LAICISMO, CULTURA E COMBATE A SÍMBOLOS RELIGIOSOS

 

Valter de Oliveira

29/08/2008

Tem aumentado no Brasil, e no mundo, ações de minorias que combatem o uso de símbolos religiosos em órgãos ou espaços do Estado. Nada de crucifixos, por exemplo, em tribunais, escolas, hospitais ou quaisquer outras  repartições públicas. Razões? Basicamente duas: 1. O Estado é laico.   2. Não se pode aceitar um privilégio católico. Seria uma ofensa a pessoas de outra fé.   Assim, dizem alguns, juridicamente a presença dos símbolos religiosos estaria ferindo a Constituição do Brasil.

Por adotar tal modo de pensar a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, no dia 31 de julho passado, propôs uma ação civil pública para obrigar a União a retirar os símbolos religiosos dos órgãos federais no Estado de São Paulo.

Aqui quero enfatizar um ponto abordado por intelectuais católicos e líderes religiosos que escreveram artigos em defesa de símbolos religiosos: o divórcio existente entre as idéias e as pretensões dos laicistas e a cultura de um país. No caso, com a cultura brasileira.

Com efeito, quando leio seus textos ou artigos mais me convenço do absurdo que propõem; mais percebo que vivem desvinculados da sociedade, da cultura do povo. São “elitistas” que se arvoram em defensores de um modelo de estado impregnado de ateísmo e, a partir daí, querem impor uma ditadura legalista sobre toda a sociedade. Vamos aos fatos.

É verdade que o Estado brasileiro é laico, como acontece com a maior parte dos Estados no mundo contemporâneo. Agora, meu caro leitor, pergunte a seus amigos e vizinhos o que é laicismo. E peça a eles para explicar a diferença entre laicismo e laicidade. Errarei se afirmar que a maioria não saberá responder?

Garanto-lhe que mais de 90% de brasileiros tampouco sabem. Não é tema de conversa de povo. É papo de intelectual. Papo de minoria.(1)  Só que, no caso,  temos uma minoria  que quer nos fazer acreditar que seu modo de pensar é o desejado pelo povo. Ou que julga que interpreta corretamente o que é bom para a sociedade.

Observem um dos pontos alegados para se acabar com símbolos religiosos em locais públicos: seriam ofensivos para pessoas de outras religiões. Como sabem? Fizeram algum plebiscito?

O que vemos em nossa sociedade, o que sentimos em nosso povo, é um verdadeiro pluralismo e respeito por várias formas de expressão religiosa. Está ligado ao modo como recebemos todos os povos, como vemos as outras culturas e, portanto, até religiões. Somos o país do sincretismo. Não é verdade que umbandistas vão lavar as escadarias do Senhor do Bonfim em nossa querida Bahia? Que muitas pessoas que se dizem espíritas, casam na Igreja e batizam seus filhos? Não temos judeus e muçulmanos participando de reuniões em igrejas católicas? Sentem-se ofendidos diante das imagens religiosas?

Um Estado, seja ele religioso ou laico, não pode estar desvinculado da cultura de seu povo. A não ser que esta violasse princípios fundamentais da lei natural. Como o direito à vida, por exemplo.(2)

Alguém em sã consciência acredita que o Estado de um país muçulmano não deve levar em conta a fé de seu povo? Ou que seria boa política o Estado de Israel abolir o descanso aos sábados por respeito a cristãos ou a ateus?

O que vemos no mundo é não só os Estados respeitarem suas culturas, mas ainda aceitar que organismos internacionais também os levem em conta. É o caso da Cruz Vermelha Internacional.

A Cruz Vermelha é uma instituição que nasceu no Ocidente. E escolheu a cruz como seu símbolo. E é respeitada por todos os Estados laicos.(3)

E não me consta que alguém haja reclamado porque os países muçulmanos criaram o Crescente Vermelho.

Ambas as instituições estão preocupadas com a vida de seres humanos. Sem qualquer forma de discriminação. Todos reconhecem seus insignes serviços.

Agiriam corretamente os pacientes atendidos por essas instituições se protestassem contra elas pelo uso de símbolos religiosos?

Seria ótimo se certos “intelectuais” tivessem um pouco mais de contato com o povo. Teriam mais bom senso.

Por não tê-lo, por estarem dissociados de seus povos é que governos laicistas – e semelhantes – resolveram exterminar quem se opôs a eles. Como o fizeram os jacobinos durante o Terror, nos tempos de Robespierre.

É tema para outro artigo.

NOTAS

1. O que não significa, obviamente, que não tenha importância.

2. Os ingleses, ao dominar a Índia, proibiram que viúvas fossem cremadas vivas por ocasião do funeral de seus maridos.

3. A Cruz Vermelha foi idealizada pelo suíço Henry Dunant e fundada em 1863.

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