Dietrich von Hildebrand 01/01/2009
Uma forma peculiar de arrogância ingênua é crer que a época em que se vive é completamente diferente de todas as anteriores e que os problemas do passado já não existem. Embora não se diga isso abertamente, tende-se a admitir como certo que qualquer mudança representa algum tipo de progresso.
Pertence à essência da História que a atitude do Homem perante a vida sofra variações, que alguns valores ressaltem com mais claridade numa época do que em outra, enquanto outros recebem menos atenção do que antes. Além disso, num determinado período ganham mais força certos perigos que em outros momentos eram insignificantes.
Contudo, mesmo que seja importante reconhecer esse ritmo próprio da natureza da História e do Homem, seria totalmente equivocado conferir a algumas épocas um significado arbitrário no que se refere a certos problemas humanos básicos. Em comparação com o que permanece inalterado, o que muda é secundário. Uma forma peculiar de arrogância ingênua é crer que a época em que se vive é completamente diferente de todas as anteriores e que os problemas do passado já não existem.
Muitas pessoas acabam ficando intoxicadas por essa idéia tão pitoresca. É de se admirar que esse seu modo de pensar passe por alto que, se isso for certo, então todas as suas “novidades” e os seus “nunca antes visto” – dos quais se orgulham tanto – tornar-se-ão antiquados dentro de pouco tempo e já não estarão “de acordo com a realidade”… Esquecem-se de que, se tiverem razão e o “real” for somente aquilo que muda, terão que pagar um preço muito alto para poderem aquecer-se ao sol daquilo que “nunca existiu antes” e olhar com desdém para o passado. E o preço será este: terão ver que tudo aquilo que agora os deslumbra e satisfaz tem uma vida muito curta e em breve será lançado fora como sucata.
Juntamente com a exagerada diferenciação entre as épocas – e com a ingênua arrogância que a acompanha – é comum encontrarmos a ilusão de que os tempos atuais, além de serem completamente diferentes de todos os anteriores, são também superiores a eles. Embora não se diga isso abertamente, tende-se a admitir como certo que qualquer mudança representa algum tipo de progresso.
Em todo o caso, pode-se dizer em seu favor que esse conceito simplista do progresso segue normas válidas em si mesmas: ainda crê na verdade absoluta que, com o passar do tempo, será – ao menos espera-se que o seja – cada vez mais reconhecida. Mas é muito mais perigosa e de maior alcance a atitude mental que considera a realidade histórico sociológica de uma idéia como equivalente à sua validez e verdade. Essa atitude é muito mais perigosa porque transforma a verdadeira essência da verdade e dos valores em algo vazio.
É preciso sublinhar enfaticamente a seguinte realidade: o fato de uma idéia, por assim dizer, impregnar a atmosfera durante algum tempo, ou de que numa determinada época prevaleçam certas expectativas e certas tendências, não nos dá a menor informação sobre a verdade ou falsidade dessa idéia, nem muito menos sobre a legitimidade das correntes de pensamento desse período em concreto.
Se a História nos pode ensinar algo de absolutamente certo é o enorme perigo que há em que as pessoas se infectem com as correntes de pensamento equivocadas típicas do seu tempo. Esse perigo é maior quando acreditamos erradamente- segundo uma mentalidade ainda hoje muito difundida – que certas idéias, tendências e expectativas, simplesmente por dominarem a sua época, por saturarem o ar, devem ser consideradas como a expressão do “espírito do mundo” (Weltgeist, no sentido hegeliano) ou do “espírito da época” (Zeitgeist). A realidade histórico sociológica de uma idéia ou tendência não é nem tão irresistível que implique o dever de aceitá-la como um destino fatal, nem confere ao seu conteúdo qualquer tipo de dignidade: não torna um erro menos errado, nem uma atitude má menos má, nem faz com que algo objetivamente sem valor passe a ter algum.
Deixar-se fascinar pelas tendências intelectuais do tempo presente é abdicar da própria liberdade espiritual; é deixar-se levar pelos vaivéns da História; é deixar-se arrastar pelas correntezas de uma época; é uma despersonalização. A atitude oposta é a de quem sempre emerge do tempo para vir ao mundo da verdade e dos valores morais, para compreender a mensagem e captar as verdades e os valores imutáveis que a hora presente possa conter como “tema”, mas à luz da eternidade. Mais concretamente, para nós, católicos, essa atitude significa uma constante conversio ad Deum, “conversão a Deus”
Dietrich von Hildebrand Professor de Filosofia na Universidade de Munique de 1918 a 1933. Foi professor de Filosofia na Universidade de Fordham (Nova York) de 1941 a 1960. Sua vasta e importante obra filosófica e de espiritualidade o coloca entre os maiores pensadores do século XX.
Fonte: Arvo.net Link: http://www.arvo.net Tradução: Quadrante
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