COMPROMISSO COM A MENTIRA

 Percival Puggina

É de autoria da jovem escritora norte-americana Veronica Roth a observação, tão interessante quanto significativa, que determinou o título deste artigo: a mentira exige compromisso. De fato, quem mente faz um pacto com essa falsidade, agravando de modo crescente seus efeitos e a corrupção da própria consciência. O que descrevi ganha enorme significado no campo político. Neste caso, a mentira pode fraudar a democracia e determinar as mãos para onde vai o poder; pode frear e inibir a Justiça; pode promover a injustiça e pode causar severos danos aos indivíduos e ao interesse público.

Imagine agora, leitor, quanto mal pode advir quando a mentira, corrupção da verdade, é repetida milhões de vezes por multidões que, deliberada ou iludidamente, a reproduzem sem cessar como papagaios de barbearia. Temos visto muito disso por aqui. Impeachment é um instrumento constitucional da democracia, de rito lento e severo definido pelo STF, que exige quorum elevadíssimo em sucessivas deliberações nas duas casas do Congresso. No entanto, sua legitimidade vem sendo contestada através de uma mentira que me recuso a reproduzir aqui em respeito ao leitor cujos ouvidos, certamente, já doem de tanto a escutar.

Agora, um novo mantra está em fase de propagação. É o tema deste artigo. Ouvi-o pela primeira vez há poucos dias: “Se Temer assumir vai acabar com a Lava Jato”. Ué! Em seguida ouvi novamente. E de novo, e de novo. A mentira passou a ser difundida por uma nuvem de papagaios. Em bem pouco tempo, como era de se prever, de tão repetida a mentira virou assunto de entrevistas e comentários em rádio e TV. Ora, quem ouviu a mentira várias vezes proferida por repetidores comprometidos, viva voz ou nas redes sociais, e logo vê o tema sendo abordado em meios de comunicação, aos poucos passa a entender como informação aquilo que repetidamente ouviu. É gigantesca a disparidade de forças entre a verdade e a mentira incansavelmente proferida!

Vamos à verdade. Quem tentou controlar a operação Lava Jato foi o governo. Quem manifestamente odeia o juiz Sérgio Moro são: a presidente Dilma, o ex-presidente Lula, seu partido, seu governo e seus seguidores. Eram os parlamentares do governo que assediavam José Eduardo Cardozo enquanto foi ministro da Justiça para que contivesse as ações da Polícia Federal. Foi por pressão partidária, especialmente de Lula, que ele deixou o ministério onde seu sucessor, o ministro Aragão, já no dia da posse, começou a ameaçar a Polícia Federal. Ou não? Num país onde os absurdos se sucedem abundantes, em cascata e por dispersão, as pessoas esquecem essas coisas e abre-se o campo para quem mantenha relação descomprometida e inamistosa com a verdade.

Ninguém pode deter a operação Lava Jato. Ainda que alguns parlamentares investigados por ela tenham se mudado do governo para a oposição, a operação funciona numa esfera que não pode ser alcançada por cordéis acessíveis aos comandos políticos. O governo, que descobriu ser inútil sonhar com isso, também sabe que pode se valer da ideia para propagar uma falsidade que lhe convém.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

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