O RISCO DO AUTOENGANO: FUGIR DA REALIDADE

 Alfonso Aguiló

 

A verdade, e em especial a verdade moral, não deve ser entendida como uma limitação arbitrária à atuação livre das pessoas, mas, pelo contrário, como uma luz libertadora que permite dar uma boa orientação às próprias decisões.

 

Contam os biógrafos de Adolf Hitler que, até seu suicídio na Chancelaria de Berlim em 30 de abril de 1945, o ditador foi sofrendo um paulatino processo de fuga da realidade, uma necessidade constante de auto-enganar-se e de receber notícias favoráveis. Foi sobretudo a partir da entrada dos Estados Unidos na guerra que Hitler foi entrando cada vez mais em um mundo de ficção criado por ele mesmo.

Sem dúvida ele tinha uma tremenda inteligência, mas preferiu enganar-se, e seu engano o levou a fugir da realidade de uma maneira surpreendente. De fato, em meados daquele mês de abril de 45, quando os tanques do marechal soviético Zhukov já estavam a poucos metros da porta de Brandenburgo, Hitler repetia aos gritos, ante seu Estado Maior, dentro de seu refúgio subterrâneo, que os russos sofreriam uma sangrenta derrota ante as portas de Berlin.

Historiadores como Hugh Trevor-Roper e Ian Kershaw analisam com detalhe como foi o processo para que Hitler, envenenado por seus triunfos, acabasse por abandonar todo traço de diplomacia e inteligência. Não parece razoável supor que o trabalho da propaganda nazi tenha modificado de tal modo as informações dadas a Hitler que chegassem a faze-lo acreditar que suas derrotas eram vitórias. Mas o fato incontrovertido é que, cinco dias antes de sua morte, rodeado de mapas operativos cada vez mais irreais, enumerava com grande segurança a seus generais as certezas inverossímeis que lhe faziam acreditar que teria uma vitória final.

A leitura desses testemunhos históricos (…) nos dá um exemplo assombroso e extremo do modo que um homem pode chegar a encerrar-se em um mundo próprio, até transladar-se completamente ao reino do imaginário. Aquele triste e trágico episódio da história do século XX nasceu marcado por um autoengano de negar a existência de princípios morais superiores que limitaram o poder e a perseguição de seus objetivos imorais, e pode servir para nos determos por um instante e refletirmos sobre o grande perigo do autoengano que, em outra escala, nos persegue nas pequenas coisas dos eventos comuns de cada dia.

O homem, ao ser batido pela adversidade, com frequência é tentado a fugir. Contudo, qualquer vida será dificilmente governável se não houver um constante esforço de se estar conectado à realidade, se não se permanecer em guarda contra a mentira, ou frente à sedução da fantasia quando esta se apresenta como um narcótico para nos afastar da realidade que nos custa aceitar.

A tentação do irreal é constante, e constante deve ser a luta contra ela. Caso contrário, na hora de decidir o que fazer, não enfrentaremos com valentia a realidade das coisas para calibrar sua verdadeira conveniência, pelo contrário, cairemos em algum tipo de escapismo, de fuga da realidade ou de nós mesmos. O escapista busca vias de escape diante dos problemas. Não os resolve, foge. No fundo, teme a realidade. E se o problema não desaparece, será ele quem desaparecerá.

O autoengano pode se apresentar de formas muito variadas. Há pessoas, por exemplo, que caem nele porque necessitam contínuas manifestações de elogio e aprovação. Sua sensibilidade à lisonja, ao contínuo “você está certo”, sem que esteja, faz surgir em torno dele servilismos capazes de idiotizar a qualquer um. São pessoas difíceis de serem desenganadas, pois exigem que lhes sigam na corrente, que mintam com elas, e acabam por enredar aos outros em suas próprias mentiras. São presas fáceis de aduladores, que lidam com eles à vontade,  e embora às vezes percebam que é uma farsa, geralmente não é o suficiente para que saiam dela.

A verdade, e em especial a verdade moral, não deve acolher-se como uma limitação arbitrária ao agir livre das pessoas, mas, pelo contrário, como uma luz libertadora que permite dar uma boa orientação às próprias decisões. Acolher a verdade leva o homem a seu desenvolvimento mais pleno.

 Fonte: www.Almudi.org. 25 de abril

 

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