A QUEDA DO LIBERALISMO… E AS DIREITAS DOS ANOS 20

TEXTOS SOBRE O TOTALITARISMO – 2

Eric Hobsbawm: Como mudar o mundo | Revista Fórum
Eric Hobsbawm

O colapso dos valores e instituições da civilização liberal

“De todos os fatos da Era da Catástrofe, os sobreviventes do século XIX ficaram talvez mais chocados com o colapso dos valores e instituições da civilização liberal cujo progresso seu século tivera como certo, pelo menos nas partes“avançadas” e “em avanço do mundo”. (…..)

Valores liberais

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Belle époque. Otimismo, confiança no progresso e nas instituições liberais. Tudo parecia estar indo bem…

            Esses valores eram a desconfiança da ditadura e do governo absoluto; o compromisso com um governo constitucional com ou sob governos e assembleias representativas livremente eleitos, que garantissem o domínio da lei; e um conjunto aceito de direitos e liberdades dos cidadãos, incluindo a liberdade de expressão, publicação e reunião.

Parlamentarismo, as avessas e atual. – blogdehistorialasalle2b

O Estado e a sociedade deviam ser informados pelos valores da razão, do debate público, da educação, da ciência e da capacidade de melhoria (embora não necessariamente de perfeição) da condição humana. Esses valores, parecia claro, tinham feito progresso durante todo o século, e estavam destinados a durar ainda mais. Afinal, em 1914 mesmo as duas últimas autocracias da Europa, a Rússia e a Turquia, tinham feito concessões na direção de um governo constitucional, e o Irã, chegara a tomar emprestada uma Constituição da Bélgica.

Quem até então criticara os valores liberais?

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A crítica da Igreja ao liberalismo, ao laicismo, aos ideais revolucionários da Revolução Francesa

Antes de 1914,esses valores só tinham sido contestados por forças tradicionalistas como a Igreja Católica Romana, que ergueu barricadas defensivas de dogmas contra as forças superiores da modernidade; por uns poucos rebeldes intelectuais e profetas do apocalipse, sobretudo de “boas famílias” e centros de cultura, de certo modo parte da civilização que contestavam, e pelas forças da democracia, no todo um fenômeno novo e perturbador (ver a Era dos Impérios). A ignorância e atraso das massas, seu compromisso com a derrubada da sociedade burguesa pela revolução social, e a irracionalidade humana latente tão facilmente explorada por demagogos, eram de fato motivo de alarme. Contudo, o mais perigoso desses novos movimentos de massa, o movimento trabalhista socialista, era na verdade, tanto em teoria como na prática, tão apaixonadamente comprometido com os valores da razão, ciência, progresso, educação e liberdade individual quanto qualquer outro. A medalha do Dia do Trabalho do Partido Social Democrata alemão mostrava Karl Marx de um lado e a Estátua da Liberdade do outro. O desafio deles era à  economia, não ao governo constitucional e à civilidade. (…)

O barbarismo da guerra de 14, aparentemente, apenas apressou o avanço das instituições liberais

De fato, as instituições da democracia liberal haviam avançado politicamente, e a erupção do barbarismo em 1914-18 aparentemente apenas apressou esse avanço. Com exceção da Rússia soviética, todos os regimes que emergiam da Primeira Guerra Mundial, novos e velhos, eram basicamente regimes parlamentares representativos eleitos, mesmo a Turquia (1) (…). Na verdade as instituições básicas do governo liberal constitucional, eleições para assembleias representativas e/ou presidentes, eram quase universais no mundo de países independentes nessa época, embora devamos lembrar que os cerca de 65 Estados independentes do período entre guerras tinham sido um fenômeno basicamente europeu e americano: um terço da população do mundo vivia sob domínio colonial. (…)”

Depois de citar países em todo o mundo onde não havia práticas democráticas Hobsbawm continua:

