Paulo Sertek Msc.
02/04/2009
1. Qual seria uma visão plena do homem que poderia nortear as nossa idéias sobre política?
O personalismo constitue uma visão plena do homem, tem em conta a sua dimensão única – individualidade- e sua dimensão pessoal e social. Sublinha a dignidade do homem como pessoa e não deixa arestas da sua dimensão de ser fora dela. O personalismo caracteriza-se por uma chamada à autorealização, abraçando livremente os valores transcendentes e duradouros. Concede especial importância à liberdade pessoal: a própria e a dos demais, e por conseguinte tem uma consciência muito viva da responsabilidade pessoal (…) insiste de modo particular nos deveres com o próximo e considera seu cumprimento como um meio de desenvolvimento pessoal e de autorealização.
O motivo para adotar um padrão diferente está em que a realização plena do homem passa pelo “outro”. A pessoa cresce e se enriquece relacionando-se com os demais de modo aberto e generosamente receptivo: a alternativa é o isolamento social e a alienação humana. Entende-se então como o personalismo não só é compatível com a comunidade, mas que constitui a condição de qualquer comunidade sã e dinâmica. Uma comunidade não fundada sobre o respeito da dignidade da pessoa acaba por converter-se em uma massa sem alma, em um campo de concentração ou em um Estado totalitário.
2. Como se mede a dignidade da pessoa humana?
Não se mede a dignidade de uma pessoa pelo critério do ter mas do ser. O respeito não deve pautar-se pela dimensão visual do “fazer” (dimensão externa da ação) da pessoa mas sobretudo do seu “agir” (dimensão interna da ação). Daí a importância de não classificar as pessoas pelos tipos de trabalho, pois qualquer trabalho honesto por minúsculo que seja é engrandecido pelas atitudes internas: dimensão do agir. Portanto, o fruto do trabalho não pode ser o único critério de decisão, mas tem que dar prioridade à pessoa. Assim como o capital deve estar a serviço do trabalho.
O trabalho não pode ser um item de consumo, mercadoria, instrumento utilitarista. Tem que estar voltado para o bem da pessoa. As pessoas não podem se transformar em massa de manobra, ou postas no embrulho dos interesses egoístas.
3. Qual seria uma atitude fundamental para o exercício da cidadania?
Apontamos para um enfoque nos deveres para com os outros, o seu exercício habitual exige respeito pelo outro. Respeito supõe consideração. As nossas decisões devem pautar por uma consideração ao outro e ao bem do outro: dar-lhe o devido sem fazer acepção de pessoas.
4. O que é a ética?
A palavra ética tem sua origem na palavra grega “éthos” que significa costume ou comportamento consciente do homem. Não é um mero elemento de fora que se incorpora ao comportamento humano, mas sim uma conduta escolhida de acordo com uma razão equilibrada. Quando o homem determina-se a si mesmo, guiado por seu espírito interior, a agir bem, está atualizando seu éthos. A ética é a ciência do éthos, da conduta humana ordenada. Ela ajuda o homem a refletir sobre o seu próprio atuar e determinar quais são os modos de agir que aperfeiçoam a personalidade humana e a convivência social. Dirige-se ao ser do homem e o leva a sua máxima perfeição. Ao contrário as condutas de não-valor, trazem como conseqüência a caotização da vida pessoal e do entorno social. Já vemos que a ética visa a realização da pessoa. Não uma realização segundo um ou outro aspecto particular, como seria a realização profissional, financeira, afetiva, etc., mas a realização do homem enquanto homem. Podemos nos sentir realizados depois de verificar o saldo no banco, no entanto este aspecto não significa que estejamos plenamente realizados.
5. Em que princípios apoia-se a ética?
O homem é um ser dotado de inteligência e vontade livre. É capaz de escolher livremente as ações que contribuem para a sua realização. Desta forma torna-se responsável pela sua própria edificação. A ética fundamenta-se em dois princípios básicos : “Faz o bem e evita o mal”, “Não queiras para os outros o que não queres para ti”. Sob a luz destes dois princípios decorrem todos os valores morais. Um dos trabalhos primordiais é o de pautar as próprias decisões de acordo com eles. As escolhas livres, “aqui e agora”, estando ou não em conformidade com os princípios podem contribuir para melhorar ou corromper a personalidade. A razão serve de guia para as diferentes escolhas. Quando os princípios morais estão bem arraigados constroem-se convicções. As ações fruto destas convicções vão forjando hábitos éticos na vontade.
