CHINA: PERIGO OU ESPERANÇA?

Valter de Oliveira

Conservadores criticam a China. Ou melhor, o governo chinês. Por várias razões. Primeiro porque nela não há democracia. Afinal, apesar da estratégica abertura econômica o país continua fechado politicamente.

70 anos da revolução chinesa, a mais assassina da história ...

Só existe um partido – o comunista de Mao Tsé Tung – que controla toda a sociedade. Partido que não condena as atrocidades cometidas no passado e não reconhece as violações dos direitos humanos no presente. Segundo: o país – que desenvolve perigosas pesquisas em laboratório teria sido negligente em Wuhan ao permitir que o famigerado coronavírus escapasse do controle. Terceiro: Fato consumado, a China teria demorado em reportar o fato à OMS e minimizado o perigo que representaria para todo o mundo.

China é o principal parceiro comercial do Brasil - LiberdadeNews

Em vista disso temos um fato curioso. Amplos setores da sociedade, e não só os declaradamente esquerdistas, da política, dos grandes meios de comunicação, das mídias sociais, negam tudo isso. O comunismo, em hipótese alguma, ainda seria um perigo para as sociedades livres. A foice e o martelo não passariam de um símbolo agora tido como democrático. Já a riqueza chinesa, aplicada em outras nações, longe de ser uma expressão de imperialismo seria apenas um sinal da generosidade e solidariedade de quem procura melhorar a vida de todos os povos. Sua tecnologia, vista com admiração, também irá ajudar na infraestrutura das nações mais pobres. Com tanta bondade jorrando das fontes chinesas não há como supor que delas venha qualquer maldade. Devido a tal crença, a simples menção de descuido da parte do governo da China no caso do coronavírus é quase considerado um sacrilégio… De todos os lados ouvimos vozes indignadas: “Que absurdo! Criticar a China? Logo ela, nosso maior parceiro comercial!

Recordemos que este último “argumento” nunca foi usado pela esquerda quando os EUA eram nosso principal parceiro comercial e enfrentava o comunismo mundo afora…

Lembro também que, em geral, os autores ou instituições que ousam criticar a China, ou advertir que ela ainda pode ser um perigo para todos nós, são considerados radicais ou fundamentalistas. Ou direitistas que acreditam nas teorias de conspiração…

Assim, o recado está dado e podemos dormir tranquilos. Da China só podemos ter, desejar, pedir, investimentos e solidariedade. O gigante chinês  é um Papai Noel ansioso em nos cumular de presentes. E de ser modelo para nós.

Elias Jabbour: Xi Jinping, a 'China recentralizada' e a 'nova ...
Elias Jabbour

O louvor pelos feitos da China encontrei em artigo no Le Monde Diplomatique. Quem o faz é o professor Elias Jabbour, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em artigo intitulado “A China, muito além da “Sopa de Wuhan”

Elias faz uma crítica a um documento chamado “Sopa de Wuhan’. “assinado por intelectuais badalados como David Harvey, Slavoj Zizek e Alain Badiou. São acusados de eurocentrismo limitado pois consideram a China um “despotismo oriental”. Ademais estariam procurando exilar a China “como parte fundamental do mundo pós-pandemia”.

Ou seja, é uma briga entre esquerdistas.

Elias Jabbour os critica dizendo que seu objetivo é demonstrar certa perplexidade com os signatários do documento. Diz ele:

Não tenho problemas em aceitar que todos eles acreditem que a China pode se dar ao direito de ser o próximo Iraque, Afeganistão, Síria ou Líbia. Mas ao público deste observatório que se interessa em sair da superfície, há algo de partida, fundamental: a China está conseguindo resistir a um vírus mortal com razões a serem esclarecidas e postas à disposição da sociedade. Por tais razões, advogo que uma nova, avançada e poderosa engenharia social emerge na China como desenvolvimento de capacidades estatais mediadas por um arcabouço político e institucional de novo tipo. Na China uma variação de nível superior de seu “socialismo de mercado” está despontando.

A partir daí Elias passa a destacar as grandes qualidades da China. Vou destacar alguns trechos. Comecemos por um que afirma que os dirigentes chineses teriam conseguido sucesso, graças à união nacional, em enfrentar vários desafios, incluindo o da pandemia:

A unidade nacional

“Argumentos históricos são mais convincentes para explicar a unidade nacional e a plena disposição popular ao enfrentamento de um inimigo invisível. A legitimidade dos comunistas diante daquela experiência foi posta em teste (como os antigos imperadores também o foram em seu tempo). Mas o corolário do desafio foi o surpreendente resultado de encerramento de uma quarentena em 72 dias. Enquanto as “democracias” europeias estão a ponto de escolher quem vive e quem morre e os Estados Unidos (“a maior democracia do mundo”) agem como piratas de navio na interdição de suprimentos médicos para outros países, a sociedade e o Estado chineses estão a demonstrar a possibilidade de novas sociabilidades pari passu com a crescente capacidade de planificação de sua economia”. 

