YUSSIF ALI, MERE JR.
15/01/2013
No final de 2012, o Sindicato dos Hospitais do Estado de São Paulo (Sindhosp) fez um alerta público sobre fechamento de mais de 600 leitos psiquiátricos em território paulista, consequência da extinção de dois hospitais especializados na região de Sorocaba. A medida segue uma linha de raciocínio, uma ideologia, na qual os hospitais não são mais necessários à rede de atenção à saúde mental do País. Semanas após o alerta, outro baque veio à tona: as prefeituras de Sorocaba, Salto de Pirapora e Piedade assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Públicos Federal e o Estadual, comprometendo-se a transferir 2.700 pacientes, hoje internados, para comunidades terapêuticas e Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) num período máximo de três anos.
Enquanto isso, na capital, o governador Geraldo Alckmin anunciou, nos primeiros dias de 2013, que o poder público investirá na internação compulsória de viciados em crack. Segundo o governo, esses pacientes serão encaminhados ao Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), serviço inaugurado na região da Nova Luz justamente para tentar atender às necessidades daqueles que habitam as cracolândias da região central da cidade.
O problema das drogas, no entanto, não acaba nos limites da Grande São Paulo. Em especial o do crack, que ganha novos adeptos a cada ano e já constitui uma questão de saúde pública. Pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), amplamente divulgada em 2010, revelou que 98% de 3.950 cidades brasileiras já enfrentam problemas com o crack. O trabalho da CNM não se encerrou na pesquisa e ganhou continuidade com o lançamento de um Observatório do Crack, que revelou recentemente outro dado preocupante: 9% dos municípios paulistas registraram, em seus serviços de saúde, mais atendimentos relacionados ao crack do que ao álcool. Em 47% das cidades, o crack também já é o primeiro motivo de atendimento entre as drogas ilícitas.
Estima-se que no Brasil 2 milhões de pessoas sejam usuárias de crack. Esse número pode estar negligenciado, dizem especialistas. Além dessa grave epidemia, vivemos uma crescente demanda por atendimentos em saúde mental, que deve agravar-se até 2020, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A depressão, por exemplo, chegará a ocupar a segunda posição entre as doenças mais recorrentes no mundo. Hoje ela afeta 340 milhões de pessoas e é responsável por 900 mil suicídios/ano. Não à toa, uma das principais campanhas deflagradas pelo órgão em 2012 foi “Investir em Saúde Mental”. Segundo a OMS, faltam recursos financeiros e profissionais capacitados, principalmente em países de baixa e média renda.
Caso do Brasil, que investe apenas 2% de seus recursos federais reservados à saúde para a assistência em saúde mental. Nosso país também ignora terminantemente as recomendações da OMS de se manter um leito psiquiátrico para cada mil habitantes. Em São Paulo, o maior polo de saúde do País, temos pouco mais de 13 mil leitos de internação para o tratamento de doentes mentais. Isso equivale a uma relação de 0,23 leito por mil habitantes. A média nacional é ainda pior: são 35 mil leitos, ou 0,18 para cada grupo de mil habitantes.
Os números preocupam porque revelam um cenário sucateado, cuja rede de atenção simplesmente inexiste. É a chamada desassistência, que deixa na mão aqueles que precisam de internação e também os que necessitam de acompanhamento psicológico e social para seguir o seu caminho. Afinal, os Centros de Atenção Psicossocial, propagados como serviço de primeira ordem na hierarquia da política do Ministério da Saúde, ainda são insuficientes para atender à demanda de indivíduos que precisam de continuidade no tratamento. Aliás, a rede de atenção à saúde mental deve contemplar todas as fases do tratamento, incluindo o hospital especializado, os CAPs, residências terapêuticas e outras formas de atendimento extra-hospitalar.
Sem entrar no mérito da polêmica da internação compulsória e partindo do princípio de que haverá vaga para todos os viciados em crack, pergunto-me: para onde serão encaminhadas as pessoas após o período de internação e desintoxicação? Sabe-se, por exemplo, que, mesmo sob acompanhamento médico e psicossocial, usuários de crack reincidem na droga em 70% dos casos.
Embora tenhamos todos a convicção de que o modelo dos manicômios tenha ficado para trás, não podemos aceitar, enquanto representantes da sociedade civil organizada, que a população fique sem assistência. E que os hospitais especializados sejam sufocados pelo Ministério da Saúde, por causa de uma política irresponsável de pagamentos irrisórios, obrigando essas instituições a fechar as portas. Só para ter uma ideia, o Sistema Único de Saúde (SUS) reembolsa uma diária hospitalar em saúde mental a partir de R$ 35, incluindo cinco refeições, atendimento médico, de enfermagem, medicamentos, terapia ocupacional e tudo o que envolve a especialidade. Essa prática levou, de 2001 para cá, ao fechamento de 84 mil leitos psiquiátricos no País.
Afinal, para onde irão os viciados em tratamento? Para onde seguirão os 2.700 pacientes internados em hospitais psiquiátricos na região de Sorocaba? Para onde irão os esquizofrênicos graves, os que estão em surto psicótico, os que correm risco de suicídio? Os hospitais psiquiátricos podem e devem existir, como um braço de assistência para os casos graves, que necessitam de internação e cuidados especiais. É preciso acabar com a inquisição propalada pelos movimentos antimanicomiais, que contaminaram as esferas de governo. É preciso focar nossos esforços, acima de tudo, na prevenção e na educação da sociedade sobre como lidar com os nossos pacientes, muitos deles ignorados pelas famílias e marginalizados aos nossos olhos anestesiados pela suposta normalidade.
YUSSIF ALI, MERE JR. MÉDICO, É PRESIDENTE , DO SINDHOSP, YUSSIF ALI, MERE JR., MÉDICO, É PRESIDENTE , DO SINDHOSP – O Estado de S.Paulo