Henri Hude
01/05/2012
Os responsáveis pela educação dos filhos são os pais. Nem os professores nem o Estado têm o direito de substituí-los nessa função. É preciso que os pais estejam atentos às ideologias que dominam as escolas hoje em dia para não deixar que os seus filhos sejam vítimas de ideias que destruam o seu caráter.
A RESPONSABILIDADE DE EDUCAR RECAI SOBRE OS PAIS
Uma escola é fundamentalmente uma associação entre pais e docentes. Os pais esperam que os docentes instruam os seus filhos e completem a sua educação com o mesmo espírito com que as crianças são educadas pela família, se esta cumpre a sua função. Os pais retribuem aos docentes em reconhecimento pelo serviço prestado a eles e aos seus filhos.
Em princípio, a autoridade pública local e principalmente o Estado não têm muito que ver com esse assunto. As famílias – e indiretamente as empresas – são, ou deveriam ser, as verdadeiras fontes de financiamento dos estabelecimentos escolares. Quando o Estado se apresenta como mentor universal e fonte de todo o financiamento deste tipo, procede exatamente como um banqueiro que pretendesse controlar os gastos e a vida dos seus correntistas sob o pretexto de ser o mediador dos seus pagamentos. Até segunda ordem, o Estado não é proprietário dos bens dos cidadãos nem tutor dos seus filhos.
Quando se apoia no seu poder de financiamento para chamar a si a autoridade neste campo, o Estado comete um abuso de poder. Seu papel consiste em zelar pela manutenção da justiça: verificar se as crianças são bem tratadas e se recebem um ensino de qualidade; se os pais não são privados das suas responsabilidades nem lhes viram as costas; se os professores são retribuídos equitativamente.
O Estado deve também velar para que os filhos das classes mais pobres recebam a melhor educação. Neste ponto, a sua intervenção justifica-se. Quando há liberdade de educação, sempre existe o risco de fomentar excessivamente a desigualdade e acentuar demasiado o caráter oligárquico da sociedade. Por isso, a liberdade de educação deve ser equilibrada mediante opções fiscais equitativas e em conformidade com o bem comum, fontes de bom entendimento.
O Estado deve também cuidar de que a educação dos filhos nunca se converta numa atividade meramente lucrativa como outra qualquer. O ideal seria que os estabelecimentos de ensino fossem totalmente livres e autofinanciados em grande medida, mas este ideal só poderia ser justo se os estabelecimentos fossem dotados de um estatuto original que afirmasse a sua finalidade não lucrativa e estivessem submetidos às leis de mercado apenas na medida em que estas expressem a liberdade de escolha, não o jogo mecânico da formação de preços. Entre a opressão socialista e o espírito mercantil dos ultraliberais, há espaço para fórmulas que combinem a eficácia do espírito empreendedor e a liberdade do mercado com a solidariedade social e o caráter desinteressado que é indispensável conservar na atividade educativa.
Quando o Estado beneficia algumas escolas com a gratuidade total, excluindo as restantes, faz recair um imposto especial sobre todos os pais que, por motivos que dizem respeito apenas a eles, desejam confiar os seus filhos a escolas que o Estado não subsidia. Semelhante política é contrária tanto ao direito dos pais como ao principio de igualdade tributária e à liberdade das consciências. A liberdade dos pais de não se verem privados dos meios necessários para financiar o tipo de educação que desejam para os filhos não é senão um corolário da liberdade de dar a esses filhos o tipo de educação que consideram melhor.
A LÓGICA ANARCO-TOTALITÁRIA DO PSEUDOPROGRESSISMO
O pseudoprogressismo escandaliza-se muito quando ouve falar do direito que os pais têm de educar os filhos. Por princípio, agita o fantasma da liberdade humana absoluta e incondicional (1), e dele deduz linearmente toda uma série de usurpações. Expliquemo-nos.
(1) Esse fantasma libertário usurpa com demasiada frequência o lugar que corresponde ao conceito de liberdade. É fácil descrevê-lo, pois basta agachar-se para recolhê-lo na sarjeta dos lugares-comuns. Sejamos breves.
