Carlos Alberto Di Franco*
05/01/2013
Todos nós, jovens e menos jovens, estamos crescentemente dependentes da plataforma virtual. É fascinante o apelo da web.
Investimos muito tempo digitando mensagens de texto, escrevendo nos blogs, postando fotos e comentários no Facebook ou curtindo videogames. Eu mesmo já fiz o propósito de não acessar meus e-mails nos fins de semana. Tem sido uma luta. Com vitórias, mas também com derrotas. Para o norte-americano Nicholas Carr, formado em Harvard e autor de livros de tecnologia e administração, a dependência da troca de informações pela internet está empobrecendo a nossa cultura. Ele não fala do uso da internet, mas da compulsão virtual.
Segundo Carr, o uso exagerado da internet está reduzindo nossa capacidade de pensar com profundidade. “Você fica pulando de um site para o outro. Recebe várias mensagens ao mesmo tempo. É chamado pelo Twitter, pelo Facebook ou pelo Messenger. Isso desenvolve um novo tipo de intelecto, mais adaptado a lidar com as múltiplas funções simultâneas, mas que está perdendo a capacidade de se concentrar, ler atentamente ou pensar com profundidade”, acentua.
A nova geração de adolescentes tem mais acesso à informação do que qualquer outra antes dela. Mas isso não se reflete num ganho cultural. Os índices de leitura e de compreensão de texto vêm caindo desde o início dos anos 1990. A conclusão é que, apesar do maior acesso às novas tecnologias, não se vê um ganho expressivo em termos de apreensão de conhecimento.
A internet é uma formidável ferramenta. Não deve, contudo, perder o seu caráter instrumental. O excesso de internet termina em compulsão, um tipo de dependência que já começa a preocupar os especialistas em saúde mental. Usemos a internet, mas tenhamos moderação. Precisamos, todos, redescobrir a magia da leitura.
O Silêncio contra Muamar Kadafi (Editora Companhia das Letras, São Paulo). Um livro com pegada. Reportagem na veia. “Em poucos minutos, ouvimos o ruído de um motor a diesel. Um carro chegava pela parte de trás da casa, em baixa velocidade, até parar. Ouvi as portas se abrirem, Ghaith e Mohamed silenciaram. Tudo silenciou. O tempo parou por um instante, enquanto quatro homens vestindo jaquetas pretas se aproximaram. Um deles trazia uma arma em punho e os demais carregavam bastões de ferro. Mohamed deu um passo para o lado, cedendo passagem. Um dos estranhos caminhou até Ghaith, agarrando-o; outro veio até mim e apalpou minha jaqueta e meus bolsos até deparar com o iPhone que eu protegia com uma das mãos. Segurei o aparelho com firmeza, sem menção de reagir, lembrando que dezenas de entrevistas gravadas estavam ali. O homem fez força para arrancá-lo com as duas mãos, até conseguir. Então, sem que reagíssemos, fomos pegos à força pelos braços e arrancados da casa, empurrados à rua de chão batido e obrigados a olhar para baixo.”Compartilho com você, amigo leitor, algumas obras. Espero, quem sabe, que o estimulem em suas férias de verão.
O relato em primeira pessoa do repórter Andrei Netto, enviado especial do jornal O Estado de S. Paulo, para cobrir a primeira revolução armada da Primavera Árabe, que em oito meses terminaria com a execução do ditador Muamar Kadafi, mostra a garra da reportagem de qualidade. Andrei e um colega iraquiano foram os primeiros jornalistas estrangeiros a ingressar na região sob controle do regime e a revelar ao mundo a extensão e a intensidade das rebeliões contra a ditadura. O correspondente do Estado foi sequestrado, agredido e mantido incomunicável num cárcere militar até sua libertação, intermediada pela diplomacia brasileira, pelos esforços da direção do jornal e pela solidariedade da imprensa mundial. Lembro-me da tensão daqueles dias. A grande reportagem de Andrei Netto, agora transformada em livro, constitui um relato impressionante das suas experiências ao longo da guerra revolucionária que matou mais de 20 mil pessoas.
A adrenalina da guerra bate forte no leitor, sem sensacionalismo, sem nada de apelativo, numa narrativa informativa e legitimamente dramática. A presença do correspondente no campo de combate possibilita uma cobertura altamente qualificada. Faz toda a diferença. Um belo livro.
O Óbvio Ululante – As Primeiras Confissões (Editora Agir, Rio de Janeiro). Como dizia Nelson Rodrigues, a “arte da leitura é a da releitura”. Comentário certeiro. Acabo de reler as memórias de Nelson Rodrigues, suas Confissões, condensadas no magnífico O Óbvio Ululante. Trata-se de um dos maiores cronistas que o Brasil já teve. Seu conhecimento da alma humana, com seus picos de grandeza e seus abismos de miséria, fica esculpido num texto insuperável. Nelson foi um criador de tipos antológicos. Como o anônimo cidadão que lhe serviu para criar o Palhares, o canalha, o que “atacava as cunhadas nos corredores”. Ou a imortal grã-fina “com nariz de cadáver”. Ou, ainda, o sacerdote que o inspirou a criar o “padre de passeata”. Seu texto, brilhante e saboroso, dissecava a alma humana e radiografava a sociedade. O que mais me impressiona, todavia, é a atualidade do pensamento rodriguiano. Um livro fascinante.
A Igreja das Revoluções (Editora Quadrante, São Paulo). Este é o último título da História da Igreja de Cristo, a monumental obra de Daniel-Rops. O autor, membro da Academia Francesa de Letras, estava trabalhando no 11.º, que trataria do Concílio Vaticano II, quando faleceu, em 1965. A multissecular história da Igreja Católica, intimamente relacionada com a história da civilização, é um banho de cultura e um magnífico prazer intelectual.
A todos, boa leitura e feliz Natal. E aos que viajam, boas férias!
*DOUTOR EM COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE NAVARRA, É DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS. E-MAIL: [email protected].
FONTE: ESTADO DE SÃO PAULO