Percival Puggina
O Senado Federal decidiu. Quer ser aquilo que vem sendo – um poder nanico, reles, de meia pataca. Não creio que exista na história universal algo semelhante ao que passa a constar da biografia de Renan Calheiros: um senador que tendo renunciado à presidência do poder de modo vexatório, por pressão dos colegas, denunciado por conduta indigna, retorna ao posto, cinco anos mais tarde, arrebatando voto e aplauso de setenta por cento de seus pares.
Alguém poderá dizer que não existem mais senadores biônicos, que todos estão lá pelo sufrágio de seus concidadãos. É verdade. O pior é que é verdade. A maioria dos eleitores alagoanos, de fato, não leva muito em consideração as virtudes morais e cívicas de seus escolhidos. Lá, o que mais conta numa campanha eleitoral é a conta a mais que se tenha no banco. Um povo pobre, com o pior índice de desenvolvimento humano, a maior taxa de analfabetismo e o terceiro menor PIB per capita do país tem exigências que não vêm do espírito mas do aparelho digestório. Critique-se, então, as elites alagoanas e não o povo por suas péssimas contribuições ao Congresso Nacional.
No entanto, bem diferente é o que acontece quando o Senado, ou melhor, a ampla maioria dos senadores referenda a escolha dos desvalidos e pouco exigentes alagoenses e reconduz Renan Calheiros à presidência do Congresso. O homem da boiada mais valiosa do Brasil tornou-se o terceiro na sucessão presidencial. E veja bem o leitor: os senadores que o consagraram com seus votos secretos e que destapadamente o aplaudiram têm IDH altíssimo, invejável PIB per capita, são alfabetizados e ocupam a tribuna com frases que parecem provir de espíritos elevados. Há cinco anos, narizes torcidos, se retiravam do plenário quando Renan aparecia para presidir a sessão. Negavam-lhe cumprimento, mudavam de calçada. O homem não entrava em casa de respeito. Agora o aplaudem.
Eu me lembro, eu me lembro. Eu me lembro do PMDB que mobilizou o país nos anos 80 com homens da mais elevada estatura moral. Eu me lembro do PT crescendo sem poder nem obras, como partido político de massas, eleição após eleição, tendo como ferramenta de maior serventia o lança-chamas das suspeitas com que – justa e injustamente – fazia arder a honra de seus adversários. Quanto fingimento! E agora, senhores? Tendes os pés enfiados na lama dos maus negócios, depreciais a democracia que outrora desprezáveis, andais com os piores dentre os piores. Aviltais a política, tendes o parlamento a soldo. Para escândalo da pátria, numa expiação às avessas, jogais no precipício as virtudes que ela civicamente reclama.
Renan presidente do Senado serve ao projeto de poder? As ordens do governo serão obedecidas? Então, Renan neles! Quanto pior, quanto menor, quanto mais nanico, quanto mais comercial for o parlamento, melhor para o Palácio do Planalto. Sabem por quê? Porque aquele poder, em tudo que realmente interessa, é igualmente nanico, reles, de meia pataca. Seria incompatível com um legislativo que se desse o respeito.
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* Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia e Pombas e Gaviões.