Em matéria de moral, pretende acima de tudo “ser contra”; não contra isto ou aquilo, mas simplesmente “contra”. A priori. A negação é a primeira verdade. Importa dizer “não” por princípio. É algo metafísico. O Absoluto é concebido como o espírito que diz “Não”. Portanto, há uma simpatia espontânea por toda a insubordinação, fronda, revolta, rebelião, revolução. Não se cuida de saber quem se rebela contra quem, por que motivos, com que intenções, de que modo, etc. Tudo isso seriam considerações vis, que cheirariam a reacionarismo.
Uma vez que o bem é a Liberdade – prestemos atenção! -, e no radiante Futuro já não haverá mais poder, a rebelião, que por definição rejeita todo o poder, está necessariamente a favor da Liberdade e, portanto, é justa. Não se trata de raciocinar. Trata-se de reagir. “Não à repressão!” Repressão de quem, por quem, como? Perguntas da direita. “Há repressão – sou eu que lhes digo -; portanto, marche com o progresso ou admita que merece ser reprimido”.
Em matéria intelectual, o fantasma é principalmente a hostilidade com relação aos professores (a menos que sejam libertários, naturalmente), à tradição, sobretudo se é razoável, à verdade e muito especialmente ao real, uma espécie de entidade manifestamente reacionária à qual não se deveria perdoar o fato de existir.
Admirável doutrina! Todos podem ver os milagres que opera diariamente como, por exemplo, a multiplicação dos analfabetos. Na realidade, Fulano de Tal não precisa informar-se acerca do que existe, pois cria o mundo e a sua ordem inteligível cada vez que abre a boca. Não tem de ser responsável, pois cria o bem e o mal em cada uma das suas fantasias. Não tem de tornar-se um democrata, pois chama “democracia” ao regime da sua arbitrariedade individual.
Segundo este fantasma, a liberdade humana é quase divina: na verdade, seria absoluta, total e incondicionada. Por conseguinte, nada pode limitar a liberdade absoluta do homem, salvo a liberdade não menos absoluta e incondicionada dos outros homens. Concretamente, aquilo que a fórmula da liberdade ilimitada, limitada por outra liberdade ilimitada, encobre não é senão o direito do mais forte (felizmente, moderado pelo interesse, a inércia, o costume e a simpatia). Este é o novo direito do mais forte, sob as aparências de um direito supostamente novo. Mas prossigamos.
Ora bem, se os pais não têm o direito de educar os seus filhos, quem o terá então? Os próprios filhos? Seria uma contradição em termos. Portanto, terá de ser o Estado, o Estado que priva os pais do seu direito, ou seja, o Estado pseudoprogressista na sua dupla lógica, libertina (2) e totalitária.
(2) Os precursores dos filósofos iluministas se autodenominavam, nos séculos XVI e XVII, libertinos (N. do E.).
É necessário explicar esta dupla lógica. Ela parte do espírito libertino, inimigo declarado de toda a verdade e de todo o valor objetivo. O libertino não suporta sentir-se tolhido, e a vida social chega a ser-lhe insuportável, pois nela não faltam relações múltiplas e obrigações mútuas. Parece-lhe que o estado natural do homem deveria ser a existência individual não social, em que cada um vivesse só e – como dizem os ingleses – com a sua própria pessoa. Essa é a lógica radicalmente individualista do espírito libertino.
Pois bem, o libertino acaba por notar que, para sua tristeza, é impossível não viver em sociedade. Quererá então uma sociedade radicalmente individualista. Mas essa aspiração não poderia contentar-se com uma sociedade na qual cada um vivesse sem a menor preocupação pelos outros; não, o libertino só estará satisfeito quando os múltiplos indivíduos da sociedade chegarem a constituir um único indivíduo, já que só assim a alteridade opressora desaparece realmente. Mas a fusão de todos os indivíduos só pode ser levada a cabo mediante a identificação moral de todos os indivíduos com uma única entidade moral, que será o Povo ou o Estado: não ter vontade senão na vontade geral, não existir senão dentro do todo e pelo todo, identificado com o todo. É assim que o espírito libertino, ao fecundar a paixão igualitária, se converte no pai do totalitarismo.
DUAS LÓGICAS SOLIDÁRIAS E ANTINÔMICAS
Essa é a lógica anarco-totalitária do pseudoprogressismo, ou melhor, as suas duas lógicas, solidárias e antinômicas ao mesmo tempo.
