QUAL É A VERDADEIRA EFICÁCIA DA CORONAVAC?

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Fernando Reinach

O importante é separar o que é ciência das promessas políticas dos governantes

Preciso começar pedindo desculpa aos meus leitores. Semana passada comprei gato por lebre ao dar crédito ao anúncio emocional do vendedor de ilusões que preside o Instituto Butantã. Acreditei, sem examinar os dados, que a eficácia da Coronavac era 78%. Quem escreve sobre ciência não pode sofrer relapsos do tipo. Mas como imaginar que Dimas Covas, após meses de sucessivos adiamentos do anúncio da eficácia, iria, ao lado do governador e de diversos cientistas, divulgar, emocionado, como eficácia um “recorte” dos resultados? Mas essa semana eu estava preparado e resolvi olhar os dados apresentados com todo o cuidado e, com ajuda de amigos epidemiologistas e engenheiros, refiz as contas com os dados apresentados na coletiva. E o resultado é que a eficácia, como definida em qualquer livro de epidemiologia, é de 49,69%. O anunciado 50,38% só é obtido se os dados forem ajustados usando algum método que não foi explicado na coletiva ou mencionado na apresentação.

Mas primeiro é importante entender o que quer dizer o termo “recorte” quando empregado na análise de dados. Imagine que uma revista automotiva faça uma pesquisa sobre o aparecimento de defeitos em um modelo de carro. Para tanto, pergunta para todos que compraram o modelo nos últimos 12 meses que defeitos foram observados. Imagine agora que ao apresentar os resultados ela afirme que o resultado da pesquisa é que o carro não apresenta defeitos no 1.º ano de uso. 

Se compradores reclamam de defeitos nos carros, ela explica que apresentou só um “recorte” dos dados: compradores com mais de 80 anos que dirigiram menos de 150 km no 1.º ano, e nesse recorte não foram observados defeitos. Se o recorte incluísse só taxistas que rodaram mais de 20 mil km, o total de defeitos seria enorme. Fazer recortes em dados é prática comum, nos ajuda muito a entender o resultado da pesquisa, mas quando se faz um recorte, a honestidade intelectual exige que ele seja explicado em detalhe para não haver dúvida do que está sendo reportado. 

No único slide apresentado semana passada, Covas não explicitou que os 78% eram um “recorte” e essa explicação só apareceu nos dias seguintes. Além disso, no slide apresentado apareceram várias linhas que indicavam 100% de eficácia da vacina em evitar mortes e internações em UTIs. Uma afirmação impossível de fazer com os poucos dados coletados. Essa semana o Butantã teve de voltar atrás e dizer que essas afirmações não tinham significado estatístico – poderiam ser mero acaso. Não há garantia absoluta que quem tomar a Coronavac, ou qualquer outra, não pode ter caso muito grave.

Vamos examinar os dados apresentados pelo Butantã no slide 20, quando aparece pela 1.ª vez o número 50,38%. O primeiro que chama a atenção é que, se somarmos o total de pessoas que recebeu a vacina (4.653) com o número dos que receberam placebo (4.599), obtemos 9.252. Esse número, por razões não explicadas, é maior que o total de participantes do estudo citado no mesmo slide (9.242). Essa diferença de dez aparece em vários outros slides. Agora, calculamos a eficácia usando sua definição, que consta em qualquer livro de epidemiologia. É preciso calcular a razão entre duas frações.

Instituto Butantã apresentou os dados dos estudos clínicos da Coronavac na terça-feira, 12 Foto: Instituto Butantã/Reprodução

Primeiro se divide o número de pessoas que tiveram covid no grupo de vacinados pelo número de pessoas nesse grupo. Depois se divide o número de pessoas que tiveram covid no grupo controle pelo número de pessoas que participaram desse grupo. Finalmente, se divide o resultado da 1.ª conta pelo resultado da 2.ª conta e se subtrai esse número de 1. Fica assim quando usamos os números do slide: 1-(85/4.653)/(167/4.599). 

Fazendo essa conta, você chega a 0,4969 ou seja 49,69%, claramente menor que 50%. Mas não foi a conta que o Butantã fez. Ele deve ter introduzido uma correção, provavelmente usando os números pequenos entre parênteses no slide, mas não foram mencionados. Se essa correção é válida ou não, eu não sei e isso é problema para epidemiologistas e a Anvisa decidirem. O fato é que, pela definição de eficácia encontrada nos livros, é 49,69%. A diferença entre 50,38% e 49,69% é muito pequena e não muda significativamente a eficácia. Talvez a correção usada faça todo sentido, mas faltou honestidade intelectual ao Butantã.

Finalmente, uma observação sobre segurança. É verdade que nenhum caso grave de efeito colateral foi observado, mas é bom lembrar que se esses efeitos graves forem raros, ocorrendo por exemplo em 1 em cada 20 mil vacinados, os estudos maiores, com 20 mil vacinados, têm uma chance maior de detectar esses casos que o estudo do Butantã que vacinou 4.653 pessoas.

Escrevo não para argumentar que a Coronavac é ruim ou que não deva ser aprovada. É ela que temos como opção e provavelmente será aprovada se a Anvisa não achar mais erros nas supostas 10 mil páginas de documentos. O importante é aprendermos a separar o que é ciência, e a honestidade intelectual esperada de cientistas, das promessas políticas dos governantes. Como já havia dito antes, para mim Covas deixou de ser cientista e passou a ser político, um vendedor de ilusões.

MAIS INFORMAÇÕES: Field evaluation of vaccine efficacy. Bulletin of the World Health Organization, vol. 63 pag. 1055 1985

 * FERNANDO REINACH É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS.

FONTE: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,qual-e-a-verdadeira-eficacia-da-coronavac,70003580581

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