6. Bastariam os bons desejos para promover os hábitos bons na sociedade?
Não são suficientes os princípios e convicções para atuar, é preciso querer pô-los em prática. Corresponde à vontade, a determinação das escolhas concretas que fazemos. Cada um de nós experimenta, mesmo sujeitos a condicionalismos, tomar decisões livres. Somente com a participação da inteligência e da vontade num ato determinado é que podemos falar de moralidade. É precisamente no campo ético que o homem atual está mais desguarnecido. Ele se volta para a realidade externa para conhecê-la melhor, transformá-la, no entanto avança pouco no conhecimento de si próprio e sobre a sua finalidade de vida. Com freqüência deixa o essencial para segundo plano. Como todas as ações provem do tipo de convicções que se tem, não se pode esperar que haja boa água num rio se a fonte estiver contaminada.
7. Alem da falta de determinação, que defeito você aponta para empreendermos mudanças?
Outro desvio ético da nossa sociedade, é o da falta de unidade no agir. Adotam-se posturas e critérios que variam de acordo com os ambientes e circunstâncias. Peter Nadas nos lembra essa falta de unidade: “Em casa, vestimos o chapéu do pai ou da mãe de família. No trabalho, o do empregado, o do executivo ou do patrão. No clube, o boné de atleta. Na igreja, somos piedosos fieis. No ônibus, no metrô, o passageiro sisudo; na rua, o pedestre indiferente ou o motorista nervoso. O mal está em que, junto com o chapéu, trocamos as nossas hierarquias de valores, conforme o ambiente em que estamos. Quando muito, adotamos atitudes éticas, não por profunda convicção do que é certo e do que é errado, mas pelo medo de sermos “flagrados” em alguma ilegalidade ou transgressão”1.
8. Mas afinal de contas o que acontece com a nossa sociedade?
A nossa sociedade enveredou pela linha da busca do progresso como solução para todos os problemas humanos. Neste sentido o escritor russo Alexander Soljenitsyn aponta os resultados: “Estamos progredindo! A humanidade instruída prontamente depositou sua fé nesse progresso. E, no entanto, ninguém indagou a fundo: Progresso sim, mas em quê? Presumiu-se com entusiasmo que o progresso abrangeria todos os aspectos da existência da humanidade em sua inteireza. ….. O tempo passou e ficou demonstrado que o progresso avança de fato, e surpreende superando expectativas, mas só o faz no campo da civilização tecnológica (com especial sucesso para o conforto do ser humano e nas inovações militares) (…) Tudo o que esquecemos foi a alma humana. Permitimos que as nossas necessidades aumentassem à solta, e agora não sabemos para onde dirigi-las. E, com a assistência obrigatória dos empreendimentos comerciais, necessidades cada vez mais novas são inventadas, e algumas são totalmente artificiais; e buscamo-las em massa, mas não encontraremos realização. E nunca encontraremos”2. A ética dirige-se para a realização mais profunda do homem. Fundamenta a conduta em princípios que tem em conta o bem do homem como um todo. O progresso material é um aspecto mas não atende o anseio de realização que brota em cada um. Aristóteles afirmava com claridade meridiana: “Nenhum bem finito as riquezas, o prazer, as honras, a saúde e fortaleza corporal- pode ser objeto da felicidade humana, porque são incapazes de saciar as tendências principais e mais próprias do homem”3.
Todo homem está submetido a uma tensão entre; o que é e o que deve ser. É exatamente nesse processo de autorealização que se insere a ética. Há princípios que regem a realização da pessoa como um todo; o da veracidade, imparcialidade, lealdade, solidariedade, etc. Procurando que as ações estejam em conformidade com estes princípios, levam a uma estruturação harmônica da personalidade. Em uma determinada sociedade, instituição, etc., a sua grandeza será medida pela somatória dos valores das atitudes dos seus integrantes.
9. O que dizer dos comportamentos massificados?
Com muita freqüência os cursos de ética acabam degenerando para a “ética da mediocridade”, a ética segundo os moldes da média, do que todo mundo faz. Alguns se restringem no até onde posso ir para não ser preso. A verdadeira postura ética é a busca da excelência. É uma visão magnânima, não fica nos cálculos egoístas. A prática ética leva em conta dois movimentos, aqui analisados separadamente, mas que na realidade andam juntos como as duas faces de uma moeda. Um primeiro movimento é de dentro do homem para fora e o outro de fora para dentro. Uma ação valiosa provem de uma pessoa de valor. Do menos não sai o mais, não se tira dez de meia dúzia. De uma árvore má não se colhem bons frutos. Daí a realidade de que se conhece o que somos pelo que fazemos. Diz um pensador que uma pintura fraca é de um pintor fraco. Por outro lado o segundo movimento é o da correção o da busca árdua da ação de qualidade. A ação de valor aperfeiçoa a pessoa . É o cultivo das virtudes. Ações que visam a perfeição no “fazer”, mas desvinculadas de qualidade no “agir” podem render no curto prazo, no imediato, mas a médio e longo prazo desestruturam e caotizam. Cada homem se aperfeiçoa com os bons hábitos. Estes adquirem-se à base de repetição constante de atos valiosos.
