Ives Gandra da Silva Martins
Reza o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal que:
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
É do conhecimento geral que a religião católica apostólica romana tem, como centro de sua liturgia, a missa e, nesta, o momento mais solene é o da consagração das espécies, em que, pela transubstanciação, o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo, sem alteração das espécies.
O gesto de Cristo, na última Ceia antes do martírio do julgamento, via crucis, calvário e cruz, é renovado há dois mil anos pelos sacerdotes ordenados, que ingerem o vinho transubstanciado, em pequena quantidade.
O número reduzido de sacerdotes para o grande número de fiéis leva muitos deles a “binarem” ou “trinarem” (oficiam 2 ou 3 missas por dia) em lugares diversos, ingerindo, pois, em cada consagração, uma pequena quantidade de vinho.
Ora, pela lei “politicamente correta” – segundo a qual qualquer quantidade afeta necessariamente as habilidades dos motoristas – aprovada com grande estardalhaço midiático, multas elevadíssimas e até pena de prisão serão aplicadas aos motoristas que tenham consumido até mesmo um bombom com licor, pois a tolerância é zero.
Ora, como os sacerdotes católicos não podem deixar de rezar a missa diária e nem de atender os fiéis em diversas igrejas e lugares para os ofícios – como ministrar extrema unção em hospitais,
Ora, qualquer deles está sujeito, numa “blitz”, a ser multado e, na reincidência, preso, em fantástica violação ao art. 5º inciso VI da Constituição Federal, que proíbe qualquer limitação ao culto das religiões, cujo livre exercício é assegurado, sendo inviolável a liberdade de crença.
A lei de tolerância zero, que cerceia a liberdade de culto –culto este que tem 2.000 anos no mundo inteiro e em todos os países, até mesmo na maioria dos islâmicos— é, neste particular, manifestamente inconstitucional, pois impede o exercício da atividade pastoral dos sacerdotes católicos apostólicos romanos, proibindo-os de dirigir os seus próprios carros para atender os fiéis nos casos em que sua presença se faz necessária, desde o nascimento até a morte (batismo, casamento, extrema unção e encomenda de corpo).
Assim, caso algum sacerdote seja multado ou preso por exercer sua atividade, poderá ser arguida a inconstitucionalidade manifesta da lei, que representa o cerceamento de sua ação pastoral.
Em minha opinião, caberia, inclusive, ação direta de inconstitucionalidade pela qual, conforme jurisprudência pacífica no STF, a inconstitucionalidade seria decretada SEM REDUÇÃO DO TEXTO LEGAL, que seria mantido, exceto nessa hipótese.
Pessoalmente, entendo que é uma lei contrária à lógica e à razão. Deveria ela punir apenas aqueles que tivessem bebido quantidade de álcool suficiente para afetar suas habilidades de motorista, e não, partir do pressuposto, absolutamente imbecil, de que qualquer gota de álcool pode afetar tais habilidades. O problema é sempre o mesmo: as autoridades querem se eximir de fiscalizar.
Como dá mais trabalho verificar se o condutor ingeriu a dosagem mínima que a lei admite, adotam a “tolerância zero”. Com isso, NO BRASIL, TODOS OS QUE COMEREM UM BOMBOM COM LICOR, TORNAM-SE INABILITADOS PARA DIRIGIR, PORQUE TÊM, POR FICÇÃO, SUAS FACULDADES MENTAIS AFETADAS.
Ora, o “politicamente correto” não pode excluir a razoabilidade! Sob pena de se transformar em “estupidez politicamente correta”, que ficará no anedotário da história, para as futuras gerações.
(Diário do Comércio, 06/02/2013, Opinião)