APRENDENDO A VIVER COM OS IRREDUTÍVEIS GAULESES

                                                                               André Forastieri

  

A grande surpresa de ter filhos é voltar a ser criança. Quando você menos espera, está comendo doce de criança, vendo filme de criança, tendo papo de criança e, claro, lendo gibi de criança. Neste domingo (17), li Asterix e os Godos com o Tomás. Foi a primeira vez que li um álbum de Asterix desde os anos 70. Não será a última.

Comprei em um sebo aqui perto de casa, edição da Cedibra, amarelada, letreiramento terrível, R$ 10. Tive muitos AsterixTintin,Mortadelo & Salaminho. Sumiu tudo, não sei como nem quando. Toca recomeçar a coleção.

Meu filho viu os filmes de Asterix ano passado e fizeram sucesso. Agora que o moleque começa a ler, pensei que os álbuns de Asterix, com pouco texto e muito impacto visual, podiam emplacar. Médio. Nunca subestime a preguiça para ler de um menino criado com Cartoon Network, Mario e Club Penguin. Acabei lendo e interpretando 90% da história.

Asterix é o principal produto de exportação da cultura francesa. Seus criadores, o roteirista Albert Uderzo e o desenhista René Goscinny, são os autores best-seller da França em todos os tempos. Já são 325 milhões de livros vendidos, divididos entre 34 álbuns publicados desde 1961; fora três filmes com atores, oito em animação, games, parque temático etc. Os álbuns continuam saindo, agora escritos e desenhados pelo ilustrador original, René Goscinny (com assistentes, claro). René Goscinny morreu em 1977.

É meia-verdade dizer que Asterix é para criança. Como Pernalonga ou Wall-EAsterix é para todas as idades. Pode ser fruído em níveis diferentes por gente com idades e repertórios diversos. Tomás, claro, não percebeu as sacanagens de Asterix e os Godos – Goscinny capricha na tiração de sarro dos vizinhos alemães. Mas a violência surreal, o humor e as personalidades dos personagens são irresistíveis para qualquer moleque.

Asterix e os Godos é uma comédia de erros. Os Godos capturam o druida Panoramix e o levam para seu reino, para que ele revele o segredo da poção mágica que dá superforça. O plano godo: criar com a poção um exército invencível, para invadir a Gália e depois tomar todo o império Romano.

Os romanos caçam os Godos, mas os confundem com Asterix e Obelix. A dupla se disfarça de legionários romanos, e depois de guerreiros godos, para resgatar Panoramix. Os romanos só fazem trapalhadas. Os alemães só querem saber de guerrear.

O enredo é circular e passeia relaxadamente até chegar a algum lugar, mas quando chega, é de bater palmas. Panoramix cria um plano: “vamos fazer com que os godos desistam de invadir a gente por muito tempo.

Vamos semear a desordem e a confusão!”. O trio de gauleses dá a poção mágica para uma série de godos mirrados e infelizes, dizendo separadamente a cada um que agora, forte, ele terá poder para conquistar tudo o que quer. Imediatamente, os belicosos germânicos se declaram reis e criam exércitos, que passam a guerrear uns contra os outros. São as Guerras Asterixianas. O poder da poção passa, e eles continuam se pegando. Enquanto lutam entre si, a Gália não tem o que temer. Tudo em paz deste lado da fronteira. Hora de festa na aldeia, com o bardo Chatotorix devidamente amordaçado.

Em seus encontros com povos diversos, nossos heróis sempre percebem – e riem – do que lhes parece esquisito nas outras culturas. Mas os sarros não são maldosos, são condescendentes. Até os invasores romanos não são odiados. São só uns neuróticos… Como são esquisitos os outros, parece sempre reparar Obelix. Mas também, coitados, não são gauleses, explica Asterix.

De fato, a França esbanja charme. É um lugar lindo, com contribuições inigualáveis à cultura e a ciência, com a comida mais deliciosa, com saudável desrespeito ao poder. Um país rico e poderoso, onde as pessoas vivem com segurança e conforto, sem se esfalfar. É a verdadeira aldeia gaulesa – sempre pronta para resistir ao invasor e lutar por seu estilo de vida, sempre pronta para um belo banquete de comemoração. Asterix e Obelix nos ensinam, adultos e crianças, o que é savoir-vivre.

http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2010/10/18/aprendendo-a-viver-com-os-irredutiveis-gauleses/

 

 

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