A caixa preta da educação: por que não conseguimos saber se o ensino público melhorou — ou piorou
Notas da Prova Brasil 2013 mostram que apenas 11% dos alunos brasileiros aprendem o esperado em matemática, mesmo depois de passar nove anos na escola. Os dados, contudo, não estão completos e podem esconder um quadro educacional pior que o atual
Bianca Bibiano
Notas da Prova Brasil 2013 mostram que apenas 11% dos alunos brasileiros aprendem o esperado em matemática após passar nove anos na escola (JONNE RORIZ/VEJA)
Neste mês, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), autarquia do Ministério da Educação (MEC), começou a enviar para as escolas públicas os boletins de desempenho dos estudantes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental em português e matemática na Prova Brasil 2013, principal avaliação da qualidade do ensino básico do país. O exame é realizado a cada dois anos, mas os dados só são divulgados no ano seguinte à sua aplicação. A divulgação da Prova Brasil estava prevista para o início do segundo semestre de 2014. Até o momento, porém, apenas dados preliminares foram liberados pelo Inep.
O atraso do Inep em tornar público os dados sobre a qualidade do ensino no país frustra os especialistas na área. “A Prova Brasil surgiu como instrumento de política pública para orientar secretarias de educação na melhoria do ensino. A falta de um cronograma para divulgação dos dados revela, porém, uma fragilidade institucional grave”, diz João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto e articulista de VEJA.com. Somadas aos dados de reprovação dos alunos, as notas da Prova Brasil definem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), conceito usado pelos governos para definir as metas da educação no país. Segundo Oliveira, ao reter os dados, o Inep está agindo como as “democracias africanas”. “Eles estão silenciando qualquer possibilidade de debate”, argumenta.
Não é a primeira vez que o governo federal atrasa a divulgação de dados educacionais. Em setembro, reportagem do jornal O Globo mostrou que o Planalto estava retendo os números do Ideb. Os resultados, divulgados um mês antes do primeiro turno das eleições: 21 Estados não atingiram as metas esperadas, revelando a estagnação do ensino fundamental. “Os dados ficaram retidos na Casa Civil em pleno ano eleitoral. Ao proceder dessa forma, o Inep fragiliza uma das poucas instituições respeitadas na educação brasileira, que é o sistema de avaliação”, diz Oliveira.
Para a consultora em educação Ilona Becskeházy, ao reter os dados o órgão federal demonstra falta de transparência. “O Inep não pode ter suas atividades pautadas pela agenda eleitoral. Ao contrário dos indicadores econômicos, que podem ser avaliados por órgãos externos ao governo, os dados das escolas públicas ficam restritos às avaliações do governo federal. Com toda a tecnologia disponível, não dá para entender por que os dados completos não estão divulgados na internet”, argumenta.
Além do descumprimento do cronograma, os especialistas apontam outra falha na divulgação das informações: alterações nas bases de dados, como o tamanho da amostragem, que dificultam a análise histórica de uma rede de ensino. No primeiro ano da avaliação, em 2005, a nota dos Estados levava em conta o resultado de todas as escolas que participavam da prova. A partir de 2007, os dados passaram a incluir apenas escolas com mais de vinte alunos matriculados no 5º e no 9º anos. Entretanto, como as escolas com menos alunos podem pleitear participação na avaliação, o tamanho da amostra pode variar de um ano para o outro. “Como podemos confiar nos dados se não existe um cronograma e se as bases de dados mudam constantemente?”.
De acordo com os resultados da Prova Brasil de 2013 obtidos pelo site de VEJA com o Instituto Ayrton Senna, a situação nas escolas públicas continua tão calamitosa quanto nos anos anteriores. Por exemplo: em Minas Gerais, o Estado que obteve a melhor avalição na Prova Brasil, nada menos do que 66,20% dos alunos do 9º ano teve desempenho inadequado em matemática. Isso significa que a maior parte deles não consegue entender a noção de porcentagem em um problema matemático. Em português, prova que analisou o nível de leitura dos alunos, oito em cada dez alunos ficaram com notas abaixo do esperado. O pior Estado na prova de matemática foi o Amapá: 97,46% dos alunos do 9º ano tiveram desempenho aquém do esperado. Em português, o Estado teve apenas 12,73% dos alunos com nível considerado adequado para a série.
O nível de desempenho de um Estado é calculado de acordo com a pontuação obtida pelos alunos na prova e classificado em 9 níveis. O primeiro nível, considerado o pior de todos, agrupa alunos que marcaram entre 0 e 125 pontos em uma escala que vai até 350 pontos em português. Para a ONG Todos Pela Educação, instituição que utiliza os dados para traçar metas para o setor, o ideal é que a pontuação dos alunos seja melhor que 175 nessa disciplina. Todas as notas abaixo disso são consideradas inadequadas.
Em matemática, a régua é um pouco maior: a nota máxima é 425 e são consideradas inadequadas pontuações menores que 200. No Brasil, 76,41% das escolas tiveram baixo desempenho em português e 88,78% em matemática. Ou seja, menos de 30% dos alunos saem do ensino básico sabendo o que é esperado para essa etapa da educação.
“São alunos que, ainda que consigam ler, não conseguem compreender um texto. Estamos falando que a maioria dos alunos não consegue sequer saber qual o personagem de uma fábula. Eles não podem usar a língua como ferramenta de aprendizagem para aprender novas coisas porque não compreendem informações mínimas em um texto”, explica Alejandra Meraz Velasco, coordenadora geral do Todos Pela Educação.
Segundo Alejandra, como as notas das escolas privadas ainda não foram incluídas nos cálculos, não é possível calcular o desempenho dos municípios. “As redes privadas representam 20% das unidades escolares do Brasil. Sem esses dados, não conseguimos saber se o país cumpre as metas de aprendizagem”, completa.
Procurado para comentar os dados, o Inep não se manifestou até a publicação desta reportagem.