FILOSOFIA E BUSCA PELA VERDADE

Gustavo França

Neste mundo que clama desenfreada e desesperadamente por liberdade, é preciso dizer com urgência e destemor: a verdadeira liberdade está na atividade filosófica.

A filosofia é a busca da verdade por si mesma, como um bem capaz de dar sentido à vida humana. É o abandono de todas as coisas úteis para deleitar-se num conhecimento que não serve a nenhum propósito ulterior (capacitação profissional, boa nota numa prova, aquisição de habilidades materiais), além do próprio conhecer e da elevação espiritual que isso supõe.

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A filosofia é, por natureza, livre. Nada promete, nada recompensa além de si mesma, não pode ser comprada (pois vale mais do que o mundo inteiro), não pode ser coagida nem subjugada (pois nenhuma vantagem tem a oferecer). É simplesmente a atividade íntima da consciência de meter-se nas profundezas da realidade para contemplar as verdades últimas e em sua imortalidade satisfazer-se.

Exatamente porque se produz no interior de nossas consciências, a filosofia é o reino da verdadeira liberdade. A consciência é o espaço humano inatingível a qualquer força externa. Eu posso obrigar alguém a agir, mas jamais a aderir em consciência a este ou àquele princípio.

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Nem Hitler, nem Stálin, nem Pol Pot, nem todos os ditadores sanguinários, nem todas as megacorporações globais, nem George Soros podem forçar uma pessoa a aceitar algo como verdadeiro ou a rechaçá-lo como falso. Um tirano pode, mediante tortura, arrancar gestos de louvor à sua pessoa, mas lhe é impossível obrigar o mais desvalido dos cidadãos a louvá-lo em espírito.

Posso obrigar alguém a assistir a aulas de Filosofia, mas jamais a filosofar. Apenas por livre e íntima decisão pode o homem buscar a verdade e reverenciá-la como norte da vida. Quem dedica seus sentidos intelectuais à grande missão filosófica já não quer outra coisa que o conhecimento e a reflexão e já não pode ser subornado ou chantageado. A quem está diante da verdade que ilumina o intelecto já não importa a morte, a dor ou a penúria, pois tem o que não é perecível e passageiro como esta vida.

O homem que filosofa tem a atitude de Sócrates em seu julgamento, inesquecivelmente representada por Platão na “Apologia de Sócrates”, o mais belo de seus diálogos. Sócrates enfrenta a sanha de seus acusadores e o redundante juízo iníquo de condenação com a tranquilidade de quem viveu a vida preparando-se para os bens sobrenaturais. “Querem que eu me retrate e peça perdão pelo que disse e ensinei? Por que eu faria, se só disse a verdade? Não negarei a verdade. Se querem me matar, matem-me. A verdade seguirá sendo a verdade, esteja eu vivo ou morto”. Contra a consciência do filósofo toda a potestade humana é vã.

Não existe “filosofar para”. Só há filosofia quando não existe nenhum interesse material a instrumentalizar o saber. Quem quer filosofia “para algo” ou “para alguém” já deixou de filosofar. Está preso ao mundo das utilidades corpóreas e, portanto, fora do âmbito filosófico, que é a contemplação do sentido da realidade, da profundidade do ser, invisível à lógica do trabalho cotidiano.

Todo o saber que está voltado a um interesse prático, que está a serviço de um projeto político ou econômico, que quer desempenhar alguma utilidade na vida particular ou na sociedade está atado às amarras de seu objetivo pré-definido. Só pode saber aquilo que lhe serve, só pode especular o que agrada à parte contratante. As diversas técnicas estão submetidas a seu objetivo imediato. O profissional trabalha no que lhe define o empregador. Estuda o que lhe é proximamente útil. Vale o que é eficiente, vale o que está de acordo com o projeto estabelecido pela autoridade. Apenas a atividade filosófica é livre.

Agora está na moda (aqui na Espanha, pelo menos) uma apologética da filosofia que invoca o fato extravagante de que empresas estão contratando filósofos. O que pretende ser uma defesa, na verdade, é uma confissão de autodestruição da filosofia. Não permita Deus que, algum dia, tenha que submeter meu filosofar ao ânimo de lucro de um empresário!

Que esperança há para a filosofia de quem está sob pagamento de uma estrutura que visa à eficiência econômica? E quando a verdade vista por sua especulação contradisser os interesses lucrativos do patrão? A filosofia a serviço da atividade econômica e da produção já não é digna deste nome. Que filosofia fará quem está submetido a uma autoridade política? Terá a liberdade de espírito de desafiar o governo quando este atuar contra a justiça eterna? A filosofia escrava do poder político já não é digna desse nome. Perdeu a liberdade.

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O único interesse da filosofia é a própria verdade. Se outro interesse se intromete aí, corrompe-se a contemplação, e o intelecto já não serve à liberdade interior, mas rebaixa-se ao mundo mecânico das utilidades. É livre aquele que tem como único juiz a verdade perseguida no fundo da alma pela sua consciência, ou seja, aquele que filosofa.

Francisco de Vitória, um filósofo que merece assim ser chamado, foi ao palácio de Carlos V, Imperador do “Império onde o sol nunca se punha”, e disse em sua presença que os títulos invocados pela Coroa Espanhola para a dominação dos povos americanos não eram legítimos. O Imperador não é o senhor do mundo. Carlos V, aguilhoado em sua consciência, pensou em cancelar o empreendimento colonial. Só não o fez porque o mesmo Vitória, em suas conferências seguintes, defendeu que era possível uma “colonização legítima”, fundada no direito natural e na dignidade humana dos índios.

Imagine se Vitória fosse funcionário da corte imperial (como vários brilhantes teólogos e juristas da época, que distorciam todo o pensamento cristão para justificar até mesmo a escravidão de indígenas)! Vitória era um catedrático universitário, e seu pensamento não estava à venda. A filosofia pode aconselhar a política, mas não pode se submeter a ela. É a filosofia quem, extraindo princípios metafisicamente verdadeiros da contemplação do ser, orienta e ilumina todas as ciências e práticas particulares, numa justa hierarquia do saber e da vida humana.

Num mundo em que, à direita e à esquerda, Leviatã e Mamon procuram encarcerar no homem na escravidão de uma política onipresente ou de um mercado totalitário, o sujeito filosofante é o autêntico campeão contra os dois demônios das ideologias modernas. A filosofia é atividade do espírito verdadeiramente livre do Estado e do mercado. É o salvo-conduto da nossa alma pessoal contra o domínio despótico da mais asfixiante das tiranias ou da mais animalizante letargia do hedonismo consumista. No âmago de nossa consciência nenhum partido ou corporação pode arbitrar o mais ínfimo detalhe que seja.

O filósofo que serve a um governo (de qualquer partido) ou a uma empresa é um falso filósofo, um embusteiro, um corruptor do conhecimento. A verdade – e só ela – liberta o homem.

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