PRECATÓRIOS ABERRATÓRIOS

 Ubiratan Jorge Iorio de Souza

 02/05/2009

O governador e o prefeito de São Paulo, assim como quase todos os seus pares em todo o Brasil, defendem com unhas e dentes (e, ao que parece, com garras) a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 351/2009, que institui “regime especial” de pagamento de precatórios pelos estados, municípios e Distrito Federal. A OAB qualifica a referida PEC como a “institucionalização do calote”.

É muito mais do que isto, porque ela enfeixa um conjunto de aberrações, todas atentatórias aos mais rudimentares ensinamentos morais. Primeiro, porque agride o princípio básico de que leis não devem ser retroativas, mas prospectivas; segundo, porque propõe que os débitos passem a ser corrigidos pela remuneração da poupança (TR mais 0,5% ao mês) e veda a incidência de juros compensatórios, o que diminui sua taxa de crescimento (que tal aplicar-se a mudança de regra proposta também aos contribuintes, quando atrasam os pagamentos de tributos?); terceiro, porque estende para até 70 anos o pagamento de dívidas dos entes federativos que a Justiça já determinou fossem pagos, ou seja, transfere para netos e bisnetos créditos de avôs e bisavôs – a não ser que estes vivam até os 140 ou 150 anos (ou mais); quarto, porque enfraquece o Poder Judiciário perante o Executivo, ou seja, agride a boa praxe democrática; quinto, porque beira as raias da indecência e da ofensa à nossa inteligência a alegação da Confederação Nacional de Municípios de que “os municípios querem pagar os débitos existentes, porém sem aviltar a utilização dos recursos públicos, impedindo o contribuinte de usufruir do mínimo que o Estado hoje lhe oferece, para pagar com lucros exorbitantes àqueles que fizeram dos precatórios do trabalhador, a melhor forma de investimento existente (ver a “argumentação” da CNM em www.fnp.org.br/files/documentos/CNM.ppt); enfim – em bom português e resumindo tudo -, porque é uma safadeza inominável, com todas as letras!

O argumento do prefeito paulistano chega a ser risível: “Risco maior é a capacidade de a cidade quebrar. Tenho responsabilidade”. Afirmou ainda ser a aprovação da PEC a “única solução”. Ora bolas, senhor prefeito – e senhores prefeitos e governadores de todo o país – que tal seguir a lição que devem ter recebido (espera-se) de seus pais e avós, em tempos em que os valores morais ainda eram respeitados minimamente – de que dívidas devem ser pagas tempestivamente, para não “sujar o nome” dos devedores? Cortem gastos supérfluos – e são tantos! – que os senhores verão que não faltarão recursos para pagar o que devem!

Em um país em que as três esferas do Estado pouco mais fazem de explorar o cidadão, em que a educação, a saúde, a segurança e a infraestrutura públicas são verdadeiramente vergonhosas, em que proliferam secretarias e mais secretarias com as únicas finalidades de atender ao “politicamente correto”, acomodar alianças políticas e oferecer a apadrinhados altos DAS e em que se pretende inventar algo como a PEC 351, os cidadãos comuns, explorados por uma batelada de tributos (e que precisam pagá-los em dia, sob pena de multas, moras e juros) têm todo o direito de supor que o conceito de honra de alguns representantes dos entes federativos, de ontem e de hoje é, digamos, bastante relativo: quando o Estado é credor é um e quando é devedor é outro, bem diferente…

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