TOTALITARISMO E INTOLERÂNCIA

  Carlos Alberto Di Franco

 01/06/2009


Dois episódios recentes, em Brasília e em São Paulo, desnudam a visão totalitária e a intolerância ideológica que dominam estratégias de longo alcance na formação das novas gerações.

Comecemos por Brasília. O governo quer que seja incluída nos livros didáticos a temática de famílias compostas por lésbicas, gays, travestis e transexuais. Ainda na área da educação, recomenda cursos de capacitação para evitar a homofobia nas escolas e pesquisas sobre comportamento de professores e alunos em relação ao tema. Essas são algumas das medidas que integram o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), documento firmado por representantes de 18 Ministérios do governo Lula.

O texto traz 50 propostas que deverão transformar-se em política de governo até 2011. São medidas em diversas áreas. Na saúde, o grupo prevê acesso universal a técnicas de reprodução assistida a LGBT em idade fértil e recomenda o fim da restrição imposta a essa população para doação de sangue.

“É um marco na busca da garantia dos direitos e cidadania”, afirmou o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, durante o lançamento do plano. Das propostas apresentadas, algumas estão em andamento. É o caso do reconhecimento da união civil de pessoas do mesmo sexo e da criminalização da homofobia. Projetos com essas propostas tramitam no Congresso. “Se elas não forem aprovadas neste governo, serão no futuro. É só questão de tempo”, avaliou Vanucchi.

Vamos, caro leitor, a São Paulo. A Secretaria Estadual da Educação distribuiu a escolas um livro com conteúdo sexual e palavrões, para ser usado como material de apoio por alunos da terceira série do ensino fundamental (faixa etária de 9 anos).

O livro (Dez na Área, um na Banheira e Ninguém no Gol) é recheado com expressões chulas, de baixo calão. São 11 histórias em quadrinhos, feitas por diferentes artistas, que abordam temas relacionados a futebol – algumas usam também a conotação sexual. Uma das histórias faz uma caricatura de um programa de mesa-redonda de futebol na TV. Enquanto o comentarista faz perguntas sobre sexo, jogadores e treinadores respondem com clichês de programas esportivos, como o “atleta tem de se adaptar a qualquer posição”.

O governo de São Paulo afirmou que houve “falha” na escolha, pois o material é “inadequado para alunos dessa idade”. Ótimo. Reconhecer o erro é importante. Mas, aparentemente, o governo entende que o conteúdo seria adequado para alunos de outra faixa etária. Lamentável! É assim que se pretende melhorar a qualidade de ensino? São Paulo, que foi capaz de produzir uma USP, assiste hoje à demissão do dever de educar. A pedagogia do palavrão e a metodologia da obscenidade estão ocupando o lugar da educação de qualidade. Espero, sinceramente, que o episódio seja pontual e que o governador José Serra, homem de sólida formação acadêmica, e seu secretário de Educação, o ex-ministro Paulo Renato, tomem providências definitivas.

Na verdade, amigo leitor, uma onda de intolerância avança sobre a sociedade. Discriminados assumem a bandeira da discriminação. O tema da sexualidade passou a gerar novos dogmas e novos tabus. E os governos, num espasmo de totalitarismo, querem impor à sociedade um modo único de pensar, de ver e de sentir.

Uma coisa é o combate à discriminação, urgente e necessário. Outra, totalmente diferente, é o proselitismo de uma opção de vida. Não cabe ao governo, com manuais, cartilhas e material didático, formatar a cabeça dos brasileiros. Tal estratégia, claramente delineada no discurso do secretário Paulo Vanucchi, tem nome: totalitarismo. O governo deve impedir os abusos da homofobia, mas não pode impor um modelo de família que não bate com as raízes culturais do Brasil e nem sequer está em sintonia com o sentir da imensa maioria da população.

Se tivessem aprovado o Conselho Federal de Jornalismo, uma frustrada tentativa de garrotear a liberdade de imprensa e de expressão, eu certamente não publicaria este artigo. Não conseguiram. Felizmente. Escrevo com absoluta liberdade. E outros que de mim discordem podem defender seus pontos de vista com a mesma liberdade.

A intolerância atual é uma nova “ideologia”, ou seja, uma cosmovisão – um conjunto global de ideias fechado em si mesmo -, que pretende ser a “única verdade”, racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, na educação, etc. Tal como as políticas nascidas das ideologias totalitárias, a atual intolerância execra – sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele – os pensamentos que divergem dos seus “dogmas” e não hesita em mobilizar a “inquisição” de certos setores para achincalhar – sem o menor respeito pelo diálogo – as ideias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo. Alegará que são interferências do pensamento conservador e liberal, quando um verdadeiro democrata deveria pensar apenas que são outros modos de pensar de outros cidadãos, que têm tantos direitos como eles.

Aborrece-me a intolerância dos “tolerantes”. Incomoda-me o dogmatismo das falanges autoritárias. Respeito a divergência e convivo com o contraditório. Sem problema. Mas não duvido que é na família, na família tradicional, mais do que em qualquer outro quadro de convivência, o “lugar” onde podem ser cultivados os valores, as virtudes e as competências que constituem o melhor fundamento da educação para a cidadania.

Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em
Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco-Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com)
E-mail: [email protected]

Tags , .Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Deixe um comentário