Gustavo Zucchi
Eu havia prometido a mim mesmo que não comentaria a atual campanha eleitoral. Mais por medo de gastar tempo e palavras com mais uma análise vazia e sem sentido do que por qualquer outra razão. Entretanto, uma característica tem chamado atenção dentre os especialistas eleitorais: ter religião virou crime. Candidato perfeito tem que ser ateu. Professar uma fé virou automaticamente um defeito que o impede de exercer a função de homem público.
Mais do que isto, ao ser ateu a opinião deve ser necessariamente à favor do aborto, da descriminalização das drogas e da legalização do casamento entre homossexuais. Afinal, o único motivo de ser contra estes temas seria a moral religiosa. O mundo mágico de Sakamoto, onde todos seriam livres para escolher entre diversos tons de vermelho (não que o atual cenário seja muito diferente…)
De cara já aviso que isto não é uma defesa da candidatura de Marina Silva. Não sou nem mesmo eleitor de sua chapa (verde por fora, vermelha por dentro). Mas o que me chamou a atenção para o tema foi justamente a participação dela no Jornal da Globo, na última segunda-feira (02) e o crime que parecia ter cometido ao utilizar a bíblia na hora de tomar decisões. Como bem respondeu, não seria algo diferente de gente que procura nas artes ou na literatura fonte de inspiração (e dá-lhe citações de Clarice Lispector e Sun Tzu). Além, é claro, da confusão com seu programa de governo.
E se ela fosse contra instituir casamento para casais homossexuais? Ela necessariamente teria essa posição por ser evangélica? Ela não poderia querer discutir o que é o casamento civil, qual a função do Estado em regular este tipo de união de forma específica e se este direito, originalmente concedido a relações entre homem e mulher, poderia ser expandido? E se a conclusão for não, isto necessariamente a transforma em um Mahmoud Ahmadinejad, querendo que gays sejam pendurados pelos tornozelos em praça pública?
Querer transformar o debate de temas morais e sociais (aborto, drogas, união homossexual) em um confronto entre Estado laico x teocracia é de uma trapaça inacreditável mesmo vindo da boca de notórios trapaceiros. Quem coloca estes temas como algo estritamente religioso é justamente quem NÃO quer debater, que quer atribuir a divergência de pensamento um ar de retrógrado. Como diz Jean Wyllis em seu blog, Marina está ligada a “dogmas fundamentalistas” e por isso, e apenas por isso, ela não concorda com a militância dele.
Nem mesmo o mais religioso dos candidatos justificaria sua opinião sobre um tema moral com algo do tipo: “Deus não permite”, ou “sou contra porque está na bíblia”. O Estado é laico, ou seja, abre um espaço igual para todas as religiões para não privilegiar nenhuma. Diferente de antirreligioso, como gostariam muitos. Discutir aborto, união gay e drogas e ser contra estes temas não é uma “concessão religiosa em um Estado laico”, é simplesmente ser cidadão.
4 de setembro de 2014 às 00:21
Gustavo Zucchi é jornalista e repórter de esportes de O Estado de S. Paulo