Afinar cada um dos cinco sentidos que compõem o sistema sensorial humano é tarefa possível e enriquecedora que permite alcançar realidades antes ignoradas. Os sentidos são os responsáveis por alimentar ou enviar as informações obtidas ao sistema nervoso central, e por isso se diz que nada há no intelecto que não tenha passado pelos sentidos (visão, audição, paladar, olfato e tato). Alimentar os sentidos apenas com o grotesco ou elementar impede a sensibilidade para dar voos mais altos, reduzindo, assim, a possibilidade de compreensão mais autêntica das realidades. Ao permitir a captação de imagens, sons, sabores, odores e toques, os sentidos garantem uma percepção mais completa do ambiente.
1 – Visão
A vista pode se tornar preguiçosa e não se ater por muito tempo na mesma imagem, porque borboleteia por todo canto. Então, precisa ser afinada para fixar-se em detalhes e deleitar-se, por exemplo, diante de uma obra de arte ou de um livro de literatura… Quem passa muitas horas semanais degustando vídeos de muita ação – esportes, filmes –, costuma ficar incomodado com enredos mais elaborados e reflexivos. Então, é preciso despregar do chão a cabeça e o coração para interesses mais elaborados, a fim de potencializar o próprio mundo interior. Ao ampliar o campo de interesse para atividades que pouco a pouco enriquecem a visão do mundo e das pessoas, seja por meio de filmes com excelentes enredos ou pela boa literatura, tornam a pessoa mais conhecedora da complexa psique humana, e isso permitirá melhor interação consigo ou com as pessoas.
2 – Audição
A audição também pode ser educada. A facilidade com que hoje se tem à mão áudios e vídeos dificulta os momentos de silêncio e de reflexão interior, tão necessários para uma compreensão mais profunda das realidades. É frequente encontrar no ônibus ou no metrô pessoas de todas as idades enfrascadas em fones de ouvido, seja com músicas ou podcast. Outros, ao sair de carro, fazer cooper, andar de bicicleta, realizar trabalhos manuais, automaticamente sintonizam algum tipo de som porque temem o silêncio, o encontro consigo mesmos. Músicas de gêneros intensos como o reggae e o rock poluem o cérebro e dificultam a ação de pensar e contemplar (1). Há os que se queixam da incapacidade de se concentrar no estudo, de se recolher em oração ou dedicar-se a pensar em algo mais profundamente, mas o que esperar se durante o dia estiveram continuamente preenchendo o cérebro com estímulos sonoros?
Encontrar ilhas de silêncio no dia ao aproveitar deslocamentos, momentos de espera, etc., permite acudir à mente outras ideias, torna a pessoa mais criativa e rica interiormente. Alguém já chamou de contemplar seus pensamentos a ação de deixar vir ao pensamento lembranças, imagens ou reflexões sobre um tema ou assunto. Bento XVI disse que o silêncio é capaz de escavar um espaço interior no nosso mundo íntimo para ali fazer habitar Deus (Audiência geral de 07/03/2012). Não se trata de criar um vácuo mental, mas de abrir a mente à passagem de ideias próprias, e não as que são socadas na mente pelas mídias sociais. Trata-se de permitir-se o diálogo consigo mesmo e, melhor ainda, o diálogo interior com Deus, que transforma os próprios pensamentos em oração. Sobre a necessidade do silêncio interior não é por acaso que o cardeal R. Sarah escreveu uma obra de 300 páginas intitulada “A força do silêncio: contra a ditadura do ruído”. pela Fons Sapientiae.
3 – Paladar
O paladar é um sentido que também pode ser afinado. Diante da pergunta sobre o prato favorito, se a resposta for, por exemplo, um hambúrguer com batatas fritas, bacon, ovo e muito ketchup, talvez seja o caso de se abrir para apreciar sabores menos marcantes e mais sutis. Não se trata de chegar ao requinte de algumas etiquetas de vinho, ironizadas por certo humorista, que dizem para captar “o sabor complexo, cheio de matizes, com notas de sândalo e um final tânico poderoso, que revelam longas notas tostadas”.
