AOS MÁRTIRES DA ESPANHA

Paul Claudel

Tu que passas, que virarás uma a uma as páginas desse livro sincero,

Lê tudo, registra em teu coração, mas contem teu espanto e tua cólera!

É a mesma coisa, é igual, é o que fizeram a nossos antepassados,

É o que aconteceu no tempo de Henrique VIII, de Nero e Diocleciano.

O cálice que beberam nossos pais, será que nós não o beberemos da mesma maneira?

A coroa de espinhos para eles, e somente para nós haverá uma coroa de rosas?

O sal que nos puseram na boca outrora, tinha o gosto desse novo batismo

É possível, ó meu Deus, que finalmente Vós nos deixeis esse honra suprema,

De nós também, miseráveis, Vos dar alguma coisa, e de estar presentes?

E de dizer que é verdade, que Vós sois o Filho de Deus com nosso sangue?

A maravilha que Vós existis, é verdade,  não se pode pagar com outra coisa a não ser  o sangue!

O Evangelho de Jesus Cristo que eu recebi, não podia ser impunemente!

Não foi somente para o nosso conforto que Vós Vos destes o trabalho de nascer!

O mundo até o fundo de suas entranhas Vos odeia, e o escravo não é melhor que o senhor!

Mas nós, nós cremos em Vós, e nos escarramos na cara de Satã!

Todos esses pobres doutores de dúvidas, todos esses covardes, todos esses hesitantes,

Não é de palavras que eles precisam, mas de um ato, a voz clara e o brado de algo triunfante!

Vós, Vós estais no céu agora, para lá da visibilidade e da nuvem

Mas nós, que estamos nas mãos deles, pois  bem!

Que eles nos peguem, e nós lhes daremos por nossa vez algo que lhes encha a vista!

Robespierre, Lênin, todos os outros, a eles não esgotaram todos os tesouros da raiva e do ódio?

Voltaire, Renan e Marx, eles ainda não chegaram ao fundo da estupidez humana!

Mas, esse milhão de mártires antes de nós, todos esses inocentes cheios de glória antes de nós,

Eles também, eles não derramaram tudo, e não deram tudo,

Somos nós que estamos agora em seu lugar, e que estamos aqui para um golpe!

A hora do príncipe desse mundo, ei-la que chegou ao fim!

A hora da interrogação final, a hora de Iscariotes e de Caim.

Santa Espanha, na extremidade da Europa, quadrada e concentração da Fé, massa dura e trincheira da Virgem Mãe,

E último passo de S. Tiago, que só parou porque acabou a terra.

Pátria de Domingos e de João, de Francisco o conquistador e de Teresa,

Arsenal de Salamanca e pilar de Saragoça, e raiz ardente de Manrèse (……)

Inquebrantável Espanha,  recusa e a meia-medida jamais aceita.

Golpe de ombro contra o herege passo a passo repelido e expulso,

Exploradora de um duplo firmamento, guerreira da oração e da sonda.

Profetisa dessa outra terra longínqua e colonizadora de um outro mundo,

Nessa hora de vossa crucificação, Santa Espanha, nesse dia, irmã Espanha, que é teu dia,

Com os olhos cheios de entusiasmo e de lágrimas, eu te envio minha admiração e meu amor.

Quando todos os covardes traíram, só tu, uma vez mais, tu não aceitaste,

Como no tempo de Pelayo e do Cid, uma vez mais tu tiraste a espada!

O momento chegou de escolher, e de desembainhar a alma!

O momento chegou, de medir a proposta infame!

O momento chegou, finalmente, para que se saiba a cor de nosso sangue!

Muitos imaginam que seus pés vão sozinhos ao céu, por um caminho fácil e suave.

Mas de repente, eis a questão posta, eis a intimação e o martírio!

Colocam-nos o céu e o inferno na mão, e nós temos quarenta segundos para escolher

Quarenta segundos, é demais! Irmã Espanha, santa Espanha, tu já escolheste

Onze bispos, 16 mil padres massacrados, e nenhuma apostasia!

Ah! Pudesse eu como ti um dia, em voz alta testemunhar no esplendor do meio dia!

Diziam que tu dormias, irmã Espanha, como alguém que parece dormir:

E depois a interrogação repentina, e de um golpe, esses 16 mil mártires!

“De onde me vem todos esses filhos?” Clama aquela que chamavam de estéril.

As portas do céu não são suficientes para conter toda essa imensa coluna!

Esse que a chamava de deserto, olhai! Ah é o deserto, dizeis? E eis a fonte e a palmeira!

16 mil padres! O contingente de um só golpe, e o céu, numa só labareda colonizado!

Porque tremer, ó minha alma, e porque te indignar contra o carrasco?