Essas duas lógicas desenvolvem-se com vigor nos espíritos dominados pelo fantasma da liberdade, que destrói o conceito e a ideia de liberdade. É possível, em certo grau, tentar moderar uma delas com a outra, o que frequentemente acaba por unir os seus efeitos ruins. Com ainda mais frequência, ao menos no Ocidente, a economia é submetida à primeira lógica, e a educação e a cultura à segunda. Daí os dois tipos de oligarcas, no plano temporal e no espiritual, e o estético acordo entre eles: “Passa-me o corpo e deixo-te a alma”. Produz-se entre as finanças e o pseudoprogressismo uma aliança entre o trono e o altar.
A lógica do individualismo totalitário foi exposta de maneira definitiva por Jean-Jacques Rousseau no seu Contrato social. O homem – diz Rosseau – não é em essência um ser social ou comunitário; antes, é um ser puramente individual por natureza, completo e perfeito enquanto indivíduo. Portanto, nunca é livre em sociedade, já que nela encontra obstáculos humanos (os outros) para a sua liberdade, que é total por natureza. Por essa razão, ao nascer numa sociedade, nasce num cativeiro, ainda que os representantes eleitos ou o monarca sejam os homens mais bonachões do mundo. Como, pois, o homem chegará a ser livre? Constituindo com os outros indivíduos, mediante contrato, um só hiper-indivíduo com o qual cada um se identifique totalmente. Assim, a exterioridade será suprimida e, juntamente com ela, a dependência e a opressão, estabelecendo-se por fim o estado civil equivalente à liberdade absoluta da qual supostamente gozávamos no estado natural teórico. A realização política desses belos princípios é a República de Robespierre.
O DISCURSO PSEUDOPROGRESSISTA SOBRE A EDUCAÇÃO
Essa é a lógica – completamente desbragada – que encontramos no discurso pseudoprogressista sobre a educação. A criança é considerada como um indivíduo isolado e de certo modo perfeito. O ato de educar sempre ameaça ser uma agressão à liberdade da criança, que deve criar a sua própria verdade, a sua moral, inventar a sua cultura ou reinventar ab ovo quarenta mil anos de cultura humana. A sociedade familiar é, por definição, uma sociedade alienante para a criança, uma vez que não é produto de um contrato; daí que seja conveniente integrar o mais rápido possível essa criança ao Estado, que, por ser a sociedade gerada pelo contrato social, é ipso facto a sociedade da liberdade. Portanto, o Estado terá o direito exclusivo de educar as crianças, o que significa, ainda na lógica progressista, subtrai-las às perigosas tendências opressivas da família, de cuja presença sempre podemos desconfiar, para fazê-las submergir o mais breve possível na sociedade, onde se desenvolverão plenamente, recuperando na coletividade o elemento natural da sua liberdade.
Do que acabamos de ver depreende-se também o extraordinário dogmatismo do progressismo em matéria de programas e disciplina. Os alunos, não raro afetivamente deslocados e separados no máximo grau das famílias dispersas durante todo o dia, bebem a grandes goles a sã doutrina do progressismo, exercitam-se nos bons costumes progressistas e adquirem os bons hábitos que farão deles bons cidadãos (talvez também fiéis eleitores?) progressistas durante toda a vida. Os professores também devem formar-se neste mesmo espírito, etc.
A isto só se pode responder invocando o direito imprescritível de resistência à opressão.
RESISTIR AO TOTALITARISMO
A única maneira de resistir ao totalitarismo é recordar que todo homem é por sua essência um ser de relação, e que o contrato social não tem como efeito constituir a sociedade, mas apenas contribuir para um consentimento livre, racional e moralmente meritório de cada um à existência de uma sociedade anterior ao consentimento pessoal. As leis devem respeitar a inteligência e a liberdade das pessoas que constituem a sociedade e se constroem a si próprias ao constituí-la.
Pelo fato de o homem ser naturalmente livre e sociável, é evidente que não se pode considerar os pais e os filhos como dois grupos de indivíduos, muito menos como iguais na comunidade pseudocontratual do Povo ou do Estado; devem ser considerados como seres unidos por uma relação especialmente profunda, íntima, ontológica. Esta relação de paternidade ou filiação incide-lhes no seu ser, contribui para defini-los e pode servir-lhes de mediação no seu caminho para os fins últimos.
