A crise econômica norte-americana e a da União Européia são consideradas crises do capitalismo. Quem são os responsáveis? Veja o que pensam dois especialistas no assunto. O primeiro, Adriano Benayon faz sua análise a partir de uma visão econômica de esquerda. Foi-me enviado por um aluno da Faculdade, como um “desafio marxista”… O segundo, Nivaldo Cordeiro, do ponto de vista liberal conservador (se é que os adjetivos são adequados). Valter de Oliveira 26/07/2012 FIM DO IMPÉRIO?
Adriano Benayon O colapso financeiro recente, cuja primeira grande crise ocorreu em 2007, vai continuar produzindo incalculáveis danos para a humanidade. De fato, apesar de o colapso ser flagrante, os segmentos sociais revoltados por causa das consequências dele, não lograram organizar-se, nem arrebatar o poder dos que o tem causado. 2. No 2º semestre de 2011 estão presentes novamente os fatores explosivos que fizeram detonar a crise de 2007/2008, como derivativos em montante acima de US$ 600 trilhões, contando só os negociados diretamente entre as partes, sem incluir, portanto, os transacionados em Bolsas. A isso se soma agora a perspectiva de inadimplência dos Estados Unidos e de países da União Europeia em suas dívidas públicas. 3. Seis grandes bancos de Wall Street estão expostos em US$ 1,5 trilhão, só nas dívidas da Espanha e da Itália. Outro tanto, ou quase, de créditos a esses dois países está na carteira de bancos alemães e franceses. 4. As economias e as sociedades desses países afundam cada vez mais na depressão, enquanto o FED nos EUA e o Banco Central Europeu emitem moeda e dão créditos de graça aos banqueiros criadores e detentores de títulos podres privados e públicos, além de comprar esses títulos por muitíssimo mais do que valem. 5. O Escritório de Responsabilização (Accountability) do Governo – GAO, vinculado ao Congresso dos EUA, fez auditoria na Reserva Federal (FED) a pedido do senador dissidente Bernie Sanders. O relatório revelou que, de 01/12/2007 a 21.07.2010, o FED concedeu empréstimos secretos a bancos e corporações financeiras, no montante de 16,1 trilhões de dólares, quantia maior que o PIB dos EUA (US$14,5 trilhões). 6. Esse dinheiro não flui para a economia, vai para a especulação, e a perspectiva é de que a depressão se torne ainda mais trágica, por causa dos cortes nas despesas públicas e dos aumentos de impostos “para reduzir os déficits orçamentários”. 7. Observadores apressados animam-se com o fim do império, ao verem a continuada queda de valor do dólar e ao rebaixamento da cotação dos EUA, por parte de uma agência de risco de crédito. 8. Não avaliam que a oligarquia financeira se têm aproveitado do colapso que gerou, para dar imenso salto qualitativo na concentração, demonstrando, ademais, controle total sobre os governos das “democracias representativas”, as quais nada têm de democráticas. 9. Mesmo nos países centrais, os donos das finanças – e do poder – já haviam, desde os anos 80, feito crescer muitíssimo a concentração de riqueza real e financeira, determinando políticas públicas, como a fiscal, as quais os favoreceram cada vez mais. Após a virada do século, acumularam quantidades imensas de lucros mediante a fraudulenta explosão dos derivativos, um dos fatores que levou ao colapso. 10. Como o grosso desses derivativos não tem sustentação real, o prejuízo decorrente foi maior do que aqueles lucros. Entretanto, foi pago pelos Tesouros e bancos centrais. 11. A consequência disso é que, além de grandes bancos estarem de novo perto da falência por terem reincidido na bandalheira dos derivativos, agora também ficaram em situação de pré-inadimplência os Estados “soberanos”, que salvaram os bancos após a crise de 2007-2008. 12. Os Estados imperiais ainda pagam juros muito baixos em suas dívidas públicas demasiado altas (120% do PIB nos EUA), mas esse não é o caso, da periferia européia, na qual as taxas vêm subindo e agravando muito as coisas. 13. No Brasil a dívida pública ainda representa percentual tolerável do PIB, mas o “governo” e o BACEN parecem fazer questão de que o Brasil entre no rol dos falidos, pela composição dos juros às taxas absurdamente altas que decretam em prejuízo do País. 14. Voltando à questão nos EUA e Europa, passada a primeira crise do colapso financeiro, graças à incrível e imoral ajuda pública, a oligarquia fez elevar exponencialmente, através da depressão, o grau de concentração. Durante as depressões, o poder relativo dos concentradores cresce muito, com as perdas das empresas menores e dos assalariados, e aqueles se aproveitam para adquirir ativos a preços de liquidação, sem falar nos ganhos com novas especulações financeiras. 