Marcelo Viana
Um amigo chamou minha atenção para artigo recente no “The New York Times” sobre ansiedade matemática. Eu não conhecia o conceito, mas me parece bastante respeitável. Seu estudo remonta aos anos 1970 e continua muito ativo, envolvendo pessoas e instituições sérias. No mínimo, conduz a algumas conclusões saudáveis, que é bom conhecermos.
Estou habituado a que as pessoas reajam com muita apreensão à simples menção da palavra “matemática”. O mais recente foi um taxista simpático, ex-professor de português, que, ao descobrir o que eu faço, apressou-se a dizer “eu nunca tive cabeça para números”. Será que alguém diz “eu nunca tive cabeça para leitura”?!
A apreensão que muita gente demonstra em relação à matemática pode bloquear o raciocínio, impedindo de realizar todo o seu potencial. E é diferente de um simples nervosismo: observações já detectaram acelerações do ritmo cardíaco durante provas de matemática que não existem para outras matérias.
Os psicólogos criaram um procedimento padrão para determinar o índice de ansiedade matemática, a partir das respostas a uma lista de perguntas. O resultado é um número inteiro de 9 (nenhuma ansiedade) a 45 (nossa!!!). Se quiser, pode medir o seu: não demora nem um minuto e deve ser mais útil do que a maioria dos questionários de autoconhecimento que encontramos na internet.
Em estudo recente, psicólogos da Universidade de Chicago e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) analisaram os dados da prova 2012 do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que avalia o desempenho de estudantes de 15 anos de mais de 60 países, inclusive o Brasil. Constataram que as notas estão fortemente relacionadas com os respectivos índices de ansiedade matemática. Numa ponta do gráfico estão países como a Holanda, Finlândia e Dinamarca, com os menores índices de ansiedade, e ótimas notas. Na outra ponta, Tailândia, Argentina e Brasil, com os maiores índices de ansiedade, e notas ruins.
É verdade que os alunos dos países asiáticos, campeões em desempenho, apresentam índices de ansiedade relativamente altos, talvez por razões culturais. Mas também dentro desse grupo vale a regra de que quanto maior a ansiedade matemática, pior a nota. Aliás, o efeito nocivo da ansiedade matemática é ainda mais significativo entre os melhores alunos. E o estudo também detecta outro impacto negativo, na direção contrária: baixo desempenho na disciplina também gera mais ansiedade matemática.
Não é fácil dizer o que está na origem desse círculo vicioso. Uma parte do problema é que muita gente acredita que não tem “cabeça para números” e não há nada que possa ser feito. E a ideia generalizada, e estapafúrdia, de que “a matemática é para gênios” só agrava o problema. A par de questões culturais como esta, que afetam todos os grupos humanos em praticamente todos os países, existem fatores de natureza mais específica.
Um deles é a experiência escolar, evidentemente. Quase todas as pessoas entrevistadas com altos índices de ansiedade remontam o seu problema a experiências penosas e métodos didáticos obsoletos na sala de aula. E diversos estudos indicam que, frequentemente, professores da disciplina transmitem sua própria ansiedade matemática aos alunos.
Ao que parece, o efeito é ainda mais perverso entre as alunas. As mulheres apresentam índices mais elevados de ansiedade matemática do que os homens, em média. E há razões para crer que ao menos parte disso seja o efeito de professoras que, sofrendo elas mesmas de ansiedade, contribuem para perpetuar o mito de que meninas têm menos “cabeça para os números”.
Nos Estados Unidos, onde existem escolas unissexo, há relatos de que o problema seria menor em estabelecimentos exclusivamente femininos: na ausência de competição com os rapazes, as meninas teriam menos ansiedade matemática e melhor desempenho. Mas essa interpretação é controversa, porque existem outros fatores: por exemplo, essas alunas tendem a desfrutar de condições socioeconômicas acima da média.
Outro fator crucial é ambiente familiar. O potencial da família costuma ser muito subestimado, especialmente no que tange à matemática: acredito que sejam muito mais os pais que leem para seus filhos, e incentivam a leitura, do que aqueles que tiram proveito de situações do cotidiano para introduzir conceitos básicos da matemática, tais como forma, ordem ou probabilidade.
A influência familiar pode ser negativa: estudos também mostram que a ansiedade matemática pode ser transmitida de pais para filhos, por exemplo, quando progenitores devotados, mas estressados, se esforçam demais para ajudar as crianças na lição de casa. No entanto é um fato bem estabelecido que a matemática aprendida em casa nos primeiros anos de vida tem um efeito muito salutar na trajetória escolar da criança.
O segredo é não permitir que a sua própria ansiedade contamine a interação matemática com a criança, fazer com que a interação ocorra naturalmente e de forma lúdica. Inclusive, hoje em dia existe muito material –livros, jogos e até aplicativos– que ajudam os pais nessa tarefa.
Então, que tal começar a alternar Chapeuzinho Vermelho com um pouco de “matemática para acalmar e ter sonhos felizes”?
Marcelo Viana é Matemático e diretor-geral do Impa, é ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.