DESARMAMENTO E GENOCÍDIOS

 

Gary North

 
 

No dia 24 de abril deste ano, o primeiro genocídio do século XX completou 99 anos: o governo turco dizimou mais de um milhão de armênios desarmados.  A palavra-chave da frase é justamente esta última: “desarmados”.

Turcos x Armênios

Os turcos escaparam de uma condenação mundial porque utilizaram a desculpa de tudo ter sido uma ‘medida de guerra’.  Findada a Primeira Guerra Mundial, eles não sofreram nenhuma represália por este ato de genocídio.  É como se o governo turco não houvesse conduzido absolutamente nenhuma medida de homicídio em massa contra um povo pacífico.

Outros governos perceberam que o ardil funcionara e rapidamente tomaram nota do fato.  Era um precedente internacional conveniente demais para ser ignorado.

Setenta e nove anos após o início daquele genocídio, o famoso Hotel Ruanda abriu as portas.

Os Hutus também se safaram.  Ironicamente, pelo menos uma década antes do massacre em Ruanda — gostaria de me lembrar da data exata —, a revista Americana Harper’s publicou um artigo em que profetizava com acurácia este genocídio, e por uma razão muito simples: os Hutus tinham metralhadoras; os Tutsis, não.  O artigo foi escrito em um formato de parábola, sem se preocupar em fazer previsões especificamente políticas.  Lembro-me vivamente de, ao ler aquele artigo, ter imediatamente pensado: “Se eu fosse um Tutsi, emigraria o mais rápido possível”.

O fato é que, em todo o século XX, não foi um bom negócio ser um civil.  As chances sempre estavam contra você.

Péssimas notícias para os civis

Tornou-se um lugar comum dizer que o século XX, mais do que qualquer outro século na história conhecida da humanidade, foi o século da desumanidade do homem para com o homem.  Embora esta frase seja memorável, ela é um tanto enganosa.  Para ser mais acurada, o certo seria modificá-la para “o século da desumanidade dos governos para com civis desarmados”.  No caso do genocídio, no entanto, tal prática não pode ser facilmente descartada como sendo um dano colateral imposto a um inimigo de guerra.  Trata-se de extermínio deliberado.

EUA x Filipinas

O século XX começou oficialmente do dia 1º de janeiro de 1901.  Naquela época, uma grande guerra já estava em andamento; portanto, vamos começar por ela.  Mais especificamente, era a guerra iniciada pelos EUA contra as Filipinas, cujos cidadãos haviam sido acometidos da ingênua noção de que a libertação da Espanha não implicava uma nova colonização pelos EUA.

Os presidentes americanos William McKinley e Theodore Roosevelt enviaram 126.000 tropas para as Filipinas para ensinar àquele povo uma lição sobre a moderna geopolítica.  Os EUA haviam comprado as Filipinas da Espanha por US$20 milhões em dezembro de 1898.  O fato de que os filipinos haviam declarado independência seis meses antes dessa compra era irrelevante.  Um negócio é um negócio.  Aqueles que estavam sendo comprados não podiam dizer nada a respeito, muito menos protestar.

Naquela época, era uma prática comum fazer a contagem de corpos dos combatentes inimigos.  A estimativa oficial foi de 16.000 mortos.  Algumas estimativas não-oficiais falam em aproximadamente 20.000.  Para os civis, tanto naquela época quanto hoje, não há estimativas oficiais.  O número mais baixo fala em 250.000 mortos.  A estimativa mais alta é de um milhão.

E então veio a Primeira Guerra Mundial e as comportas foram abertas — ou melhor, os banhos de sangue foram institucionalizados.

Turquia, 1915

O genocídio armênio de 1915 foi precedido por uma limpeza étnica parcial, a qual durou dois anos, 1895—97.  Aproximadamente 200.000 armênios foram executados.

Os armênios eram facilmente identificáveis.  Alguns séculos antes, os invasores turcos otomanos os haviam forçado a acrescentar o “ian/yan” aos seus sobrenomes.  Como os armênios estavam dispersos por todo o império, eles não possuíam o mesmo tipo de concentração geográfica que outros cristãos possuíam na Grécia e nos Bálcãs.  Eles nunca organizaram uma força armada para oferecer resistência.  E foi isso o que os levou à destruição.  Eles não tinham como lutar e resistir.

Os armênios eram invejados porque eram ricos e mais cultos do que a sociedade dominante.  Eles eram os empreendedores do Império Otomano.  O mesmo ocorreu na Rússia.  O mesmo ressentimento existia na Rússia, embora não com a intensidade do ressentimento que existia na Turquia.

As estimativas não-turcas falam em algo entre 800.000 e 1,5 milhão de armênios mortos.  Embora a maioria destes homicídios tenha ocorrido com o uso de baixa tecnologia, os métodos eram extremamente eficazes.  O exército capturava centenas ou milhares de civis, levava-os até áreas desertas e inóspitas, e os deixava lá até que literalmente morressem de fome.

