DISTINGUIR PARA UNIR

André Gonçalves Fernandes

Sem dúvida, uma nação se constrói, fundamentalmente, a partir da educação de seu povo. Uma lição sempre presente e que, na realidade brasileira, faz-me recordar que boa parte de nosso descompasso com as grandes nações se deve muito mais a problemas domésticos relacionados à educação do que propriamente às tão propaladas injustiças do fenômeno da globalização.

Estou convencido de que o grande salto que o povo grego alcançou, em nível de descoberta interior do homem, deveu-se à ação educativa. Desde seus primórdios, houve sempre uma preocupação em se descortinar os dois mundos que se abriam ao homem grego. Em primeiro lugar, o mundo exterior, voltado para os mares, à conquista de colônias e às guerras. Homero relatou a saga grega em Tróia e Tucídides foi, por assim dizer, o primeiro correspondente de guerra que se tem notícia: ele fez toda a “cobertura” do conflito do Peloponeso.

Ao mesmo tempo, creio que essa abertura para o horizonte navegável fez com que o grego se voltasse para um segundo mundo, o mundo interior. Os mistérios da mente e das potências humanas foram descortinados e, de certa forma, depois dali, o mundo nunca mais foi o mesmo. Após a Grécia, ninguém pode dizer que o homem é um ser desconhecido ou que os governantes desconheçam a força das ideias: Sócrates, Platão e Aristóteles, imortalizados por Rafael em seu famoso afresco, dialogam conosco até hoje.

Roma existiu por quase mil anos, graças à sua capacidade impressionante de aprender e aplicar as lições gregas, transformando esse conhecimento em direito universal, aplicável somente para os povos civilizados. Em outras palavras, o legado greco-romano forjou a moderna democracia, cuja vigor sempre depende de uma sólida gama de valores perenes, que são transmitidos, de geração em geração, pela educação. Do contrário, quando o relativismo toma de assalto a democracia, ela se torna uma espécie de sala de espera do totalitarismo. Esse foi um triste legado do século XX.

Vista como forma de emancipação dos povos, depois dos gregos, a educação floresceu entre os romanos até a queda de seu império ocidental, quando a Igreja Católica (sim, a infame de Voltaire) assumiu, definitivamente, sua função pedagógica, civilizando os bárbaros. A universidade, a herança de um período paradoxalmente denominado como das trevas, potencializou a evolução científica das nações da Europa, sob a tutela da mesma igreja. E, a partir da Idade Moderna, a universidade transformou-se na depositária do tesouro do saber humano.

Atualmente, todos os países têm seus olhos focados na formação pedagógica das gerações em todos os níveis. Se a ignorância, por um lado, é a base para qualquer conhecimento válido, na melhor tradição socrática, de outro, alavanca o risco de manipulação e de dominação, ou seja, o poder do homem sobre o homem que, não raro, é exercido arbitrariamente, tornando-se o homem o general que triunfa e, ao mesmo tempo, o escravo que segue o carro do exército vencedor, no dizer de Lewis.

Surgem novas propostas pedagógicas, baseadas na liberdade de escolha das pessoas. Em muitos países, já está em pleno desenvolvimento um sistema pedagógico, com ampla eficácia educativa, baseado na educação diferenciada, uma escola diferenciada por sexos. Um grande filósofo francês já disse que, em muitos campos do conhecimento, é necessário “distinguir para unir”: realçar os vários aspectos diferentes de uma coisa para que ela possa ser melhor compreendida depois em seu todo. Se a sociedade está fundada na igualdade, isso não permite concluir que todos sejam substancialmente iguais. Existem naturais diferenças que podem ser perfeitamente realçadas e estimuladas sem qualquer ofensa àquele princípio e em nome da complementariedade.

Nós educamos na igualdade entre os sexos, mas também consideramos as nuances entre os mesmos sexos: basta estudar um pouco de caracteriologia. As escolas de educação diferenciada zelam pela formação integral dos alunos, levando em consideração a realidade biológica dos sexos, além de seus desdobramentos culturais e a relação entre ambos os sexos por meio de espaços educativos próprios.

Sabemos que todos podemos alcançar o mesmo nível de conhecimento, mas percorremos sendas distintas no processo de aprendizado: uns atuam de forma linear, outros de forma geométrica e outros, digamos, dão muitos círculos até conseguirem percorrer a via do saber. E a educação diferenciada pode aportar relevante contribuição para as necessidades pedagógicas do século XXI, porque distingue para, depois, unir.

Essas linhas servem para mostrar as potencialidades da educação diferenciada e o quanto é relevante a valorização do ensino, como um todo, no mundo atual, inclusive como meio de transformação social. Novidade tão velha quanto a Grécia, porque, como todo seu legado nesse campo, é  de uma perenidade impressionante. Não atentar para as potencialidades da educação diferenciada é trilhar pelos caminhos da ignorância ou da cegueira do cego que não quer ver. Ou por uma triste combinação de ambas.

André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito, mestre em Filosofia e História da Educação, Pesquisador, Professor do IICS-CEU Escola de Direito, membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/SP e da Associação de Direito da Família e das Sucessões (ADFAS) e coordenador do IFE CAMPINAS ([email protected]).

http://ifecampinas.org.br/distinguir-para-unir

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