Frodo e a Educação Personalizada: a jornada de cada criança

Cláudio Rigo e Vladimir Gonçalves

– Eu queria que o Anel nunca tivesse vindo a mim. Queria que nada disso tivesse acontecido.

 (Frodo, personagem de J.R.R. Tolkien em O Senhor dos Anéis, Livro I – A Sociedade do Anel)

A educação de uma criança, que logo será um jovem e depois um adulto maduro, é uma tarefa apaixonante, bela e não isenta de perigos. Educar quando? Educar para quê? Educar o quê? São perguntas que pais e professores se fazem continuamente. Parece intuitivo pensar que se pudessem capacitar e ensinar aquela criança a tomar boas decisões nas questões fundamentais da sua vida já teriam meio caminho andado. A isso se propõe a Educação Personalizada de Victor García Hoz, que contou com a ajuda de outros educadores para a concepção e organização desse modelo educativo durante os anos 1950 na Espanha.

A ideia da educação personalizada é muito simples de enunciar, mas nada simples de executar: educar a pessoa humana em todas as suas dimensões, ou seja, tirar de dentro (educar = ex ducere, conduzir para fora) do aluno todas as suas potencialidades, para que seja a melhor versão de si mesmo. Ou se educa a pessoa completa, ou não educamos de maneira nenhuma. A pessoa é um todo indiviso, não há como agir somente em uma de suas partes sem afetar as outras. Quando olhamos apenas para um aspecto do ser humano, o cognitivo por exemplo, estamos treinando ou adestrando, mas não educando. Uma educação assim, que particulariza apenas uma das dimensões, falha em dar aquilo que é mais necessário para que alguém se realize pessoalmente: a unidade de vida – ser o mesmo em todos os ambientes, vivendo de acordo com a própria consciência.

Educar não é uma tarefa individual; é tarefa coletiva, que envolve muitos agentes. Dizer que a família cuida de uma parte da educação, a formação nos valores, e a escola de outra, o acadêmico, é uma grande falácia. Na formação do caráter de uma pessoa, todos têm influência e por isso é tão importante que os pais encontrem um colégio que os ajude na educação integral de seus filhos.

Neste artigo vamos nos restringir a muito pouco: comentar um único aspecto da realidade de ser pessoa, a singularidade, e suas implicações na educação. Além da singularidade, as outras notas da pessoa são a autonomia e a abertura, que comentaremos em próximos artigos.

Que cada pessoa humana seja singular significa que não há outra igual em todo o Universo, que Deus a quis não como um produto em série, mas dotou-a de originalidade e exclusividade dentro da espécie humana. Esse fato, por si só, deve suscitar nossa admiração e respeito.

Como fio condutor das nossas reflexões, olharemos para Frodo, o portador do Um Anel, na famosa história de Tolkien, O Senhor dos Anéis.

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Frodo Bolseiro é um hobbit, e, portanto, faz parte da sua natureza não buscar complicações na vida, prezar uma existência superordenada, com vários momentos fixos no dia para comer – os hobbits adoram boa comida e boa bebida! – e outros momentos de puro ócio contemplativo. Um hobbit odeia quando perde o controle das circunstâncias que o cercam, o que ocorre na vida de Bilbo e de Frodo sempre que Gandalf, o Cinzento, aparece de visita. Nunca buscariam por sua conta uma aventura, mas, uma vez nela, revelam o melhor do seu caráter: ousadia, coragem, generosidade, lealdade, compromisso com o bem, heroísmo e cuidado com os seus amigos. Tudo isso já ocorreu com Bilbo quando encontrou o anel, em O Hobbit. A história de O Senhor dos Anéis começa no momento em que Bilbo se retira para sempre do Condado e deixa sua herança, incluindo o anel, para Frodo. Acompanhando as manifestações dos dois personagens ao longo da história, vemos como Bilbo e Frodo são especialmente singulares. Cada um deles é único, com seu temperamento e sua personalidade, que saberão desenvolver de forma criativa para a execução de uma missão, única também. Não há uma pessoa humana sem missão, e não há missão sem alguém que a encarne e viva. Eis aqui a gravidade da tarefa de educar: se uma pessoa não foi educada, se não aprendeu a conhecer suas potencialidades e a desenvolvê-las, talvez fique incapacitada para cumprir a missão para qual foi chamada. Isso é muito sério!

Elijah Wood, o Frodo, faz homenagem a Ian Holm, o Bilbo de O Senhor dos  Anéis | Thunder Cheats

Os fins da educação são o autogoverno e a autoeducação. Que cada um tenha tal domínio sobre seu agir e querer, que chegue a querer aprender e aprenda de fato. Frodo foi criado e educado por Bilbo, ouviu mil vezes as histórias das suas aventuras e bebeu do espírito aventureiro que tomou conta de Bilbo depois de viver a sua própria saga. O mago Gandalf acompanhou Frodo nesse processo de crescimento e amadurecimento, visitando o Condado com frequência por muitos anos. Podemos imaginar as conversas de Bilbo com Gandalf à noite, diante da lareira, com a assistência de Frodo, comentando sobre o passado e o futuro da Terra Média. Frodo intuiria que faria parte dessa história? Com certeza sim! E quando o Um Anel lhe coube por herança, soube ter o domínio de si necessário para não fugir às suas responsabilidades, superando muitos perigos.