15. Com efeito, eles dominam as economias centrais e ainda mais as periféricas, de cujos recursos naturais se apossam celeremente, colocando a humanidade na rota da escravização total, para não dizer do extermínio. 16. Por enquanto, não é o império nem o capitalismo que está acabando. Quem está com a sobrevivência em perigo são as vítimas do capitalismo. Mais importante: às centenas de milhões de pessoas que já se danaram no processo, outro tanto vai sendo acrescentado ao rol dos destituídos e massacrados. 17. O sistema de concentração financeira e econômica nas mãos de poucos grupos e famílias oligárquicas (essa é a definição de capitalismo) prossegue causando estragos em escala crescente: desemprego, miséria, rebeliões de seu interesse, guerras de grande vulto planejadas pelos diretores do capitalismo, conscientes da desconstrução diabólica que estão realizando, a fim de tornar sua tirania cada vez mais absoluta. 18. Não se pode prever quando isso vai parar. Mas se poderia inferir a única maneira possível de conseguir: retirando das mãos dos donos da concentração e da tirania mundial o poder que eles detêm sobre os governos, os aparatos militares e os serviços secretos que comandam. 19. Embora cada vez mais horrores sociais e econômicos estejam acontecendo e gerando revolta, também cresce a repressão policial e o totalitarismo na desinformação. Esses horrores só acabarão, se as sociedades encontrarem um modo de conquistar o Estado e organizá-lo sob princípios do bem comum, somente viável sem bancos privados com direito a criar dinheiro e se forem quebrados os oligopólios e os cartéis. Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus desenvolvimento”, editora Escrituras. O artigo é de 24 de agosto último. A CRISE DA UNIÃO EUROPÉIA Nivaldo Cordeiro 16/07/2011 Tenho escrito reiteradas vezes que a crise econômica atual é reflexo do fracasso político da social-democracia, força que ganhou musculatura desde o final da II Guerra e é o modelo político imperante em quase todo o mundo, exceto China e Cuba, comunistas (esqueço algum dinossauro?). A social-democracia é a tentativa contraditória de implantar igualdade econômica e política, ao preço da supressão da lei da escassez, o sonho socialista desde sempre. Sonho impossível, posto que essa fórmula mágica não é conhecida e não sobrou remédio que não os países adotarem a economia keynesiana como instrumento, o que equivale a implantar o truque mefistofélico tão belamente cantado por Goethe no magnífico poema Fausto, no começo do século XIX. A prosperidade inflacionária pode ser obtida, sim, por certo tempo, mas seu preço é caro. Depois da alegria do pileque embriagador vem sempre a desagradável ressaca e a respectiva dor de cabeça. Emitir moeda em profusão é tomar pinga na boca da garrafa. É o que estamos a ver na União Européia, e não apenas; nos EUA também, que seguiram por outras formas a mesma fórmula. Aproveito dois artigos publicados na página Três da Folha de São Paulo hoje para comentar o assunto. A Folha propôs a pergunta: A crise dos países europeus ameaça a zona do euro? Mario Ramos Ribeiro disse “Sim” como resposta, enquanto Roberto Luis Troster disse “Não”. Ao ler ambos os artigos fiquei com a sensação de que os economistas escaparam ao tema central da questão e suas repostas, aparentemente contraditórias, na verdade convergiram no essencial. A questão central não respondida é que o modelo social-democrata inerente à zona do euro faliu. Não é possível ter um Estado tão agigantado e pagante de contas para as quais não tem recursos e nunca os terá, ainda que eleve a tributação aos céus. A social democracia vende aos eleitores a idéia de bem-estar social como sinônimo de enriquecimento fácil e ócio gracioso: acesso a serviços caros e sofisticados por toda a gente, sem a responsabilidade de trabalhar para obtê-los. Pior: o Estado quis bancar um sistema irracional de aposentadorias sem um custeio prévio consistente. Claro que déficits viriam a seu tempo e a bancarrota pública está evidente pela