Dayse Bezerra
18/02/2009
Imagine. Você acabou de receber o resultado de uma bateria de exames atentando que sua saúde está excelente. Tranqüilo, você começa a ler uma reportagem no jornal sem imaginar que ela pode mudar a sua vida. A matéria informa que você é portador de uma doença contagiosa. A partir daí, seu telefone começa a tocar sem parar. Todos querem saber a verdade sobre a notícia. Então, descobre-se que tudo não passou de uma notícia falsa publicada pela imprensa.
A “notícia falsa” já prejudicou milhares de pessoas, fossem elas famosas ou não. Algumas notícias contagiaram com doenças e até mataram pessoas, quando a verdade era outra. Vítimas famosas do “falso” HIV foram os cantores Ney Matogrosso, Caetano Veloso e Milton Nascimento, além das atrizes Glória Perez, Paula Burlamaqui, Cláudia Raia e Maria Zilda. Após a polêmica na mídia, eles ganharam ações contra os veículos que cometera o grave erro de informação.
Existem muitos casos de pessoas comuns que viveram dramas semelhantes e foram vítimas dos pecados cometidos pela imprensa. Não apenas “pecadinhos” tais como erros ortográficos, mas condutas antiéticas que mudaram o percurso de vidas. Há ainda o caso em que a imprensa manipulou informações para colocar em evidência alguns anônimos. Em outros casos os pecados são tão grandes que se tornaram clássicos na história da imprensa. Muitos continuam em pauta, sendo resgatados do passado freqüentemente.
Passado ainda presente
Um exemplo de alguém que teve seu passado remoto recuperado pela mídia: Ibrahim Abickel, deputado federal. No passado, Abi-Ackel foi ministro da Justiça do governo Figueiredo. A imprensa, principalmente a Rede Globo, explorou sua imagem como corrupto após ele ser acusado de contrabando de pedras preciosas para o exterior. O deputado sumiu do mapa, mesmo sendo julgado inocente, após as investigações.
Abi-Ackel ressurgiu quando, reconduzido a Câmara Federal, foi escolhido como relator da CPI do mensalão. Pois, justo no caso em que desempenha o papel de investigador, se vê envolvido em um novo escândalo. Desta vez, o envolvido foi seu filho. Ele é suspeito de ser um dos sacadores de R$ 150 mil das contas do publicitário Marcos Valério. O deputado sustenta não haver conexão com o caso mensalão e argumenta que, para a imprensa, seu passado e o presente parecem estar bem ligados.
O pecado clássico
A imprensa noticiou, em março de 1994, um suposto escândalo em que professores foram acusados de manter relações sexuais com alunos da Escola Base, SP. O caso surgiu com o boato de um delegado que investigou a denúncia e acabou soando como verdade. A publicidade em torno do caso provocou sérios danos morais para os donos da escola.
Resultado: a escola foi fechada. O delegado do caso indiciou o casal sob a acusação de atentado violento ao pudor e formação de quadrilha. Mesmo sem a comprovação das denúncias, a imprensa agiu com sensacionalismo. Tempos depois, os envolvidos foram inocentados, mas com suas vidas profissionais, matérias e psicológicas destruídas pelo escândalo inventado.
Confissão tardia
Um ano após a aprovação do impeachment de Collor, em 1992, alguns parlamentares foram cassados por corrupção – durante a CPI do Orçamento. Neste contexto político, o ex-presidente da Câmara Federal, Ibsen Pinheiro, também foi acusado de envolvimento com a máfia dos “anões do orçamento”. Na época, o jornalista Luís Costa Pinto, da revistaVeja , publicou em reportagem de capa a informação de que a CPI descobrira a movimentação de um milhão de dólares nas contas de Pinheiro.
Passada uma década, o próprio autor da matéria confessou seu erro. O valor correto seria mil dólares. Como a edição já estava fechada, para sustentar a versão antiga, o editor-executivo, Paulo Moreira Leite, mandou encontrar alguém que sustentasse este valor alterado. O deputado Benito Gama, membro da CPI e ex-presidente da CPI/Collor, deu apoio à cifra equivocada mesmo sabendo do erro.
Ele declarou: “É fundamental não errarmos nas contas de Ibsen. E não erramos”. A mentira sustentada pela imprensa teve grande repercussão, mas caiu por terra com a confissão. Os interesses políticos da época prevaleceram.
Guerra perdida
Alceni Guerra foi deputado federal e ministro da Saúde durante o governo Collor. Teve sua vida marcada pelo “escândalo das bicicletas”. O motivo: teria comprado 500 bicicletas e muitos guarda-chuvas que seriam distribuídas aos agentes de saúde em campanha contra a dengue no nordeste. Foi o suficiente para ser acusado de superfaturamento na compra das bicicletas. Reportagens e charges serviram para ridicularizá-lo e forçando-o para que pedisse demissão.
Dias depois, o procurador-geral da República, Aristides Junqueira, refez as investigações e informou ao ministro que nada foi encontrado que caracterizasse corrupção. Guerra foi inocentado e voltou para a política, mas não conseguiu se recuperar dos danos morais causados pelas notícias falsas. Segundo a Revista Imprensa , este caso totalizou 104 horas de televisão e 10 mil metros quadrados – equivalentes a um hectare – de matérias na imprensa escrita.