Os elogios continuam:

“A China é uma das únicas sociedades com capacidade de se autorreferenciar para a tomada de decisões estratégicas. É difícil perceber os seus dirigentes cometendo erros grosseiros em matéria de política e grande política. A sabedoria de Sun Tsu levou os chineses a escolherem o verdadeiro campo de batalha interno e externo ao vírus. Internamente, isolamento total sob a insígnia de “guerra popular”. Externamente funcionários de quarto escalão têm respondido as provocações de Trump e simultaneamente coordenam com os cubanos uma divisão social do trabalho onde os caribenhos entram com os médicos e os chineses com os equipamentos”. 

Presença chinesa ou imperialismo?

Elias responde:

“Já são 109 países onde as presenças cubana e chinesa se faz sentir, independentemente da maneira pela qual os cozinheiros da “Sopa de Wuhan” pretendem enxergar a realidade atual e o futuro do mundo. Kissinger em “On China” (de 2011) nos ensinou que os chineses separam muito bem o que é propaganda interna e ação pragmática externa. No caso chinês, a sustentação dessas duas pontas demanda uma pré-existente base material que tem sido testada em seu limite desde o lançamento de um audacioso programa de investimentos em infraestruturas para ligar o leste rico e o interior (então) pobre no final da década de 1990, passando pela intervenção em massa do Estado na economia no pós-2008.

O comunismo chinês eliminando a pobreza extrema

No elenco das notáveis realizações do governo chinês Elias inclui a retirada de milhões da pobreza:

“A China retirou 840 milhões de pessoas da linha da pobreza nos últimos quarenta anos, sendo responsável por 83% dos seres humanos retirados da miséria no mundo no período. Isso não significa nada aos nossos gastrônomos de Wuhan?”

“Qual país capitalista no mundo hoje está em condições de fazer amplas reversões produtivas, reescalar setores inteiros da economia e enquadrar completamente o sistema financeiro? Como discutir o futuro do mundo e ignorar esta nova engenharia social que surge num país que insistiu em ser governado por um Partido Comunista que busca em seu centenário, a ser completado em 2021, eliminar a pobreza extrema em um país de 1,4 bilhão de habitantes? Zizek foi ícone na luta contra o socialismo em sua terra natal (Eslovenia, então parte da Iugoslávia), normal ele querer, e lutar, pelo mesmo destino à China”.

O louvor à China comunista continua. Jabbour vai elogiar a liderança chinesa. Inclusive a de Mao Tsé Tung:

China forjada graças a grandes líderes

“Xiaoping desafiou o Partido Comunista a ir além dos feitos da Inovação Meiji japonesa, pois “como proletários podemos fazer mais”. Faço questão de lembrar que o “marxismo oriental” representado na China pelos gênios de Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping percebia a hoje chamada relação centro-periferia de forma diferente, dada a brutalidade imperialista que acometia seu povo e de toda periferia do sistema. Em 1940, Mao conclamou que a revolução que ele advogava, antes de alcançar o socialismo, deveria abrir terreno ao desenvolvimento do capitalismo, mesmo que sob controle de uma força política tentada a ir além desse objetivo imediato

Deng Xi Jinping, percebendo diante de si o apodrecimento da ordem ocidental, só está interessado no mercado e na tecnologia do Ocidente. Em todos esses casos é notável a relação da construção de uma ordem política e econômica de nível superior com a noção hegeliana de superação (Aufhebung). O socialismo chinês ambiciona o ponto mais alto daquilo que eles negam, o capitalismo”.

(…)

Em suma, todo o artigo de Elias Jabbour tem por finalidade enaltecer tudo o que está sendo feito na China. Como vemos na parte final, dela virá a realização do grande sonho marxista. Sonho obtido graças a novas capacidades do Estado benfeitor.  

Pode ser a nossa grande esperança…

“A Nova Economia do Projetamento (expressão máxima de uma maxirracionalização do processo de produção e planificação pela via da ampla utilização de todo aparato tecnológico inerente ao Big Data, à plataforma 5G e aos aportes em matéria de Inteligência Artificial) é sinônimo de uma economia voltada à consecução de grandes projetos e que tem na demanda seu elemento propulsor. As capacidades ociosas na economia estão sob controle estatal, indicando superação da “incerteza keynesiana”. É a base que sustenta a mais avançada engenharia humana e social do mundo em que vivemos. 

É a antítese da financeirização que acelera a decadência moral e intelectual que hoje acomete todo o Ocidente, de onde intelectuais de “esquerda” apelam a títulos racistas para debater uma tragédia humana”.

Milhares de manifestantes protestam em Hong Kong contra projeto de ...

Por que, ao olhar a China, a humanidade não poderá viver tempos de grandes esperanças?”

CONCLUSÃO.

Como vemos o professor Elias tem uma grande fé no futuro. Sonha que concordemos com ele e aceitemos nos dobrar ante a engenharia social chinesa.

Felizmente nossa fé é outra. Fé mais do que nunca necessária para não cairmos no canto da sereia e para mantermos nossa liberdade.

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Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graudação em Relações Internacionais (PPGRI) e Ciências Econômicas (PPGCE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Nota: Os subtítulos são do site olivereduc.com

Fonte: https://diplomatique.org.br/a-china-muito-alem-da-sopa-de-wuhan/

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