Evandro Faustino
18/01/2011
Tradução livre, resumida e comentada de um capítulo de
“Ajudar a crescer – questões de filosofia da educação”, de Leonardo Polo
18/01/2011
1- A Educação no âmbito familiar
A Educação é o terceiro aspecto do fim primário do matrimônio, que é a procriação. Outro dos fins do matrimônio é o amor entre os esposos. Mas no que diz respeito ao fim, o filho é mais importante que o amor, e por isso o matrimônio está ordenado primariamente para a procriação. Mas não apenas a procriação, já que isso é comum também aos animais, mas sim a procriação-educação. Todos os animais procriam. Alguns animais criam, mas apenas o homem educa.
É na educação que o relacionamento entre pais e filhos atinge o seu auge. Os pais geram, criam e educam. E por que se diz que isso é primário? Porque, ainda que o amor entre os esposos seja importantíssimo – e nunca se falará pouco desse ponto – esse não é o maior valor do matrimônio. O mais importante é que do matrimônio surgem novas pessoas, e ser pessoa é o que há de mais nuclear no homem. O fruto do matrimônio é uma pessoa nova, e a pessoa nova é justamente um filho. Precisamente por isso, os pais se subordinam aos filhos, uma vez que estão finalizados, estão realizados pelo filho enquanto pessoa (e não pela simples procriação da espécie, como diz a visão naturalista do homem).
O homem pode ser pai apenas com a colaboração de Deus. Os pais são “sócios de Deus” na criação dos filhos. É dessa sociedade, dessa colaboração dos pais com Deus que surge a pessoa. Os pais geram o corpo de seus filhos, mas a alma, a dimensão espiritual do homem, é criada por Deus. Os pais participam no que se refere principalmente à parte somática, à dimensão corpórea do homem. Mas o homem não é só matéria: é união da alma e do corpo, e a alma vem de Deus, é infundida pela criação divina. Os pais não podem ser pais sem a colaboração divina, a qual é primária, pois que a alma é mais importante que o corpo.
Então chegamos a uma idéia, exposta de um enfoque filosófico, e com a qual é preciso estar de acordo desde o princípio: O fato de que o homem seja mais propriamente filho que pai explica que os pais devem estar a serviço dos filhos, e que o fim primário do matrimônio seja a procriação, a criação e principalmente a educação.
Este é um ponto básico, e muitíssimo rico em conseqüências também básicas e importantes. Em rigor também se pode dizer que o pai e a mãe também se encontram no filho, porque o filho é dos dois. Evidentemente a intervenção divina é primária, mas o filho é também dos pais. No filho culmina o sentido unitivo do amor dos pais. O amor dos esposos entre si e o amor dos esposos a seu filho não se separam, porque os pais reconhecem seu mútuo amor no filho, sua obra comum. O filho é o fruto do amor.
Uma pergunta que se poderia fazer: dado que o filho é fruto da união dos pais, ele poderia em alguma circunstância contribuir para a desunião dos pais? É evidente que se isso acontecesse, essa idéia de que o filho é união, é o ponto de encontro do amor, ficaria frustrada.
Quando pode haver uma diminuição do amor entre os esposos, como conseqüência da paternidade? Que respondam os casais com filhos. Mas parece claro que isso acontece quando os pais demonstram um amor exclusivo ao filho, deixando o cônjuge de lado: quando um pai tem predileção pelo filho e se esquece de sua mulher; ou vice-versa. Nesses casos o filho estaria desunindo e diminuindo o amor entre ambos, o que seria um absurdo.
Além disso, se houvesse realmente a desunião entre os pais, a função educativa não se poderia levar a cabo. Pois essa se canaliza melhor quando o amor dos pais cresce ao se concentrar no filho, quando é amor mútuo, e não apenas ao filho. Essas considerações que podem parecer uma digressão teórica têm na verdade um grande sentido prático. Por exemplo: há mulheres que parecem dar importância apenas à sua condição de mães, esquecendo que são esposas. São tão “mães” que consideram o marido um puro provedor de alimentação. Naturalmente essa mulher se equivocou enquanto esposa. O mesmo se diga em relação ao homem que gosta muito de brincar com o filho, de passear com ele, etc., mas deixa de lado sua mulher. Ele também estará agindo mal, e não poderá educar corretamente seu filho. A educação do filho é familiar, e corresponde principalmente aos pais. Mas muitas vezes, quando há vários filhos, eles também se educam entre si (1) .