Eu junto as mãos somente, e eu rezo, e eu digo que é bom e que é belo!

E vós também, pedras, eu vos saúdo do fundo de minha alma, Santas Igrejas exterminadas!

Estátuas que rebentaram a golpes de martelo, e todas essas pinturas veneráveis, e esse cibório que, antes de pisotear,

A C.N.T., grunhindo de delicia, manchou com sua baba e seu focinho!

Para que todas essas coisas? O povo não precisa delas!

O que a besta imunda detesta mais que a Deus, é a beleza.

Ao fogo, grandes bibliotecas! O novo mestre chafurda, e dos raios do sol, ele fez cama e estuco!

Todas essas bocas que nos interrogam, tudo isso, contra isso é muito difícil se esquivar.

Fechemo-lhes a garganta com um soco, é mais simples! Abaixo Cristo (…) viva o (…….)

É preciso achar lugar para Marx e para todas essas bíblias da imbecilidade e do ódio!

Mata, camarada, destrói e embriaga-te, faça o amor! Porque esta é a solidariedade humana!

Todos esses padres, vivos ou mortos, que nos olham, não diga que eles não nos provocaram!

Essas pessoas que nos faziam o bem por nada, isso era uma coisa que não se podia tolerar!

E esses que já estão mortos, nós o iremos buscar dentro da terra!

Todos esses esqueletos, é engraçado como eles riem! Um malandro tira o cigarro de sua boca e o coloca entre os dentes desse cadáver que foi sua mãe,

Queimemos tudo o que é capaz de queimar, os mortos e os vivos, tudo de uma vez;

Tragam o petróleo! Queimemos Deus! Será um enorme alívio!

Eu vos saúdo, 500 igrejas catalãs destruídas! E ti, grande catedral de Vichi, catedral de José Maria Sert!

Vós também, vós destes seu testemunho! Vós também sois mártires!

As mesmas igrejas que viu João, igrejas de Gerone e de Tortose, igrejas de Laodiceia e Tiatina!

O hábito queimou com o padre, e a vela pôs fogo ao candelabro!

O campanário fica um momento ereto, como com o animal evangélico que se empina

E depois, um estrondo de trovão, de um só golpe ele se abate, ele se fende, ele desaparece!

Igreja de minha primeira Comunhão, está acabado, eu não te verei mais!

Mas, é belo ser fendido em dois! É belo morrer com um brado de triunfo, em seu próprio posto!

É belo para a Igreja de Deus subir ao céu com a alma toda inteira, dentro do incenso e do holocausto!

Sobe ao céu, Virgem venerável, toda direita!

Sobe, coluna, sobe, anjo, sobe ao céu, grande oração de nossos antepassados!

Catedral de José Maria Sert, vós éreis admirada somente pelos homens, agora sois agradável a Deus!

Está feito! A obra está consumada, e a terra, por todos os seus poros bebeu o sangue que a transformou.

O céu bebeu essa messe de 100 mil mártires, e toda a terra a ocultou.

O assassino, titubeante, volta à sua toca e olha sua mão direita com estupor,

O santo solenemente tomou posse de sua parte, que é a melhor.

Tudo uma vez mais está consumado e no céu se faz um silêncio de meia hora.

E nós também, a cabeça descoberta, em silêncio, ó minha alma, faça silêncio diante da terra semeada.

A terra, no fundo de suas entranhas concebeu, e o renascimento já começou.

O tempo do trabalho terminou, e agora é o da semeadura.

O tempo da poda terminou e agora é o tempo das represálias.

E germinou, de todas as partes de teu coração Santa Espanha, a imensa represália do amor!

Com os .pés no petróleo e no sangue, eu creio em Ti, Senhor, e nesse dia, que será teu dia,

Eu estendo a mão direita para Ti, para jurar, entre a ação de graças e o massacre,

“Teu corpo é verdadeiramente um alimento, e teu sangue é verdadeiramente uma bebida”.

Dessa carne e desse sangue, que foi derramado,

Nem uma parcela caiu, nem uma gota se perdeu.

O inverno na terra continua, mas a primavera já explodiu nas estrelas.

E tudo o que foi derramado, os anjos respeitosamente recolheram e levaram ao interior do Céu(….)!

Nota:

  1. Paul Claudel foi um diplomata, dramaturgo e poeta francês, membro da Academia Francesa de Letras e galardoado com a grã-cruz da legião de honra. É considerado importante como escritor católico.

Caso saiba francês há um ótimo estudo sobre a poesia feita por um historiador de uma universidade francesa. Nele você pode ver a poesia no original. Eis o link.

http://www.mplf.be/index.php?mact=ProtocoleAffichage,cntnt01,personne,0&cntnt01CONTACT_ID=2245&cntnt01id_categorie=3&cntnt01returnid=72

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