O ESTADO QUE SE ARVORA EM SUBSTITUIR A RELIGIÃO TEM MANDAMENTOS DEMOCRÁTICOS?

 

 

Teresa Gutiérrez de Cabiedes 

Tradução: Valter de Oliveira

No momento histórico no qual desfrutamos de um maior acesso a todo tipo de informação é tarefa indispensável recuperar a capacidade de pensar.

Hoje há quem afirme que o cristianismo está fora de moda, que a verdade revelada por Cristo não tem sentido em uma sociedade democrática, que a única instância de autoridade moral é a legislação promulgada por um parlamento. Dizem também que a Igreja deve renunciar a seus desejos de ensinar sua doutrina social e recolher-se às sacristias. Por extensão, o cristão que no século XXI continuar empenhado em confessar sua  fé não deveria manifestá-la além do quintal de sua casa.

Nessa lógica exercer um cargo político e ser ao mesmo tempo coerente com um credo seria tentar conciliar realidades incompatíveis. Não se deve contradizer o poder: a única religião possível é a obediência ao Estado onipotente. Todo aquele que se julga livre, que procura seguir a luz de sua consciência, deve ser condenado ao desprezo, por ser um intolerante leproso social…

Esta lista de tópicos que encadeiam o juízo crítico de nossa sociedade poderia enriquecer-se com mais matizes, mas assim como está serve como diagnóstico do panorama intelectual no qual vivemos.

Pode o homem moderno recuperar seu direito de pensar e seu dever de fazê-lo? De onde brotou a uniformidade cultural que julga que a liberdade de usar a razão é considerada uma dissidência social? Pode voltar a articular-se em uma sadia convivência entre a revelação divina  e a capacidade de juízo dos homens? Existe uma carta de cidadania para os homens de bem que seguem sendo fiéis à sua fé em Deus? Como deve reagir a Igreja multissecular ante estes grandes desafios atuais? Estas e outras questões esquecidas são abordadas no último livro de Alfonso García Nunõ, Religião em uma democracia frustrada. Nele o autor, jurista e teólogo, fez uma cuidadosa recopilação de artigos que previamente havia publicado (…).

(…)

Este livro põe o dedo na chaga das grandes questões não resolvidas de nossa sociedade. Consideremos, por exemplo, uma realidade com a qual convivemos habitualmente: a filosofia moderna, que promulgou a morte de Deus e, com Ele, de todo e qualquer absoluto, acreditando que, assim, ficaria completamente livre. As consequências, entretanto, foram outras: proliferam os absolutos que vão nos escravizando com ou sem nosso consentimento. Talvez o expoente máximo desta situação seja a consolidação irremediável de um Estado onipresente e onipotente, que rege a vida dos indivíduos até invadir o foro mais íntimo de sua consciência.

A paternidade de um Deus criador foi substituída por um “papai Estado” que sabe o que nos convém e o impõe, com todo o peso da lei. Neste sentido, não caberia dentro dos marcos democráticos, uma religião que aspire a conhecer e propagar a Verdade. Porque se a Verdade está morta, se não existe, sobram apenas as opiniões individuais e, como consequência vencerá quem conseguir impor sua opinião aos demais. A atomização social que se deduz destes pressupostos é evidente: quando não se reconhece a possibilidade de  direitos naturais ao homem, é impossível uma busca conjunta do bem comum e reinam as preferências (filias) e as fobias de cada indivíduo.

Provavelmente um dos pontos nevrálgicos que dá unidade a este mosaico de artigos é uma ideia lúcida: a premissa de que o cristianismo está incrustado no humano, não descolado dele. Quer dizer, Deus não é inimigo do homem, mas luz para sua humanidade. A recuperação de um sentido transcendente obriga o ser humano a sair de suas pequenas mesquinhezes e a construir sua vida e sua história com o olhar posto no melhor.

De fato, o motor do conhecimento (já o havia descoberto a sabedoria grega) é o diálogo: mas este só é possível quando estamos dispostos a renunciar a nossos pressupostos, honradamente; se descobrimos outras ideias melhores, mais conformes com a condição do homem e com o bem da sociedade na qual vive. Neste livro fica patente que o primeiro diálogo necessário é o que devemos ter para conosco mesmos. O autor vai nos mostrando seu próprio itinerário intelectual, no qual se apresenta um contraste contínuo de opiniões e de interpretação de dados, assim como um fecundo colóquio com a preciosa tradição de nosso pensamento cultural. Tal exercício nos provoca irremediavelmente a recuperar o mítico desejo: sapere aude!

 (…)

Em toda a obra nota-se um denodado esforço em desmascarar o carnaval de palavras no qual vive nossa sociedade. De fato, a manipulação linguística pode considerar-se um dos instrumentos mais eficazes da confusão intelectual para um homem-massa que, como denuncia o autor, “renunciou ao exercício” de sua consciência. Último ponto: García Nunõ acertou ao nos brindar com uma multidão de exemplos de vidas concretas, algumas de relevância pública, mas também de pessoas anônimas. A maior sacudida para arrancar-nos da mediocridade reinante é, possivelmente, a ânsia de imitar vidas heroicas e de evitar biografias estéreis.

Notas:

1.     Título original: El sucedáneo de la religión y sus mandamientos ¿democráticos?

   Teresa Gutiérrez de Cabiedes, periodista, é doutora em Comunicação Pública e  escritora, escreve em libertaddigital.com. Publicado em Almudi.org em 2 de Julho de 2015.

 

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