O nome Arnold Toynbee é bem conhecido.  Já na década de 1950 ele era um dos mais eminentes historiadores do planeta.  Seu estudo, compilado em 12 volumes (1934—61), sobre 26 civilizações não possui precedentes em sua amplitude.  Sua obra “O Tratamento dos Armênios no Império Otomano” foi sua primeira grande publicação.

Por que algumas organizações armênias não dão ampla divulgação e notoriedade a este documento é algo que me escapa completamente.  O livro está em domínio público.  A seção a seguir, que está na Parte VI, “As Deportações de 1915: Procedimento”, é iluminadora.  Leia-a com atenção.  Trata-se do aspecto crucial de todo o genocídio.  O governo confiscou as armas dos cidadãos.

Um decreto foi expedido ordenando que todos os armênios fossem desarmados.  Os armênios que serviam no exército foram retirados das fileiras combatentes, reagrupados em batalhões especiais de trabalho, e colocados para construir fortificações e estradas.  O desarmamento da população civil ficou a cargo das autoridades locais.  Um reino de terror foi instaurado em todos os centros administrativos.  As autoridades exigiram a produção de uma quantidade estipulada de armas.  Aqueles que não conseguissem cumprir as metas eram torturados, frequentemente com requintes satânicos; aqueles que, em vez de produzir, adquirissem armas para repassá-las ao governo — comprando de seus vizinhos muçulmanos ou adquirindo por qualquer outro meio —, eram aprisionados por conspiração contra o governo.

Poucos desses eram jovens, pois a maioria dos jovens havia sido recrutada para servir o estado.  A maioria era de homens mais velhos, homens de posse e líderes da comunidade armênia, e tornou-se claro que a inquisição das armas estava sendo utilizada como um disfarce para privar a comunidade de seus líderes naturais.  Medidas similares haviam precedido os massacres de 1895—96, e um mau presságio se espalhou por todo o povo armênio.  “Em uma certa noite de inverno”, escreveu uma testemunha estrangeira desses eventos, “o governo enviou soldados para invadir as casas de absolutamente todos os armênios, agredindo as famílias e exigindo que todas as armas fossem entregues.  Essa ação foi como um dobre de finados para vários corações”.

Desarmamento

Lênin desarmou os russos.  Stalin cometeu genocídio contra os kulaks ucranianos durante a década de 1930.  Pelos menos seis milhões de pessoas foram mortas.

Como mostrou a organização Jews for the Preservation of Firearms Ownership (Judeus pela Preservação da Posse de Armas de Fogo), o modelo do Decreto do Controle de Armas de 1968 nos EUA — até mesmo as palavras e o fraseado — foi copiado da legislação de 1938 de Hitler, a qual, por sua vez, era uma revisão da lei de 1928 aprovada pela República de Weimar.

Quando as tropas de Mao Tsé-Tung invadiam um vilarejo, elas capturavam os ricos.  Em seguida, elas ofereciam a devolução das vítimas em troca de dinheiro.  As vítimas eram libertadas quando o pagamento fosse efetuado.  Mais tarde, o governo voltava a sequestrar essas mesmas pessoas, só que desta vez exigindo armas como resgate.  Ato contínuo, assim que as armas eram entregues, as vítimas eram libertadas.  Essa mudança de postura — exigir armas em vez de dinheiro — fez com que a negociação parecesse razoável para as famílias das próximas vítimas.  Porém, tão logo o governo se apossou de todas as armas de uma comunidade, os aprisionamentos e as execuções em massa começaram.

A ideia de que o indivíduo tem o direito à autodefesa era tão comum e difundida no século XVIII que ela foi escrita na Constituição Americana: a segunda emenda.  Carroll Quigley, eminente historiador e teórico da evolução das civilizações, era também um especialista na história do uso de armas pela população.  Ele escreveu um livro de 1.000 páginas sobre o uso de armas como meio de defesa durante a Idade Média.  Em sua obra TRagedy and Hope (1966), ele argumenta que a Revolução Americana foi bem sucedida porque os americanos possuíam armas de poder de fogo comparável àquelas em posse das tropas britânicas.  Foi exatamente por isso, disse ele, que houve toda uma série de revoltas contra governos despóticos em todo o século XVIII.

Tão logo as armas em posse do governo se tornaram superiores, os movimentos e manifestações em prol da redução do tamanho do estado deixaram de ter o mesmo êxito que haviam tido nos séculos anteriores.

Há uma razão por que os governos são tão empenhados em desarmar seus cidadãos: eles querem manter seu monopólio da violência a todo custo.  A ideia de haver cidadãos armados é apavorante para a maioria dos políticos.  Afinal, para que serve um monopólio se ele não pode ser exercido?  Cidadãos armados impõem um limite natural à tirania do estado.

Conclusão

Genocídios acontecem.

Mas não há genocídio quando os alvos estão armados.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história.

 

 

23/11/2014

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1494

 

 

 

 

Tags , , .Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Deixe um comentário