Na medida em que o homem medita sobre o mistério do seu ser e da sua origem radical, na medida em que essa busca – não necessariamente metódica e especulativa, mas com maior frequência intuitiva, vivida, existencial – lhe diz respeito, nessa mesma medida a sua meditação e a sua receptividade estendem-se também à relação com os próprios pais, à sua fecundidade e à sua causalidade em face desses seres procedentes dele, parecidos com ele e que, no entanto, lhe escapam mediante a posse incomunicável do seu próprio ser: os filhos.
Quando o homem deixa para trás a ilusão de um mundo quimérico, quando vai além de uma existência vivida nas aparências e renova as relações de conhecimento verdadeiro com os outros seres, imediatamente considera a sua paternidade ou a sua maternidade, a sua fecundidade, como parte essencial do seu ser. Compreende que esta se dá não apenas pela mera geração natural, mas mediante toda a ação educativa. Descobre a sua paternidade ou a sua maternidade espiritual em primeiro lugar com respeito aos seus próprios filhos. E nisso não há poder opressivo: é responsabilidade humana de primeira ordem, pela qual os pais se descobrem responsáveis pelos seus gestos, que se convertem em exemplos, e pelas suas palavras, que se convertem em testemunhos.
A CORAGEM DE INFLUIR NOS FILHOS
De nada serve dizer que seria preciso não influir nos filhos. Se isso fosse possível, também seria uma forma de influir neles, já que de fato lhes ensinaria haver apenas um valor: o ideal de um desenvolvimento livre de qualquer influência. Para não influir nos filhos absolutamente, seria necessário abandoná-los no meio dos bosques, não lhes falar, não aparecer diante deles, não lhes ensinar nada. Assim, fingir que se respeita a sua liberdade incondicionada e máxima condicionaria os filhos a reivindicar em grau máximo uma liberdade incondicionada. Receberiam uma lição moral, mas de uma moral às avessas, que somente encobriria sob o palavreado a irresponsabilidade, a injustiça e o hedonismo.
O mal se transformou no bem e o bem no mal, mas mesmo assim dão-se lições morais aos filhos pequenos. A única diferença é que antes estas lhes eram explicadas, o que dava margem à reflexão, ao passo que hoje em dia os filhos são manipulados sem ouvi-las e assim ficam totalmente alienados.
Como já tive ocasião de observar centenas de vezes, inculcam-se muitos mais princípios nos filhos precisamente quando se finge não os inculcar. É sempre a mesma astúcia, a mesma manipulação, e os jovens ingênuos deixam-se enganar. Como poderiam ver toda a substância que está por trás de uma forma vazia, que eles são levados a aceitar precisamente por causa da sua aparência de vacuidade? E esta maneira de manuseá-los, satisfazendo a sua pretensão adolescente de não dependerem de ninguém, será chamada de formação do espírito crítico…
Simulando um caráter não diretivo, essa educação insinua todos os conteúdos que facilmente se deduzem desse único princípio. Na realidade, o caráter não diretivo é a pedagogia totalitária do progressismo totalitário, e é preciso denunciá-lo energicamente como aquilo que é: uma forma de fazer entrar idéias como que por contrabando, sob a aparência de uma prática que pretende ser respeito, mas que não passa de impostura.
Que absurdo é conceber as relações entre os homens unicamente com base na desconfiança ou na luta pelo reconhecimento e pela independência! Assim não se cresce na amizade, na confiança e no amor, que são um compromisso e uma relação, e uma relação segundo o ser, profunda, interior e durável… Realmente, os totalitários não compreendem nada da vida e os pseudoprogressistas nada sabem do amor.
Não haverá uma reforma da educação enquanto os pais não encararem a educação como um problema próprio. Não devem delegar as suas responsabilidades aos docentes nem ao Estado. Seria preciso, além do mais, que os diretores de empresa lhes dessem tempo para ocupar-se dos filhos. Sobretudo, seria indispensável que os progenitores se libertassem dos complexos relacionados com os disparates e imposturas do pseudoprogressismo educacional.
Fonte: Revista Humanitas, nº 43
Tradução: Quadrante