DOUTRINAÇÃO NAS ESCOLAS: A GUERRA CIVIL ESPANHOLA EM LIVROS DIDÁTICOS

Valter de Oliveira

“FAR-SE-Á intensa difusão da teoria socialista firmada no materialismo dialético, a fim de enraizar a cultura avançada entre as massas e consolidar o sistema do socialismo científico. A luta constante contra a ideologia burguesa, individualista e mesquinha, é fundamental para forjar culturalmente o novo homem e tornar definitivamente vitoriosos os ideais do proletariado revolucionário”. (Ponto 89 do Programa do PCdoB))

Introdução

Há tempos se afirma que há doutrinação esquerdista em nossas escolas e nos livros didáticos. A esquerda, na academia e na mídia, nega. Garante que há pluralismo de abordagem em ambos.

Quem tem razão?

Começo com algumas observações:

  1. Quando falamos em doutrinação da esquerda em livros didáticos – ou em sala de aula – não estamos nos referindo a um ensinamento explícito da doutrina marxista. Não é assim que se procura influenciar a juventude. Os métodos e estratégias de esquerdistas, socialistas e comunistas é mais sutil. É mais conveniente, por exemplo, insistir em uma visão economicista da história e em análises impregnadas dos erros das filosofias modernas. O processo tem de ser gradual  para não provocar reações indesejadas. A eficácia do método implica em  destilar o veneno sem que a vítima o perceba. (1)
  • Não é necessário que cada escritor de livro didático seja membro do partido socialista ou comunista para propagar valores e visões da esquerda. Tampouco é necessário ser marxista e claramente de má fé. É possível mesmo, como destaca Olivier Reboul alguém estar convencido de sua causa e, ainda assim, doutrinar. (2)
  • É importante notar que outro modo de favorecer as doutrinas de esquerda é a crítica clara ou velada dos princípios cristãos bem como a apresentação distorcida da história e da doutrina da Igreja Católica e do cristianismo em geral. No fundo procura-se desconstruir a cultura cristã que ainda resta na sociedade. Algo semelhante ocorre no modo que é feita a análise do capitalismo. Confundem-se sistematicamente abusos que existiram e – e existem – com a crítica amarga aos princípios do sistema.

2. Os manuais escolares

Creio que poucos de nós lemos um livro didático cujo autor tenha declarado que iria analisar a história tendo como base o famoso “socialismo científico” de Marx. (3) Entretanto, quem tem certo conhecimento na área de humanas  percebe, sem muito esforço, o esquerdismo no conteúdo de vários livros.

Neste artigo vou mostrar um modo mais sutil de se passar o viés revolucionário. Para isso analisei cinco livros didáticos de ensino médio. (4) Tema escolhido: a Guerra Civil Espanhola. (5)

Livro 1. Edição de 2003

Neste manual o autor, após expor a ascensão e as doutrinas do nazi-fascismo, explica a situação política na Espanha:

 “Em 1931, A Monarquia espanhola foi derrubada e proclamou-se a República. O governo transitório, liderado por Alcalá Zamora, realizou uma série de reformas com uma Constituição de caráter liberal, separou a Igreja do Estado, assegurou liberdade religiosa e fez uma reforma agrária”.

“Apesar do novo governo republicano e das reformas, os conflitos na Espanha continuaram: explodiram greves gerais e os movimentos separatistas (basco e catalão) fortaleceram-se. A esquerda se organizou em torno dos partidos Socialista e Comunista” .

Insatisfeitos com a reforma agrária, a movimentação dos operários e camponeses e o crescimento da esquerda, os setores mais conservadores começaram a conspirar contra o governo por meio da Falange, um grupo fascista ultraconservador liderado por José Antonio Primo de Rivera”.

“Nas eleições de 1936, republicanos, socialistas e comunistas uniram-se em torno da Frente Popular e chegaram à vitória. O governo, com maioria de esquerda, anistiou os presos políticos, retomou a reforma agrária e tentou implantar uma reforma educacional” . (p.341)

O livro 2, de 2008,   inicia a abordagem afirmando que as “doutrinas totalitárias de inspiração nazifascista surgiram em diversas partes do mundo. Foi o caso da Espanha, de Portugal e mesmo do Brasil”. E continua:

“Na Espanha, o general Francisco Franco,(…) apoiado por grupos representantes das mais tradicionais instituições da sociedade espanhola – o latifúndio, a Igreja Católica e o Exército , reuniu forças para lutar contra a República espanhola, instalada desde 1931.

 O terceiro autor – 2010 – analisa de modo semelhante o inicio do governo republicano espanhol e suas reformas. Acrescenta que (de um lado) “o movimento operário as considerava insuficientes. De outro, a direita monarquista e católica, assustada com o ritmo das mudanças, decidiu organizar um golpe de Estado. Assim, em julho de 1936, um grupo de generais, entre eles Francisco Franco, tentou depor o governo republicano.”