O Correio errou
No dia 3 de julho de 2000, o renomado jornal Correio Braziliense errou. Mas, fez desse limão, uma limonada. Assim, entrou para a história ao publicar o pedido de desculpas aos seus leitores no dia 4 de julho. Um repórter do jornal recebeu informações de uma única fonte, segundo a qual o ex-secretário da Presidência da República, Eduardo Jorge, mantinha um esquema de corrupção junto ao Banco do Brasil. O esquema envolvia uma suposta prestação de serviços, no valor de 140 milhões de reais. No dia seguinte, o jornal publicou em primeira página uma retratação com o título de “O Correio errou”.
O assunto rendeu para o jornal. Na sessão Carta ao Leitor, o pedido de desculpas veio assinado pelo ex-editor de redação, Ricardo Noblat. O jornalista citou os três artigos do Código de Ética que haviam sido violados pelo falso furo do jornal. A retratação pública confirmou que “salvo o nome do Banco do Brasil, grafado corretamente, tudo o mais na reportagem estava errado”.
O autor da matéria também teve seu espaço para explicações e admitiu: “Errei por ter confiado em uma única fonte, sem qualquer documento que garantisse a veracidade do que ouvi. Errei por ter me apressado a publicar o que ainda não tinha como comprovar. Por fim, errei ao levar o jornal a cometer erro tão grave. Peço desculpas aos leitores e a todos que involuntariamente prejudiquei”.
Fábricas de mentiras
Os deslizes éticos da imprensa também ganharam espaço em jornais internacionais. O famoso caso do jornalista americano Jayson Blair não poupou a criatividade em escrever matérias mentirosas enquanto repórter do jornal New York Times. A fábrica de mentiras de Blair caiu por terra após dois anos de matérias publicadas no maior jornal do mundo.
O repórter foi punido pelas invenções, que levou consigo também a queda do editor executivo Howell Raines e seu segundo, Gerald Boyd, por não averiguarem a farsa do repórter que enganou com artimanha a própria redação do jornal. O caso transbordou da esfera interna e mereceu destaque nos principais jornais do mundo, exemplo no Brasil, pelo Estado de S.Paulo .
Outro caso semelhante às invenções de matérias jornalísticas aconteceu com o jornal The New York Republic . O jovem repórter Stephe Glass conseguiu se destacar criando e copiando histórias como originais. A farsa parecia tão perfeita que ganhou elogios entre os leitores e amigos da própria redação de trabalho. Mas com a mudança de editor na redação as mentiras de Glass encurtaram a sua perna, após a investigação de algumas matérias – inclusive de capas – já “supostamente” investigadas pelo autor. O caso virou manchete na mídia e se tornou roteiro de filme, “O preço de uma verdade”.
De acordo com a análise do jornalista Alberto Dines, em o Observatório da Imprensa , o compromisso com a qualidade jornalística está baseado em dois tipos de investigação: um para apurar o que será publicado, outro para apurar o que foi publicado.
Investigando a investigação
Mas nem sempre a imprensa tem cumprido os papéis éticos da boa investigação dos fatos. Na França, o caso Dreyfus é repercutido até hoje como um caso jornalístico mundial de erro da imprensa. Trata-se de um oficial do exército francês, Alfred Dreyfus (1859-1935), numa acusação de espionagem em favor da Alemanha, ao encontrar documentos com a sua caligrafia falsificada junto ao adido militar alemão em Paris.
Na época, a imprensa francesa contribuiu no julgamento sumário de Dreyfus, que poderia ter evitado a tremenda injustiça contra um inocente condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo.
Em 1898, encontraram evidências da falsa investigação contra Dreyfus e o verdadeiro culpado, o major francês Esterhazy, espia alemão . Mesmo após a descoberta da farsa, o segundo julgamento manteve o resultado do primeiro, provocando a indignação do escritor Émile Zola (1840-1902) que escreveu o artigo J’Accuse para denunciar a farsa.
Por oito anos o escândalo rendeu notícia para os jornais da França, que aproveitou o fato para fazer sensacionalismo. Isto resultou a divisão da opinião pública entre a esquerda progressista e a direita conservadora. Finalmente em 1906, o capitão foi totalmente inocentado.
Segundo o escritor, Gabriel Garcia Márquez, na revista Caros Amigos “a ética deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro”. Para o professor de Ética Jornalística da Fundação Cásper Líbero, Carlos Alberto Di Fanco, existe os diferenciais dentro da imprensa: “A imprensa ética sabe reconhecer os seus erros”.
O Código de Ética jornalística (Art.1 e 2) apresenta os direitos e deveres dos meios de comunicação perante a sociedade, tais como divulgar a informação dos fatos de forma precisa, correta e imparcial. Porém, caso a imprensa divulgue ou publique informação errada, o cidadão tem o direito de defesa com base na Lei da Imprensa (cap.V art.24-27). O texto determina o direito de resposta nos mesmos veículos envolvidos e o pagamento de indenização por danos morais e físicos.
Artigo publicado em 18-02-09 no site Canal da Imprensa