cfr Gn 3,1-6) experimentando como resultado uma sensação de inquietação e de incerteza.”

Como pode o homem libertar-se deste impulso egoísta e abrir-se ao amor?

O Santo Padre explica que isso não é possível sem Cristo, sem a Redenção. É Ele quem nos liberta de todo o mal, quem abre nossa alma para o verdadeiro amor e, como conseqüência, nos faz justos.

Terminamos lembrando que a Quaresma é tempo de penitência e de renovação espiritual para nos prepararmos para a Santa Páscoa do Senhor. Tempo em que Cristo nos diz: Voltai-vos para mim de todo o coração.

Que a Páscoa desse ano ajude a cada um de nós a viver cada vez mais perto de Deus, mais filhos, mais crianças. Alegremente abraçados ao Deus de bondade que morreu por todos nós.

Notas:

1. O destaque em negrito é nosso

Fonte: Rádio Vaticano. Tradução oficial dada pela Secretaria de Estado do Vaticano.

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