Na  continuação do texto é dito que:

Em consequência, uma sangrenta guerra civil explodiu em 1936,com o país dividido em dois grupos antagônicos: republicanos, liberais e socialistas de um lado, e monarquistas, fascistas e tradicionalistas, de outro, liderados por Franco. O conflito terminou em 1939, com a vitória das tropas franquistas, que haviam recebido apoio militar dos governos Mussolini e Hitler” (p.499).

Dois livros mais recentes, (2013 e 2017) seguem o mesmo esquema. 

Observações finais:

A essência da análise é a mesma:

  1. Nenhum dos manuais nos dá uma visão completa da situação da Espanha nos anos 30;
  • Afirma-se simplesmente que republicanos, socialistas, comunistas teriam feito algumas reformas para beneficiar o povo: reforma agrária, separação Igreja-Estado, liberdade religiosa, tentativa de reforma da educação. Resultado: desagradaram monarquistas, tradicionalistas, fascistas, que “articularam conflitos de rua”. Então, tiveram um líder fascista morto. Pronto: Franco começou o levante contra o legítimo governo republicano. Pior: apoiado por Mussolini e Hitler.
  • No frigir dos ovos fica a pergunta? Quem foram os vilões? Os fascistas de Franco, é claro!… Que venceu porque foi apoiado pelos inimigos do povo:  monarquistas, católicos, tradicionalistas…

Em suma: a tática é criar simpatia pelo esquerdismo. Explica-se, assim, porque até mesmo jovens pró capitalismo acreditam que os partidos de esquerda têm uma bandeira mais favorável aos pobres. E nem percebem a contradição…

 Alguém perguntará? – Mas o que há de errado na análise? Hitler não apoiou Franco?

Sim, mas isso é insuficiente para uma boa visão histórica.  A análise feita pelos livros é simplista, unilateral. Os autores não conseguem – ou não querem – mostrar de modo adequado a complexidade dos fatores que provocaram a Guerra Civil Espanhola.

É muito simplismo afirmar que monarquistas decidiram apoiar Franco porque não aceitavam a República; que católicos não queriam aceitar a separação da Igreja do Estado nem o ensino laico implantado pelo governo. Ou que a reforma agrária foi rejeitada porque os  latifundiários eram egoístas.

Havia muito mais a ser dito. Afinal muita coisa grave aconteceu. Nas propostas políticas e nas ações do governo. Tudo omitido. É razoável?

No próximo artigo, “Barbáries na Guerra Civil Espanhola” você terá a resposta.

Notas:

  1. PCdoB:  O programa deste partido claramente admite que usa uma estratégia gradualista para atingir seu objetivo final
  2. Reboul, Olivier. A Doutrinação. São Paulo, Companhia Editora Nacional/Edusp.1980, cap. II. O autor analisa a questão da sinceridade e/ou má fé do doutrinador. Alguns pontos: 1) “o doutrinador está a tal ponto convencido daquilo que prega, que admite certa distorção da verdade para convencer os outros da veracidade de sua causa. Assim, pode esconder certos fatos contrários à sua doutrina por pensar que ela o merece” (…); 2) “no mais das vezes, o doutrinador ignora totalmente que doutrina. É que abafa em si mesmo as objeções antes de abafá-las nos outros; é tanto mais fanático quanto menos seguro do que ensina; se mente, é primeiro, a si mesmo. Tal é a má fé: sinceridade adquirida com o enganar-se a si mesmo, com o abafar, em si, o que seria necessário de lucidez de espírito crítico para mudar de opinião” (…) – p. 28.
  3. Há livros claramente marxistas no ensino médio? Conheço um:  “História das Sociedades” Aquino, Denise, Oscar. Foi primeiramente editado em 78 – durante o governo militar – e ainda é publicado. A editora também publicou História da Sociedade Brasileira de Francisco Alencar, Lúcia Carpi Ramalho, Marcus Vinicius Toledo Ribeiro,,  – Rio de Janeiro, : Ao Livro Técnico. Meu exemplar é de 85.. Há outros autores que não escondem a simpatia por ideias e práticas mais socializantes.
  4. Inicialmente colocaria aqui os autores e editoras. Fiquei em dúvida se seria ético criticá-los publicamente. De qualquer modo o leitor pode consultar livros didáticos que possua. Ficarei surpreso caso encontre uma análise substancialmente diferente do que citei. Os dois livros mais recentes que tenho praticamente repetem o que disseram os 3 primeiros autores.
  5.  A análise não implica em negar aspectos positivos desses livros. Em alguns pontos já se despiram de antigos preconceitos. Apesar disso ainda  apresentam  falhas que não deveriam existir.

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