Uma socióloga francesa, Evelyne Sullerot, levantou polêmica com um livro em que defende que o pai é hoje o verdadeiro sexo fraco (Quels pères, quels fils?, Fayard. Paris. 1992). O livro lavra a ata de aparição de um novo matriarcado que confere todo o poder às mulheres nos casos (tão frequentes, agora) de conflito familiar. Deste modo, um número nunca imaginado de crianças e adolescentes cria-se sem a presença do pai; por causa disso, muitos pais vêem-se separados dos seus filhos sem que os tribunais lhes reconheçam o direito de paternidade.
“O que eu desejo é procurar compreender e explicar o ocaso dos pais, que se verifica na atualidade, ocaso esse que afeta por sua vez a sua condição civil e social, o seu papel biológico na geração, o seu papel na família, a sua imagem na sociedade, a ideia que eles próprios têm da paternidade, da sua dignidade, dos seus deveres, a percepção que têm da sua identidade como pais, o modo como sentem as suas relações com as mães dos seus filhos e com as mulheres, e a forma como imaginam o futuro da paternidade”.
O que surpreende perante esta declaração de intenções não é o querer tentar entender ou recuperar a figura paterna, mas ver de quem provém tal declaração. Evelyne Sullerot é uma ativa feminista francesa, socióloga, que centrou fundamentalmente o seu trabalho no campo da demografia familiar e de política social.
Com este livro, feriu susceptibilidades e melindrou muitas outras feministas. Ousadamente, dedica um estudo minucioso, fundamentado em trabalhos demográficos e sociológicos, à revalorização da figura do pai e à defesa dos seus direitos.
O reino das mães
Segundo a autora, é evidente que o homem vem sendo despojado da sua paternidade, pois agora é a mulher que tem o poder sobre a fecundidade. Devido aos anticonceptivos e à fecundação artificial, a mulher situou-se no centro absoluto da procriação. Passou de dominada neste campo a dominadora absoluta. “Passamos do reino dos pais ao reino das mães”. É ela quem decide ter ou não o filho e é ela quem manobra a relação entre pais e filhos.
O que um pai consegue no contato com o filho, dependerá da forma como se desenvolver a relação conjugal. É cada vez mais frequente ser a mulher a pedir o divórcio, confiante, para além disso, de que a lei lhe concederá a custódia dos filhos. É ela quem decide se os filhos continuarão ou não a manter o contato com o pai (“a paternidade, hoje, depende da mãe, da sua vontade, e das relações que ela mantenha com o pai”), ou se este será substituído por outro. Deste modo o papel do pai vai-se diluindo. Essa figura que para a criança supõe estabilidade e segurança desaparece.
Como princípio, as mulheres criaram uma intermutabilidade de leis entre pai e mãe, mas há funções e aspectos que a mulher não pode assumir. É verdade que em muitos casos o homem deixou a mulher sozinha na tarefa de educar os filhos: “A mãe converteu-se num progenitor completo, que desempenha todos os papéis; o pai é ainda um progenitor insuficiente”. Mas tal situação conduziu-nos a uma sociedade sem pais. Sullerot pretende chamar a atenção para este estado de coisas que nos conduzirá a uma grave deterioração da humanidade, se para tanto não soubermos arranjar uma solução.
Os dois são necessários
Por causa das separações, divórcios, mães solteiras, mudanças de par, etc., um número elevado de menores de 18 anos nunca conheceu o pai ou, simplesmente, não o voltou a ver. Na França, uma entre quatro crianças perderá o contato com o seu pai antes de completar 16 anos; na Noruega, é de um em cada três; em Portugal, um em cada seis. O pai é expulso da família, ou prefere apenas não voltar a ocupar esse lugar, ou é substituído por outro. O elo da cadeia que quebrou foi o pai.
Sullerot declara com orgulho tudo o que fez para defender os direitos da mulher, também no que se refere à obtenção da custódia dos filhos. Contudo, agora reconhece o grande erro cometido ao analisar a situação de milhões de crianças separadas dos pais.
A figura paterna é absolutamente necessária para configuração da personalidade. A questão não está em saber qual dos dois progenitores é o mais importante, mas em que ambos são igualmente necessários para o desenvolvimento psicológico e harmônico dos filhos.
O grande ausente
É notório que esse equilíbrio se tornou particularmente difícil ao longo da história. Nos primeiros capítulos, a autora faz uma rápida incursão no tempo sobre ambas as figuras. É conhecida a tradicional sujeição da mulher ao homem. Porém, ela acrescenta que “o grande fenômeno que prepara a hominização e que supomos culminar no Homo sapiens, não é a morte do pai, mas o nascimento do pai”. É assim que nasce a família: pelo reconhecimento e aceitação de funções, resultantes de serem progenitores de uma prole. A figura do pai era vista como o exemplo e a figura necessária para “entrar” na vida. Era o mestre, o guia…”.
Contudo, a partir do século XVIII, começa a mudar o papel do pai, pois “ao promover a liberdade de cada indivíduo, perde-se em unidade, em possibilidade de família, de grupo”. A própria organização das cidades, do trabalho, faz com que particularmente se vá perdendo esse contato com o pai, que se foi convertendo no grande ausente. É a mulher que em muitos lares se vê empurrada a assumir as funções que competem a ambos os progenitores.
Atualmente é impressionante o número de filhos que não veem o seu pai e por isso nunca terão oportunidade de ver e imitar um ideal, um estilo, uma forma de conduta paterna. Na segunda metade do sec. XX, “passou-se para o extremo oposto na consideração dos dois sexos e dos respectivos papéis na sociedade. Em 1970. ofuscados pela ideia de reformar as leis, unicamente em benefício dos filhos, os juristas e legisladores não se apercebem de que vão mudar por completo a óptica no que diz respeito aos sexos, o que, como em todas as generalizações, transporta uma parte de cegueira e, a longo prazo, de injustiça”. A balança volta a inclinar-se, ainda desta vez, para a parte contrária. Agora é bem evidente que “os pais não alcançaram novos direitos, antes assumiram voluntariamente, novos encargos”.
Construir sobre o amor
Uma criança precisa de conhecer os seus progenitores, precisa da presença real de ambos, que “não se mede em tempo de presença, mas em atenção, feita de carinho e amor”. A paternidade procede da vontade e do coração, afirma Sullerot, e a isto não se pode pôr condições. Em cada dia que passa, sabemos mais da paternidade biológica, mas cada vez menos da paternidade sócio-afetiva. Os homens devem voltar a interiorizar a sua total responsabilidade perante a paternidade, e a mulher deve dar-se conta de que jamais será o único progenitor do seu filho. Tanto os homens como as mulheres alegam que chegam a situações conflituosas para bem dos filhos, quando o que os filhos querem é um pai que nunca os abandone. E é justamente aqui que começa o primeiro fracasso do pai, onde começa a redução das oportunidades materiais e afetivas dos filhos.
A proposta de solução apresentada por Sullerot passa pela alteração das leis. Isto já por si é muito, mas é ainda é insuficiente. A raiz está na concepção do homem, nos valores que nele devem constituir um primado e, como consequência, na concepção da família e do casamento que daí derivam. Uma família que se edifica sobre o amor. e cujas relações assentam no amor. é que dá sentido às obrigações paterna e materna, ao seu carácter complementar e subsidiário.
MARTA CORBELLA, FOCO, num. 63
http://www.portaldafamilia.org/posts/o-eclipse-do-pai.php – 05.08.2020 – publicado originalmene em site Família na Aldeia.