Há quem diga que o povo brasileiro é conservador. Em boa parte, é verdade. Isso não significa que a maioria realmente entenda no que consiste o conservadorismo filosófico político.
A mesma dificuldade teremos em explicar o liberalismo e o socialismo. O antigo e os novos.
Com frequência também se confunde a parte com o todo. Aí, sem mais nem menos, todo social democrata e membro de movimento social com frequência é taxado de comunista. Mesma falha ou tática é feita por partidários da esquerda que carimbam todo opositor como fascista…
Não é problema só dos que menos conhecem história ou ciência política. É erro comum nas redes sociais, entre jornalistas e membros da classe política. Ninguém escapa. Afinal, manipular a linguagem faz parte da política do poder.
Há falhas de conceitos e há falhas de visão histórica. Quem diria que liberais foram grandes inimigos da Igreja?
Assim foi desde que surgiu o Iluminismo nos séculos XVII e XVIII. Foi dele que nasceram as grandes revoluções liberais. Com seus acertos e seus erros. Incluindo, em certos momentos, sangrenta repressão ao mundo católico.
Se é assim compreende-se porque muitos pensadores católicos e até encíclicas papais tenham afirmado que o liberalismo preparou o caminho ao comunismo (1).
– Como – você pode perguntar – se as nações liberais no século XX opuseram-se à expansão socialista?
Respondo: Verdade, mas antes disso muita água correu por baixo da ponte.
De momento só o que vou fazer é dar uma breve explicação. Aliás, não é minha. Ela é dada em importante trecho de um livro que analisa a cultura contemporânea. Nele, o autor, Mariano Fazio, escreve:
(…) “Aparentemente, a ideologia marxista encontra-se nas antípodas do liberalismo. Se este último apoia a sua visão do mundo baseada sobre o individualismo, o marxismo é um dos expoentes mais importantes do coletivismo. As diferenças com o nacionalismo são também óbvias: o marxismo tem a pretensão de ser uma ideologia universalista, que passa por cima das divisões das nações. Tudo isto é verdade, mas também se impõe sublinhar a comum raiz imanentista destas ideologias. Liberalismo e marxismo partilham uma visão do homem como ser radicalmente autônomo: o homem é obra de si mesmo. (2). Por outro lado, apresentam programas vitais com importantes componentes materialistas para alcançar a felicidade na terra: o reducionismo economicista está presente em ambas as ideologias.
Nacionalismo e marxismo também têm pontos de contato. As duas ideologias absolutizam o relativo: a pertença à nação ou a uma classe social são fatores presentes na vida dos homens, mas não explicam tudo. O nacionalismo e o marxismo sublinham a prioridade dos todos sobre as partes, da sociedade – a nação ou o proletariado – sobre o indivíduo singular. Porém, a nação ou classe social radicalmente autônoma, que não tem uma ligação com a ordem moral objetiva e transcendente: a liberdade individual liberal reemerge outra vez no marxismo, debaixo da veste da consciência de classe. (…)
Notas:
- Isso não nos impede de reconhecer o grande papel que liberais contemporâneos, especialmente no campo da economia, tem desempenhado em combater o socialismo. Destacamos aqui importantes figuras da Escola Liberal Austríaca. Outro tema que merece aprofundamento.
- .Observe-se como essa autonomia do indivíduo foi realçada nos movimentos identitários e nos que promovem a cultura da morte com destaque ao aborto e à eutanásia. Diga-se o mesmo do movimento LGBTQ+. Neste tudo é lícito em nome da autonomia do corpo.
Entende-se também porque certos grandes capitalistas internacionais financiam movimentos e ideais de esquerda.
Fonte: FAZIO. Mariano. Fundamentos da Cultura Contemporânea. Porto, Moinho Velho, Ltda. 2014, p. 155.
O padre Mariano Fazio é historiador, filósofo e teólogo argentino. É vigário auxiliar do Opus Dei desde 14 de maio de 2019.