O fato é que, quando a sua hora chegou, Frodo soube responder à altura das circunstâncias. Não estava e não se sentia preparado, mas a sua parte mais nobre veio à superfície. Aqui está o autogoverno. No Conselho presidido por Elrond, na cidade élfica de Valfenda, convocado para decidir quem levaria o Anel a Mordor, prevalecia o desentendimento, as acusações de parte a parte. A cizânia da discórdia foi espalhada, resultado da ação do Anel sobre todos. Frodo capta que só a união do grupo poderia vencer aquele desafio, sente o chamado do Anel e vê que só ele poderia ser o seu portador. Sente surgir uma coragem em seu íntimo e propõe a solução: – Eu levarei o Anel a Mordor. Embora… eu não saiba o caminho. Foi o passo necessário para que, ali mesmo, se formasse a Sociedade do Anel, composta por nove companheiros, oito deles dispostos a ajudar Frodo a levar a cabo uma tarefa tão perigosa:

– (Gandalf) Eu o ajudarei a carregar esse fardo, Frodo Bolseiro, enquanto couber a você carregá-lo.

– (Aragorn) Se por minha vida ou morte eu puder protegê-lo, eu o farei. Você tem minha espada.

– (Legolas) E você tem meu arco.

– (Gimli) E o meu machado.

– (Boromir) Você carrega o destino de todos nós, pequenino. Se essa é mesmo a vontade do Conselho, então Gondor também irá.

– (Sam) Ei! O Sr. Frodo não irá a lugar nenhum sem mim.

O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel (citações a partir do filme) |  Simples Coletivo
A sociedade do anel

No livro Educação Personalizada, García Hoz diz que “a educação personalizada responde ao objetivo de desenvolver sua capacidade de tornar efetiva a liberdade pessoal, participando, com suas características peculiares, da vida comunitária”. É exatamente o que faz Frodo ao decidir levar o Anel: ele sabe que será um fardo pesado, mas também sabe que estará ajudando a todos. E de tal maneira o seu ato é grande que mobiliza toda a comunidade, fazendo com que também decidam se unir à demanda do Anel.

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A missão não é isenta de dúvidas e faz sentir o seu peso. A frase da epígrafe mostra o quanto Frodo se sente esmagado pela tarefa que lhe caiu sobre os ombros. Nesses momentos, como é importante a presença dos mestres, dos pais ou dos amigos. Gandalf fará esse papel junto a Frodo, dando-lhe uma perspectiva muito profunda da sua vida e da sua relação com o Anel. O diálogo acontece no interior das cavernas de Moria. Após ouvir a confidência de Frodo, Gandalf lhe responde: – Como todos que vivem tempos assim. Mas não cabe a eles decidir. Temos de decidir apenas o que fazer com o tempo que nos é dado. Há outras forças agindo nesse mundo, Frodo, além da vontade do bem e do mal. Bilbo estava designado a encontrar o Anel. E, nesse caso, você também estava designado a possuí-lo. E esse é um pensamento encorajador.

García Hoz, no seu Tratado de Educação Personalizada, escreve que “o ponto chave da educação personalizada está na capacitação do homem para reconhecer os condicionamentos de sua liberdade, para que possa fazer uso de sua livre decisão nas zonas de autonomia que sempre tem ao seu alcance”. Não é isso o que Gandalf diz a Frodo? Não cabe a ele decidir em que tempo viverá, nem se sente capaz de recusar a sua vocação – ser o portador do Anel. Assim, tem que “decidir apenas o que fazer com o tempo” que lhe foi dado; usar a sua decisão livre naquilo que lhe compete decidir. 

Vemos Frodo em um processo de autoeducação, expondo suas dúvidas, perguntando, querendo compreender melhor o que se espera dele e o real significado de portar o Anel e levá-lo a Mordor. No diálogo com Gandalf, Frodo começa a intuir que, apesar de todo acompanhamento e ajuda, chegará a hora em que terá de seguir sozinho no cumprimento da tarefa. Na sua estadia em Lothlórien, Frodo seguirá perguntando a Galadriel, manifestará seus medos e receberá dela alento e poderes para seguir em frente. Nada é fácil: a cada pergunta e resposta Frodo cresce em autoconhecimento, sabe cada vez mais sobre suas fraquezas, fortalezas e limitações. Ciência preciosa para quando tiver de tomar sozinho suas próprias decisões. Não estamos aqui descrevendo o que os nossos jovens mais precisam no mundo atual para terem domínio sobre as suas próprias vidas?

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Como Frodo, temos nossas vulnerabilidades, e com mais razão as crianças. E como Frodo, toda criança necessita de uma “Sociedade do Anel” (pais, educadores, amigos e, de certa forma, a sociedade em geral) que a acompanhe no seu período de desenvolvimento. Como na novela de Dickens Greatest Expectations, todos os que podem intervir de alguma maneira na educação de uma criança deveriam olhar para ela com grandes expectativas, porque ela é única, singular, e o desdobrar da sua personalidade ao longo do tempo compõe um quebra cabeça absolutamente original de fortalezas e fraquezas, de luzes e sombras, mas de qualquer forma muito belo. Não queria estar na pele, quando tiverem que ser julgados, daqueles que contribuem, com seu mau exemplo e suas más palavras, para desfazer o quebra cabeça de um único jovem. Para os que sinceramente procuram ser educadores, vale a pena dar a vida para assistir ao espetáculo da formação de uma só pessoa, dos inícios à maturidade. 

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