O enfoque que temos que dar é o da ética das virtudes. Uma ética que parte positivamente para o empreendimento valioso e não para a retranca da mediocridade. Vem sob medida um conselho para potenciar o crescimento das virtudes: “Uma ética para empresários, diretores, em resumo, não consiste em um conjunto de regras para saber quando uma decisão é contrária a ética ou quando não é. Consiste, essencialmente, em um conjunto de conhecimentos que ajudem os dirigentes a descobrirem as oportunidades que lhes brinda sua profissão para que cheguem a ser melhores pessoas, isto é, para que desenvolvam suas virtudes morais”4.
10. O que significa virtude?
Qualidade no agir significa virtude. A palavra virtude, muito esquecida nos dias de hoje, é o bom hábito. Por outro lado o vício é o mau hábito. As virtudes se adquirem à base de repetição de atos. No início podem ser custosos, mas à medida que se praticam, criam uma facilidade no agir. Virtude vem da raiz latina “vir” que significa força. Onde reside esta força? Na vontade. A vontade vai se enrijecendo e aumentando a sua capacidade de definir-se pelos valores. Os filósofos dizem que se ganha uma “segunda natureza”, porque a “primeira natureza”, a bruta pende pelo caminho da facilidade, da lei do mínimo esforço. Comprova esta idéia o que vemos na nossa sociedade de consumo apontada por Isaac Riera: “Os filhos desta sociedade do bem-estar temos a alma muito débil e frágil, porque não estamos acostumados a suportar carências nem tampouco a vencer-nos. A vontade exercita-se e desenvolve-se quando há que se exigir muito a si mesmo diante das dificuldades e durezas da vida, mas fica atrofiada quando tudo são comodidades. E aqui está o ponto central da questão: não se pode esperar muita altura moral de quem se rege pela lei do mínimo esforço, mas essa lei nos foi inculcada, em princípios e na prática, pela sociedade do bem-estar em que estamos instalados”5.
11. Que princípios básicos regulam a ordem social?
Os princípios básicos são os da solidariedade, subsidiariedade e participação.
12. O que é o princípio da solidariedade e como exercitá-la efetivamente?
A solidariedade estimula cada homem para que contribua efetivamente para o bem comum em todos os níveis.
“O homem não está destinado só a viver com os demais, mas sim também a viver para os demais”.
Deve haver um empenho de cada um para contribuir para o bem de todos e cada um dos homens. Afastar as justificativas para colocar-se a margem deste dever.
A solidariedade nos ajuda a ver o “outro”, não como um instrumento qualquer para explorar a pouco custo sua capacidade de trabalho e resistência física, abandonando-o quando já não serve.
A solidariedade se manifesta por meio de obras concretas de serviço aos outros.
Cada um de acordo com as suas possibilidades, materiais, intelectuais, etc, pode fazer render os talentos pessoais em serviço dos outros. Sair da carapaça de egoísmo e contribuir para resolver os problemas do entorno em que se vive. Começar a mudança por si próprio, fundamentada na própria luta pessoal. Depois ser a onda que se expande no lago, influenciando positivamente os outros. Não se limita à ajuda em coisas materiais, ajudar a que as pessoas tenham acesso aos bens da cultura e a formação espiritual.
O mesmo modelo de relação entre os homens deve ser aplicado entre instituições e Estados. Contribuir para o desenvolvimento solidário da comunidade.
13. O que é o princípio da subsidiariedade e como exercitá-la efetivamente?
A prática do princípio da subsidiariedade garante que nem o Estado nem sociedade alguma deverão jamais substituir a iniciativa e a responsabilidade das pessoas e dos grupos intermediários nos níveis em que estes podem atuar, nem destruir o espaço necessário para a sua liberdade”.
Fundamento da subsidariedade se encontra na “centralidade do homem na sociedade”. Cada pessoa humana tem o direito e o dever de ser o “autor de seu próprio desenvolvimento” .
A subsidiariedade leva a que: “Uma estrutura social de ordem superior não deve interferir na vida interna de um grupo social de ordem inferior, privando-o de suas competências, mas sobretudo deve sustentá-lo em caso de necessidade e ajuda-lo a coordenar sua ação com a dos demais componentes sociais, com vista ao bem comum” .
São arbitrárias e injustas as limitações à liberdade das consciências ou as legítimas iniciativas de cada um.