Marcha sobre Roma" de Mussolini marca o início do fascismo na Itália |  HISTORY

Mesmo assim, os regimes eleitorais representativos eram bastante frequentes. E no entanto… os 23 anos entre a chamada “Marcha sobre Roma” de Mussolini e o auge do sucesso do Eixo na Segunda Guerra Mundial viram uma retirada  acelerada e cada vez mais catastrófica das instituições políticas liberais”. (Hobsbawm elenca assembleias legislativas dissolvidas entre 20 e 30 na Europa e ressalta que não houve progresso nas instituições democráticas na América, onde a única democracia verdadeira era o Uruguai). Já “no Japão, um regime liberal moderado deu lugar a um nacionalista-militarista em 1930-31 (…) Nos continentes da Ásia, África e Austrália, só a Austrália e a Nova Zelândia eram consistentemente democráticas, pois a maioria dos sul—africanos permaneceu fora do âmbito da constituição do homem branco”.

Em resumo, o liberalismo fez uma retirada durante toda a Era da Catástrofe, movimento que se acelerou acentuadamente depois que Adolf Hitler se tornou chanceler da Alemanha em 1933(…).

Entrevista com Mussolini - Instituto Mosaico - Medium

Talvez valha a pena lembrar que nesse período a ameaça às instituições liberais vinha apenas da direita política (2), já que entre 1945 e 1989 se supôs, quase como coisa indiscutível, que vinha essencialmente do comunismo. Até então, o termo totalitarismo, inicialmente inventado como descrição ou autodescrição do fascismo italiano, era aplicado quase só a esses regimes. A Rússia soviética (a partir de 1922 URSS) estava isolada, e não podia e nem queria, que após a ascensão de Stalin, ampliar o comunismo. A revolução social sob a liderança leninista (ou qualquer outra) deixou de espalhar-se depois que a onda inicial do pós-guerra refluiu. Os movimentos social-democratas (marxistas) tornaram-se mais forças mantenedoras do Estado que forças subversivas, e não se questionava seu compromisso com a democracia. Nos movimentos trabalhistas, na maior parte dos casos foram, ou tinham sido, ou iriam ser suprimidos. O medo da revolução social, e do papel dos comunistas nela, era bastante real, como provou a segunda onda de revolução durante e após a Segunda Guerra Mundial, mas nos vinte anos de enfraquecimento do liberalismo nem um único regime que pudesse ser chamado de liberal-democrático foi derrubado pela esquerda (3). O perigo vinha exclusivamente da direita. E essa direita representava não apenas uma ameaça ao governo constitucional e representativo, mas uma ameaça à civilização liberal como tal, e um movimento potencialmente mundial, para o qual o rótulo “fascismo” é ao mesmo tempo insuficiente mas não inteiramente irrelevante.

Nem todos eram fascistas (4)

Insuficiente porque de modo algum todas as forças que derrubavam os regimes liberais eram fascistas. E relevante porque o fascismo, primeiro em sua forma original italiana, depois na forma alemã do nacional-socialismo, inspirou outras forças antiliberais, apoiou-as e deu à direita internacional um senso de confiança histórica : na década de 30 parecia a onda do futuro. Como foi dito por um expert no assunto: “Não foi por acaso (…) que os ditadores da realeza da Europa Oriental, burocratas e oficiais, e Franco (na Espanha) imitaram o fascismo” (Linz, 1975, p. 206) “.

Bibliografia:

Hobsbawm, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991.tradução Marcos Santarrita, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 113-116.

Notas

  1. Na visão dos pensadores tradicionalistas houve um avanço de princípios  revolucionários  com a derrubada da monarquia na Alemanha e no Império Austro-húngaro.
  2. Será mesmo?
  3. Hobsbawm afirma em nota que “o que chega mais perto de uma tal derrubada foi a anexação da Estonia pela URSS em 1940” (…).
  4. Curioso notar que mesmo governos que em nossos dias, em geral, são considerados fascistas, não o são por Hobsbawm. Seriam semelhantes.
  5. Os subtítulos em negrito e os destaques em negrito no texto são do olivereduc.com

Bibliografia: HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século xx: 1914-1991; tradução Marcos Santarrita: revisão técnica Maria Célia Paoli – São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 113-118.

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