PUXADINHO SEM FRONTEIRAS


O Estado de S.Paulo

Com menos de dois anos, o programa Ciência sem Fronteiras, uma iniciativa acertada do governo federal, já começa a mostrar sinais de que está contaminado pela cultura do “puxadinho”, que tão bem tem caracterizado a administração da presidente Dilma Rousseff.

O Ciência sem Fronteiras tem como objetivo internacionalizar o ensino superior no País, por meio da concessão de bolsas de estudo em universidades competitivas no exterior. A intenção, alardeia o governo, é “investir na formação de pessoal altamente qualificado nas competências e habilidades necessárias para o avanço da sociedade do conhecimento”. Ainda se espera que esse objetivo seja alcançado, porque esse é um dos fatores dos quais depende o pleno desenvolvimento do Brasil, mas multiplicam-se evidências de que, por trás do palavrório repleto de boas intenções e metas ousadas, viceja a conhecida inépcia da administração lulopetista.

Um exemplo escandaloso disso é a decisão do governo de diminuir a exigência de conhecimento de alemão, francês, inglês e italiano para seleção de bolsistas, de modo que os candidatos com nenhum domínio desses idiomas poderão participar do programa. Com a medida, o governo pretende conseguir cumprir sua promessa de enviar 101 mil bolsistas ao exterior até 2015 – até agora, graças em grande parte ao obstáculo do idioma, apenas 22% dessa meta foi atingida. O governo oferecerá aulas intensivas de idiomas, de até dois meses, para tentar compensar a deficiência dos candidatos, mas especialistas salientam que isso não basta, já que os cursos na área tecnológica, principal foco do programa, exigem pleno domínio da língua em que são dados. Em dois meses, é improvável que os bolsistas possam atingir esse nível de proficiência. O governo reduziu a tal ponto a exigência de domínio do inglês que, no caso da seleção de alunos dos Institutos Federais de Educação Tecnológica e das Faculdades de Tecnologia (Fatecs) para estudar nos Estados Unidos, o candidato ganhará a vaga mesmo se não conseguir manter uma conversação básica. Não é possível imaginar que um bolsista com essas credenciais consiga ser bem-sucedido nas melhores universidades americanas e europeias.

Ante a evidente limitação de muitos candidatos, vários deles têm optado por concorrer a bolsas para estudar em Portugal, para driblar o obstáculo da língua. O problema é que a maioria dos bolsistas optou por universidades portuguesas que são consideradas mais fracas que as brasileiras, apesar do Ciência sem Fronteiras propagandear que tem convênios com “as melhores universidades do mundo”. Um desses estudantes, ouvido pelo Estado (5/3), disse que o importante não era o curso em si, mas o “contato com a cultura europeia” – uma espécie de turismo à custa dos cofres públicos.

Para tentar contornar o problema, a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) ofereceu a esses alunos em Portugal a oportunidade de estudar nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e em outros países com universidades de ponta – sem necessidade de passar por teste de proficiência.

A precariedade do Ciência sem Fronteiras não é uma novidade. Entre 2011 e 2012, muitos dos estudantes enviados ao exterior receberam da ajuda prometida apenas a passagem aérea, e ficaram um bom tempo sem dinheiro para pagar o aluguel, a alimentação, os livros, o plano de saúde e o transporte.

Essa situação constrangedora é mais uma a revelar as práticas de um governo que precisa produzir continuamente números vistosos para alimentar seus slogans eleitoreiros, enquanto faz remendos grosseiros para esconder a fragilidade de suas alegadas conquistas.

Não se esperava que um programa com essa magnitude fosse isento de problemas e contratempos. No entanto, é notável que, na cartilha da administração petista, quando se trata de corrigir falhas e rumos, recorre-se, como regra, ao improviso. Enquanto isso, o Ciência sem Fronteiras, numa flagrante contradição em termos, seguirá formando esforçados monoglotas.

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