14. O que é o princípio da participação e como exercitá-lo efetivamente?
O bem comum resulta da intervenção ativa de todos os cidadãos. Deve haver uma participação, com empenho de cada um dos membros da sociedade.
Ampara o direito dos indivíduos e das sociedades intermediárias frente os possíveis abusos de poder por parte do Estado. Impulsiona a que todos se preocupem pelo bem comum.
Garante a liberdade de constituir associações honradas que contribuam para com o bem comum.
“A manutenção do povo à margem da vida cultural, social e política, constitui em muitas nações uma das injustiças mais clamorosas de nosso tempo” .
15. O que fazer para ter qualidade de empreendimento visando o bem comum?
As pessoas empreendedoras nos atraem, que seria de nós se a nossa volta as pessoas que trabalhassem e convivessem conosco fossem passivas, não tomassem iniciativas. Nos atraem sobretudo as pessoas proativas, mas que sabem atuar não simplesmente buscando seus próprios interesses. O que mais faz desprender da potencialidade humana a riqueza da ação é o amor. Desprende da alma forças criadoras a partir do desejo das coisas boas, dos objetivos de qualidade. Contrariamente ao que alguns pensam o desejo do bem é mais forte que as que provem do egoísmo. A qualidade de empreendimento dirigido ao bem começa com firmeza e com o tempo vai solidificando-se mais. As motivações fundadas na busca de si próprio acabam naufragando na perda de sentido, na experimentação da angústia e da tristeza. A tristeza é o estado de ânimo mais desfavorável para qualquer empreendimento.
Verifica-se essa qualidade sobretudo diante das dificuldades, pois trata-se de crescer diante delas e não desistir. “As contrariedades representam muitas vezes o álibi que nos aquieta a consciência. Pensamos: quando concebi aquele ideal, quando formulei aquele propósito, eram outras circunstâncias; agora, na situação em que me encontro, já não tenho condições de levá-lo a cabo”6.
16. Qual a influência do desenvolvimento do caráter pessoal nas atividades políticas?
O trabalho seja ele qual for, é o âmbito onde dá-se parte importante da realização da pessoa. Todo trabalho corresponde a uma perfeição no “fazer”, aperfeiçoa algo externo ao homem. Ao mesmo tempo, corresponderá a um aperfeiçoamento daquele que o realiza (qualidade no agir). Há uma mútua interação entre qualidade do caráter e qualidade do trabalho realizado. Em todos os níveis da instituição haverá um benefício direto, fruto deste processo de melhoria da personalidade. São potenciadas as relações do tipo Servir/Servir, cada vez mais reforça-se o sentido de comprometimento com os objetivos de interesse comum e sobretudo cria-se um ciclo sinérgico positivo.Convêm salientar que o processo de melhoria do caráter é algo que deve brotar do convencimento de cada pessoa da sua eficácia e sobretudo do valor que encerra em si mesmo. As pessoas não adquirem virtudes por decreto. O melhor modo de estimular as pessoas a percorrerem este caminho – talvez o único- é o bom exemplo. Qualquer sistema educativo estará comprometidosem o influxo do exemplo que deve vir de cima. Nada mais deletério para o ambiente institucional quando as virtudes estão mais nas palavras dos seus dirigentes do que nas suas ações.
17. Qual deve ser o papel do político com relação à educação?
O homem de estado -como o pedagogo- deve ter uma ciência profunda da alma humana7. Um, a necessita para legislar o outro para educar. O primeiro opera sobre o cidadão desenvolvido; o segundo sobre o cidadão imperfeito. O educador será homem de Estado porque trabalha tendo em vista as instituições políticas, e o homem de estado será pedagogo porque a educação deve fortificar as instituições políticas.
Deste modo, a pedagogia como a política tem um mesmo fim: a felicidade da cidade; e tem o mesmo ponto de apoio: a psicologia humana; em fim prestam uma mútua assistência.
Fazer do homem um homem bom, supõe então uma adequada articulação entre Ética e Política. Entendemos então a educação como uma atividade eminentemente ética e portanto orientada a revestir um caráter individual mas com uma vertente política essencial.
1 Artigos-Nadas, Peter
2 Soljenitsyn, Alexander – Ensaio pub. O Estado de São Paulo, 22/05/94
3 Ética a Nicomaco
4 Pérez Lopez, Juan A.-ACEPRENSA-Serv. 165/91- 11/12/91
5 Riera, Isaac. ACEPRENSA-Serv. 56/93- 28/04/93
6 Cifuentes, R.; Fortaleza- Quadrante-SP
7 Ética a Nicomaco, I, 13, 1102 a 18.