situação de países como Grécia, Portugal e Itália. Do outro lado do Atlântico, os EUA debatem-se no afogamento inflacionário sem precedentes (no momento Obama precisa de autorização do Congresso para aumentar a dívida ainda mais e os republicanos, que controlam a Casa, não parecem dispostos a ceder sem um profundo corte nos gastos públicos, que decretaria o fim da social-democracia norte-americana). O festim de gastos públicos no bem-estar social (locução mal empregada, slogan publicitário enganador, eleitoral) levou à explosão da dívida pública e da emissão de moeda, à inflação. Roberto Luis Troste, embora tenha dito “Não”, argumentou o óbvio: “Faltam também recursos e autoridade para atuar de forma contundente quando aparecerem dificuldades“. Reparem na palavra autoridade, voltarei a ela. Se faltam recursos, obviamente há uma ameaça imediata à zona do euro. O autor não se apercebeu da contradição com que argumentou, negando sua negativa. E, como a se sustentar numa escora sonambúlica, completou: “O projeto do euro é um projeto ganhador: há mais países interessados em fazer parte dele e as cotações da moeda corroboram sua força. A integração do continente avança, mas ainda é fraca“. Falso argumento porque não era essa a questão. O critério não é saber se outros governos tolos querem, ou não, entrar no festim inflacionário. É saber se o sistema se sustenta. Sob a palavra “autoridade” vejo que Troster enxerga a solução tecnocrática de um governo central tirânico, que possa ditar a todos suas regras de gastos. Nem sei se tem consciência disso, mas o suposto de sua defesa da moeda comum é a tirania, com a abolição das autonomias nacionais. Em suma, o governo mundial sobreposto a todas as instâncias locais. O pesadelo de todos aqueles que lutam e perseveram pelas liberdades individuais. O “Sim” de Mario Ramos Ribeiro é mais consistente e mais lógico, embora convirja com Troster para a saída tecnocrática e tirânica. Começa o artigo com uma pergunta muito pertinente: “Quanto tempo pode resistir uma união monetária sem a ocorrência conjunta de uma união fiscal? Ou, mais ainda, sem uma união política?” O autor colocou o dedo na ferida: a união monetária carrega consigo o germe do Estado totalitário, que poderá exigir o fim dos Estados nacionais e a respectiva supressão das liberdades individuais. Em seguida, Mário Ribeiro Ramos argumentou, de forma assaz equivocada: “Crises financeiras são epifenômenos. Estão apenas na superfície de uma doença mais profunda e ainda não declarada. O fenômeno, que é a própria patologia, é a ‘crise de governança‘.” Claro que crises financeiras não são meros epifenômenos, são a crise em si. Mas Ribeiro Ramos afirma essa bobagem porque julga, como bom tecnocrata que é, que tem a chave para a superação dos problemas monetários. E qual é a chave? Claro, a tirania. Dê a Bruxelas o poder de dizer a cada país, e até mesmo a cada europeu, o que pode e o que não pode gastar, o quantum e em que, e aí a crise monetária tornar-se-ia mero epifenômeno. É a crença de Milton Friedman e de Keynes de que a humanidade conhece as leis monetárias últimas, bastando, para administrá-las, que se dê aos tecnocratas o poder total sobre a vida das pessoas e se transforme toda gente em escravos de um tirano mundial. Mario Ramos Ribeiro é tão ingênuo em sua crença tecnocrático-totalitária que escreveu, sem qualquer pudor: “Governança na zona do euro requer regras do jogo bem definidas, exige um mapa contratual em que as responsabilidades e a segregação de atribuições sejam acordadas de modo supranacional, mas que não abafem o ethos nacional de cada país-membro e que, assim, possam ser razoavelmente factíveis.Governança requer instituições comuns.” Governança, nesses termos, requer apenas a tirania, nada mais. O fim das liberdades. O que esses dois não viram é que é preciso seguir o caminho contrário ao da social-democracia: redução do Estado, deixar o cidadão cuidar da sua própria vida, de sua sobrevivência, de sua aposentadoria, de sua saúde. Não é preciso burocratas para gerir a vida prática. Essa mentira política é a raiz da crise. Ela precisa ser desmascarada, do contrário a tese de que só a tirania é que poderá superá-la pode prevalecer. Deus nos livre e guarde dessa maldição, que é a mesma pensada por Hitler e Lênin. Fonte: blog de Nivaldo Cordeiro 16/07/2011 |