Qual o requisito básico de uma boa educação? Quando se educa melhor? Como já foi dito, será quando o amor ao filho é um prolongamento do amor entre os esposos. E se educará de forma pior quando o amor ao filho desune e deixa em segundo lugar o amor entre os esposos. Há, portanto uma estrita unidade entre os dois fins: entre o fim primário, que são os filhos, e o outro fim, que é o amor mútuo.
2- A educação da afetividade
Uma vez que a educação depende do amor dos pais ao filho, e que esse amor é inseparável do amor mútuo entre os esposos, fica evidente que a educação na família é fundamentalmente uma educação na normalidade afetiva. A normalização dos afetos é o fundamento para se edificar uma educação superior, como a educação do intelecto e da vontade.
A primeira coisa que se deve educar são os afetos, os sentimentos. Os afetos se educam principalmente na infância, até os dez ou onze anos. Se a afetividade de uma pessoa anda mal, se o seu sentimental e emocional estão abalados, essa pessoa terá dificuldades em aprender nas outras dimensões da educação. É comum os pedagogos dizerem que o que se deve educar primeiro são os hábitos. Efetivamente os hábitos devem ser educados: devem se estimular o crescimento das virtudes no homem. Mas isso vem depois da normalidade sentimental. Antes da criação dos hábitos o que se deve educar são os sentimentos. E os pais não podem educar seu filho na normalidade sentimental se não possuem previamente essa normalidade.
São Josemaria Escrivá repetia sempre aos casais: “Não briguem diante de vossos filhos!”. A esse conselho saudável acrescentava outro: “também não fiquem com muitos beijos e abraços diante deles”, porque as manifestações de amor são íntimas. Entretanto, de uma forma prudente, se deve fazer notar aos filhos que marido e mulher se querem, pois isso é imprescindível na educação da família. Alem disso, ajuda muito a que os esposos se eduquem entre si. Um pai ou uma mãe mal educados não podem ser bons educadores. Por isso, é preciso buscar que a educação afetiva dos pais cresça, melhorando a convivência.
A educação das crianças nas virtudes é essencial, mas no inicio é indireta, porque necessita que elas tenham normalizados os sentimentos e os afetos. Quando há harmonia nos afetos, a atuação da vontade sobre eles fará com que nasçam as virtudes correspondentes. A educação dos afetos ou sentimentos tem, portanto, o objetivo de preparar para a educação das virtudes. Enquanto as paixões humanas estiverem desorganizadas, será sumamente difícil adquirir a virtude da fortaleza, ou a virtude da temperança de forma estável.
3- O diálogo na educação
Outro aspecto da educação entre esposos que se pode destacar são, por exemplo, as brigas. As brigas são defeitos do diálogo, déficit de racionalidade. Pode-se perfeitamente estar em desacordo, e não brigar. Convém dialogar, porque as brigas procedem de um problema de incompatibilidade de caráter, de uma maneira diferente de ver as coisas, que provoca disputas ou desacordos. As brigas só se superam quando cada um dos esposos faz um pequeno exame sobre quais são as razões por que age de determinada maneira.
A melhor educação familiar é a educação conjunta. Como educadores, nem o pai nem a mãe se bastam por si sós. Suas funções educativas não são exatamente as mesmas. Devem se complementar. Portanto, os esposos devem se por de acordo. E para isso necessitam dialogar muito.
4- Ensinar a jogar (competir)
A educação familiar bem conduzida requer a colaboração do pai e da mãe. É complementaria, por uma razão simples: porque há dimensões humanas em que a mulher não pode educar, e há outras em que o homem tampouco pode ou sabe educar. Estou me referindo aqui, repito, à educação dos afetos ou das paixões, que – como disse – deve ser a primeira. O pai pode ensinar o filho a competir. E o valor pedagógico do jogo está em vincular os afetos à ação.
O homem tem um senso de competição mais desenvolvido que a mulher, porque o jogo tem entre seus componentes um fator muito importante que é o desafio. O que compete testa na competição as suas forças, e esse é propriamente um elemento masculino. Portanto, é ao homem que compete educar os filhos no jogo, ensiná-los a competir. No que diz respeito ao jogo, a mulher tem outra função, não educativa, mas mantenedora. O segundo componente do jogo é que obedece a regras. Pode parecer uma atividade simplesmente divertida, mas um jogo sem regras é impossível. Também é impossível um jogo sem objetivo. O objetivo tem muito a ver com o ganhar.