O paladar pode ser reprogramado de forma progressiva, por meio de pequenos esforços como o de não reclamar do prato que se tem diante de si, variar a alimentação, carregar menos no sal e açúcar, comer um pouco mais do que se gosta menos e um pouco menos do que se gosta mais, não repetir a comida, comer devagar, saborear uma culinária mais elaborada, que certamente deixará feliz a pessoa que a preparou. O paladar doce pode ser mudado com a inclusão de vegetais amargos ou azedos (rúcula, agrião, jiló, rabanete, alho-poró…); há especiarias que ajudam a camuflar o sabor doce: gengibre, noz-moscada, canela, cravo e, claro, pimenta…
4 – Olfato
O olfato está relacionado à higiene corporal: ir bem limpo, barbeado, no caso dos homens, asseado, talvez com um pouco de perfume discreto e não enjoativo, mas que torna a presença mais agradável. A roupa cheirosa, bem passada, com o colarinho não puído e trocada com frequência para não as utilizar por dois dias seguidos, pois se trata de viver a virtude da economia, já que o esforço para lavar roupa encardida faz desgastar mais o tecido.
Não se trata de ser produzido, afetado, nem de se vestir da mesma maneira em todas as ocasiões, mas de cultivar o senso estético, a pulcritude, no próprio aspecto externo. O cuidado com esses pormenores torna a alma sensível para captar o perfume das flores e se interessar pelo nome de cada uma, agradecer o aroma da comida bem-preparada que vem da cozinha, o cheiro da casa limpa…
Um olfato sensível e delicado faz ampliar o interesse por conhecer os nomes das flores, árvores, plantas e pássaros da região em que se vive; ao retornar ao lar, saberá agradecer as mãos que colocaram flores sobe um móvel para embelezar o ambiente.
5 – Tato
O tato é conhecido como o sentido mais elementar e primitivo. O tato está presente não somente nas mãos, mas na pele que envolve todo o corpo, da cabeça aos pés. Pode-se relacionar o tato com o cuidado das formas, ao tom humano, à delicadeza no trato com os demais. O modo de se apresentar, de se sentar esparramado ou não, de se portar na mesa, de enfatizar, de torcer pelo time de futebol… A intemperança não só ocorre pela boca, mas em escolher os lugares mais confortáveis para se sentar, seja em casa, no trabalho ou no restaurante (minha cadeira, meu lugar no sofá, minha mesa, meu canto preferido)… Não são meros convencionalismos sociais, mas manifestação de respeito a si e aos demais viver desapegado das coisas materiais. O modo intemperado de assistir uma partida de futebol reflete um mundo interior desajustado, a necessidade de chamar a atenção dos demais, e o descontrole exagerado de manifestar os sentimentos.
Ser discreto, pedir por favor, agradecer, chamar as pessoas pelo nome e não pelo apelido, saudar delicadamente e não com um tapa nas costas, evitar palavrões, não bocejar ou se espreguiçar em público, são exemplos de delicadeza nas formas que tornam a convivência muito mais agradável.
Não abordaremos neste boletim os sentidos internos, principalmente a memória e a imaginação, que também devem ser educadas para evitar a algazarra interior ao trazer lembranças e imagens inoportunas que impedem a concentração e a atenção naquilo que se está fazendo. A imaginação, que é tão importante para a criação de todo tipo de instrumentos, e fundamental para as obras de arte, pode se tornar a “louca da casa”, como dizia S. Teresa de Jesus.
Notas:
1. Texto produzido por Ari Esteves, inspirado na obra A formação da afetividade – Uma perspectiva cristã, Cap.5 Desenvolver a afetividade a partir das virtudes teologais, de Francisco Insa, Editora Cultor de Livros, São Paulo, 2021. Imagem: a do diapasão é de Thirdman; as palavras introduzidas são de Ari Esteves.
2. Afirmação controversa. Pelo menos para bom número de pessoas. Convido-os a dar suas opiniões. Certamente nosso amigo Ari Esteves dará boas justificativas.