A INCONSTITUCIONALIDADE DA CAPELINHA

 

Percival Puggina 

 03/07/2010

Subitamente, A Direção Do Hospital De Clínicas De Porto Alegre Descobriu Que Há 22 Anos, Junto Ao Santíssimo, Na Capelinha Lá Existente, Berra Uma Escandalosa Inconstitucionalidade. Durante Décadas, Naquele Minúsculo Local De Culto E Oração, Realizou-Se O Milagre Da Esperança Que Inicia Onde Terminam As Esperanças Humanas E Se Fez Presente O Conforto Que As Pessoas De Fé Recolhem Do Coração Amoroso De Deus. Tudo Abominavelmente Inconstitucional Desde A Promulgação Da Constituição Federal De 1988, Segundo Crê A Direção Do Hospital.

“Summum jus, summa injuria” (excesso de Direito, máxima injúria à Justiça), sentenciou Cícero sobre casos nos quais a rigorosa leitura da lei determina situações injustas, absurdas ou risíveis, situadas fora de seu espírito. O elenco de feições que esse distúrbio pode assumir é imenso e a inconstitucionalidade da capelinha é uma caricatura de todas. Recordo-me, por exemplo, de reações que presenciei quando se soube que um secretário de Estado tinha o hábito de rezar com sua equipe no local de trabalho. “Opa!”, ouriçaram-se os militantes do ateísmo. “Eles rezam antes do início do expediente ou depois de iniciar o expediente?” Só faltou indagar se rezavam a um Deus dos filósofos, “genérico”, ou a algum Deus pessoa, específico, interditado na nossa Carta Magna. É a racionalidade dos militantes do materialismo! Falar da vida alheia, discutir futebol e contar piadas durante o expediente, pode. Rezar? Nem pensar! É pra lá de inconstitucional. Inconstitucional pra burro!

Numa democracia, reconhecer os direitos das minorias não pode significar recusa a anseios viáveis e legítimos das maiorias. Se 80% da população de um país é católica, desconhecê-lo não é apenas expressão de pouco senso: é agressão a um valor essencial da política e da democracia. É perder o sentido de proporcionalidade essencial à Justiça! Tem mais. Na linha de raciocínio defendido pelos profetas do humanismo anticlerical e ateu, que sempre se expressou em formas totalitárias e em humanismo desumano, é perfeitamente legítimo dar a uma praça o nome do autor do Manual do Guerrilheiro Urbano, Carlos Marighella. Mas se estatela contra supostos óbices constitucionais quem pretender o mesmo para João Paulo II.

Já escrevi aqui sobre essa incontornável e preciosa marca – o batismo espiritual e cultural que o Ocidente recebeu do cristianismo – estabelecida, por fulgurante reflexo, sobre nossa nação. Representada por devoções e ritos significativos para a imensa maioria dos brasileiros, ela se evidencia, também culturalmente, nos nomes de ruas e rios, cidades e Estados, feriados e festas nacionais. Para os materialistas e militantes do ateísmo (aqueles 10% que querem impor aos outros 90% suas próprias devoções), tudo isso é inconstitucional, claro, aguardando que se firme o foco jacobino com que leem a Constituição Federal de 1988. Explico: na Revolução Francesa, durante o Terror, os jacobinos, para dar sumiço às datas cristãs, criaram um calendário com semana de 10 dias. Stalin, século e tanto depois, inventou uma semana de cinco dias com o mesmo fim. Quase todos os totalitarismos, aliás, dos bolcheviques aos barbudinhos de Fidel, foram acometidos de igual fobia à religiosidade em geral e ao cristianismo em particular. Criaram monstrengos em nome de uma igualdade antagônica à verdadeira justiça. Então, aqui no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, põe-se a Constituição sobre o altar e cria-se uma capela new age, franqueada ao terrível e inútil silêncio da matéria.

(Zero Hora, 03/07/2010)

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