por Bruno Garschagen.
– O PT e a sua candidata ganharam a eleição, mas não venceram a batalha política, mesmo tendo à disposição a máquina estatal, a profissionalização do aparelhamento e as décadas de militância e doutrinação ideológica. A prova foi a eleição apertada e a significativa quantidade de pessoas que achou que o melhor (para elas) era não votar. Se o PT e a sua candidata tivessem sido, de fato, os vencedores da luta política, o percentual de votos teria sido maior e os brasileiros que queriam demiti-los não teriam se mobilizado de forma tão intensa na campanha, mesmo não sendo eleitores do PSDB nem de Aécio Neves. Isto tudo é extremamente relevante.
– A presidente eleita e o seu governo saem enfraquecidos com o resultado das urnas, inclusive pelas conquistas da oposição nas cadeiras do Congresso e nos governos estaduais. Portanto, não têm legitimidade para enfiar goela abaixo do parlamento e dos brasileiros as propostas intervencionistas e antiliberais de praxe. Não ter legitimidade não quer dizer que não o farão. Significa que, se o trabalho for inteligente, essas ações podem ser neutralizadas. Mas não se pode dormir nem acreditar que a oposição formal faça o seu trabalho espontaneamente. Terá que ser provocada o tempo inteiro.
– Quem sai politicamente vitorioso da eleição é o brasileiro que voluntária e espontaneamente trabalhou para demitir um governo que não o representava, nem que para isto fosse preciso conceder a vitória a um candidato que também não o representava, mas que não encarnava uma natureza e uma prática ideológica fundamentada num autoritarismo metodológico e instrumental. A participação intensa dos brasileiros na eleição, que não se restringiu às redes sociais, mostra que se esse envolvimento for duradouro e não se limitar à véspera da eleição, as chances de demitir um candidato no futuro serão muito maiores.
São constatações relevantes para o trabalho de oposição daqui em diante.
– Todos os que trabalharam para demitir o PT do governo, incluindo os partidos, devem aproveitar o momento para fazer a oposição contundente de alto nível que jamais se fez para o bem do país, algo que o PT desconhece e que jamais faria caso tivesse perdido. Os petistas, na oposição, teriam seguido o método de sempre para destruir quem estivesse no comando político do país e assim beneficiar-se do caos.
– A melhor oposição da sociedade, e a dos partidos não alinhados com o PT, será aquela que pressionar os políticos e os governos para que neutralizem o projeto político do partido e que atue para forçar os políticos a deixarem de atrapalhar as nossas vidas. Oposição vigorosa, séria, implacável, fundamentada, sem moleza nem maluquice. Se o governo do PT fizer nos próximos quatro anos o que fez nos quase quatro anos de governo até agora, seremos todos prejudicados e ainda teremos que pagar a conta.
– O Brasil já estava politicamente dividido e isto é uma grande notícia. Esta eleição mostrou que parte numerosa dos brasileiros não está com o PT nem com o PSDB. Também mostrou que a parcela dos eleitores que votou no PT é formada por aqueles que estão ideologicamente e moralmente alinhados com o partido; por aqueles que, embora não alinhados, acreditam no PT; por aqueles que não votam no PSDB; e por aqueles que votam porque dependem do governo.
A parcela de eleitores que não votou no PT é composta por pessoas que queriam demitir o PT do governo; que queriam alternância de poder; que estavam de alguma maneira desiludidas com o PT; que não estavam ideologicamente e moralmente alinhadas com o PT; que não são eleitoras do PSDB; que são eleitoras do PSDB ou de outros partidos.
– Os insultos contra os nordestinos, ou contra quaisquer indivíduos das regiões que votaram em massa no PT, terão como resultados nefastos reforçar o discurso dos petistas baseado na divisão entre ricos e pobres, pretos e brancos et caterva, e manter as pessoas economicamente vulneráveis no colo do partido, além de agredir estupidamente todos aqueles que nesses lugares trabalharam bravamente contra a reeleição da presidente. Uma simples análise do mapa de votação por estado mostrará que, embora a concentração seja maior no norte e no nordeste, em vários outros pontos do país o PT foi o mais votado. Minas Gerais é o exemplo mais notável e emblemático.
– A derrota de Aécio Neves em lugares antes considerados improváveis como Minas Gerais merece reflexão. Os mineiros que votaram contra Aécio o conhecem melhor do que o resto do país. Quando Marina Silva subiu no foguete após a morte de Eduardo Campos eu até brinquei no Facebook perguntando se Aécio era candidato. Ele parece ter acordado e decidido efetivamente trabalhar como tal na véspera da eleição. Só teve a votação que teve porque parte da sociedade brasileira se mobilizou para demitir o PT, não porque foi persuadido de que ele era o melhor candidato.
– Separar o país não irá resolver o problema das regiões mais pobres. A pobreza e a dependência estatal de uma grande parcela da população e a falta de capitalismo positivo são os principais problemas de regiões como o Norte e o Nordeste. Quanto menos prosperidade, mais dependência, mais governo, mais servidão.
– As reações no sentido de transferir ao governo e aos petistas a ajuda aos mais necessitados só reforça a mentalidade estatista e a dependência de parte da população, ratificando o discurso torpe feito pelo PT. Quanto mais a sociedade ajudar voluntariamente quem precisa e fazer com que eles menos dependam (ou deixem de depender) do governo, melhor para os brasileiros e pior para os políticos que conquistam seu eleitorado com esse tipo de relação.
– Precisamos de uma cultura política mais apurada baseada nas melhores experiências domésticas e internacionais. E é importante ter referências de homens que atuaram virtuosamente e fazem parte da história política do Brasil. Joaquim Nabuco é um exemplo dentre vários. É sofrível que num debate à presidência os nomes citados sejam os de José Simão e de Tancredo Neves.
– Por tudo o que se apresenta até agora, fruto de erros medonhos da presidente e de sua equipe, parece que enfrentaremos tempos difíceis e um governo que tem tudo para ser pior do que tem sido. Mas o país parece ter entrado num processo de construção de uma participação política mais ativa e não mais limitada aos partidos e aos seus militantes. Há muita gente disposta e disponível, e atuando em diversos segmentos e instituições, incluindo as estatais, para não deixar que os piores continuem a ditar o debate político e os rumos da política. E também para criar alternativas ideologicamente diferentes das que existem atualmente, incluindo outros partidos que representem pessoas que, como eu, hoje não têm qualquer opção de voto, a não ser negativa (demitir em vez de eleger).
Se essa participação for ampliada e lapidada, certamente veremos, no futuro, um debate político mais qualificado e políticos menos piores, mas, principalmente, viveremos numa sociedade que, em termos gerais, não vê mais o estado e o governo como os agentes mais importantes da vida social, política e econômica.
É um processo árduo e demorado, mas possível. Depende do que cada um de nós fizermos daqui em diante.
Artigo publicado em 27.10.2014
http://www.puggina.org/artigo/convidados/reflexoes-sobre-a-eleicao-presidencial-no-bra/1822