É evidente que o jogo educa a afetividade sempre e quando se jogue bem, porque mediante o jogo se aprende a ganhar e a perder. É preciso ensinar a criança a ganhar e a perder, para que assim se adapte à vida, que é uma mescla de ambas as coisas. A vida também se pode aceitar como um jogo. E isso contribui para a aquisição de virtudes.
Vimos que a estabilidade afetiva é importante para o desenvolvimento da criança. Saber ganhar e saber perder são sinais de afetividade firme: firmeza que se adquire e se aprende jogando. E quando a criança burla as regras, deve ser corrigida. E se continuam burlando, devem ser excluídas do jogo. Senão, nunca aprenderão a essência do jogo. Quando uma criança entra na escola sem ter recebido essa primeira formação, que se adquire jogando, como não sabe lidar com as regras, irá se dedicar a enganar.
É obvio que um menino acostumado a enganar na escola não foi educado na família. E se burla as regras, sua insegurança afetiva o inclinará a continuar burlando.
5- Educar na liberdade
Convém respeitar as inclinações das crianças. Se um pai é advogado, e triunfou nessa profissão, isso não é razão para que o filho seja advogado também. Pensar de outra forma seria anti-educativo, pois que afeta os princípios da educação. Como já dissemos, os pais são para os filhos, e não os filhos para os pais. É preciso evitar o paternalismo possessivo, que é contrário à atividade de educar na liberdade.
Para educar na liberdade os pais precisam muitas vezes adivinhar o que quer o filho. (Leonardo Polo conta aqui como seu pai tentava adivinhar suas inclinações quando ainda criança, dando-lhe livros infantis sobre vários assuntos, e reparando em quais ele mais se interessava).
Voltemos ao tema do jogo. Ele também deve ensinar a criança a ter serenidade, e desenvolver o equilíbrio. Isso é muito importante, embora para alguns possa parecer secundário. Aquele que sabe ganhar e perder com serenidade educou sua afetividade, é um homem forte. O homem que diz ser forte e, no entanto chora quando perde, na realidade não o é.
O jogo na educação é um assunto muito interessante. Acredito que a função principal do jogo é educar o apetite irascível: ensinar a ganhar, e ensinar a perder. O que sabe ganhar e perder afronta o perigo e o fracasso sem se alterar demais. Esse é um homem forte. Um homem forte é aquele que tem sua afetividade e seus sentimentos bem educados.
6- Educar na serenidade
Quando digo que as mulheres não jogam com seus filhos, não quero com isso dizer que elas não sabem jogar, mas apenas que não jogam tão educativamente com os filhos como os pais. Em contrapartida, é preciso ter em conta como as mulheres contribuem superlativamente na educação da afetividade, a qual, insisto, deve ser a primeira, para que os filhos não sejam instáveis, iracundos, assustadiços, ou ditatoriais. O homem deve ser educado para a serenidade afetiva, para não ser por exemplo um glutão. Depois virá a educação sexual, que é muitíssimo importante, e que dever ser responsabilidade exclusiva dos pais.
A mãe tem uma característica tranqüilizadora para a criança. A mãe é um lugar de acolhida, um lugar seguro, e alem disso próximo. O pai também é protetor, é alguém a quem se pode acudir. Mas a mãe protege diretamente, acolhendo no colo. Essa é uma característica essencial da mulher. O colo materno é sumamente importante para a criança. A criança não busca propriamente o colo do pai, mas seu abraço, que lhe aperta carinhosamente. O colo materno traz um contato corpóreo intenso, uma acolhida que a criança necessita, especialmente quando muito pequena. O colo também tem o sentido de refúgio, desse refúgio que lembra o lar, lembrança que deve permanecer por toda a vida. O colo tem ainda o sentido de consolo, de ser consolado. O ser humano, homem e mulher, necessita de consolo, de se refugiar. A vida humana não é apenas risco. De vez em quando o homem tem necessidade de receber consolo. Aquele que não sabe acudir ao consolo quando dele precisa – e irá precisar por toda vida – é precisamente um desconsolado, um ser entristecido, que se inibe, e sucumbe à dureza do existir.
Notas:
[1] – Atenção: aqui há um ponto a ser pensado e estudado, como embasamento filosófico para a educação multisseriada. Os filhos são naturalmente de idades diferentes, e faz parte da natureza da família que eles, alem de serem educados pelos pais, se eduquem entre si.