TEXTOS SOBRE O TOTALITARISMO – 1
A supremacia cultural modernista
(…)
“Havia, de fato, uma supremacia cultural modernista na Alemanha de Weimar. Isso era altamente provocador para os ultra-germânicos, que a denominavam Kulturbolschewismus. Durante toda a guerra, a imprensa ultrapatriótica alemã tinha avisado que a derrota faria triunfar a filosofia e a literatura ‘decadentes” ocidentais, (…)Weimar era um grande campo de batalha no qual o modernismo e o tradicionalismo lutaram pela supremacia na Europa e no mundo, porque em Weimar o novo tinha a seu lado as instituições, ou algumas delas. Também tinha a lei: a lei de censura de Weimar, embora ainda severa, era provavelmente a menos repressora da Europa. (…) Shows de boates e espetáculos em Berlim eram os menos inibidos de todas as maiores capitais. Peças, romances e até pinturas abordavam temas como a homossexualidade, o travestismo e o incesto. Foi na Alemanha onde os escritos de Freud foram os mais absorvidos pela intelligentsia e tiveram penetração numa variedade mais abrangente da expressão artística.
Uma inteligentzia que exasperava…através de uma guerra maligna e cruel.
A inteligentzia da esquerda sempre tentou, deliberadamente, levar os “pensadores da direita” da Alemanha à loucura. Durante muito tempo havia sido sufocada por uma sabedoria convencional do Exército, da Igreja, da academia. Agora era a vez dos que estavam de fora, de uma maneira curiosa e sem precedentes, se transformarem nos de dentro da sociedade de Weimar. No Weltbühne, o mais inteligente e significativo dos novos periódicos, a liberdade sexual e o pacifismo eram exaltados, ao passo que o exército, a universidade, a Igreja e, principalmente a classe média confortável e laboriosa eram atacados ferozmente e ridicularizados. (…).
Essa guerra de trincheira cultural, travada sem o menor respeito a qualquer Convenção de Genebra, sem piedade na sua malignidade, animosidade e crueldade, foi calculada para despertar o atavismo dos ultragermânicos. (…).A catástrofe da guerra, longe de exorcizar os fantasmas, parecia confirma-los. E aqui estava a Alemanha, nobre, desamparada e sofrida, arrebentada pela derrota, escarnecidamente atormentada pela gentalha cosmopolita, que parecia controlar todos os acessos à arte e, por uma conspiração secreta, estar substituindo a Kultur alemã pela sua própria, a amaldiçoada Zivilization. As queixas aumentaram na década de 20 e foram brilhantemente resumidas num livro chamado Kurfürs-stendamm, escrito por Friedrich Hussong e publicado poucas semanas depois da tomada pelo poder pelos nazistas:
Causando ressentimento…
Um milagre aconteceu. Eles não mais se encontram. Alegaram ser o Geist alemão, a cultura alemã, o presente e o futuro dos alemães. Para o mundo eles representavam a Alemanha, falavam em seu nome.Tudo o mais era um kitsch lamentável, inferior e equivocado, um filistinismo odioso… (1). Eles sempre se sentaram na primeira fila. Conferiam títulos de nobreza, em espírito, ao europeanismo. O que não aceitavam não existia. Eles se inventaram e aos outros. Quem quer que os servisse teria sucesso. Apareceriam nos seus palcos, escreveriam em seus periódicos, teriam publicidade no mundo inteiro; suas mercadorias seriam recomendadas, mesmo que fossem queijos ou relatividade, pólvora ou Zeitttheater, patentes de remédios ou direitos humanos, democracia ou bolchevismo, defesa do aborto ou crítica ao sistema legal, música negra infecta ou dança sem roupa. Resumindo, nunca houve uma ditadura mais despudorada do que a da intelligentsia democrática e a Zivilizations-literaten.
O poder dos judeus na política e nas finanças
É claro que, fundamentando e reforçando a paranoia estava a crença de que a cultura de Weimar tinha sido inspirada e controlada pelos judeus. Não terá sido todo o regime uma Judenrepublik? Havia pouca base para esta última doxologia (2), apoiada nas teorias contraditórias dominavam tanto o bolchevismo quanto a rede capitalista internacional. Os judeus, de fato, tinham se destacado nos primeiros movimentos comunistas. Mas eles perderam terreno na Rússia quando os bolcheviques tomaram o poder. O regime já era antissemita em 1925. Também na Alemanha, os judeus, embora um instrumento na criação do Partido Comunista (KFD), foram rapidamente erradicados, uma vez que um partido de massa se organizou. Nas eleições de 1932, quando quinhentos candidatos se elegeram, nenhum era judeu. Nem sequer, do outro lado do espectro, eram os judeus particularmente importantes nas finanças e na indústria alemãs. Acreditava-se na conexão misteriosa entre Bismarck e seu conselheiro financeiro Gerson von Bleichröder, um judeu que organizou os Rotschilds e outras casas bancárias para financiar as guerras da Alemanha. Mas por volta da década de 20, os judeus raramente se envolviam com as finanças do governo. Os empresários judeus ficavam fora da política. Os grandes negócios eram representados por Alfred Hugenberg e o Partido Nacionalista Alemão do Povo, que era antissemita. Os judeus tiveram uma participação muito ativa na fundação de Weimar, mas depois de 1920, um dos pouco judeus que ocupavam cargos foi Walther Rathenau, assassinado dois anos mais tarde.
Já na cultura…
Na cultura, entretanto, foi um outro assunto. Não havia nada mais azedo do que uma tirania cultural, real ou imaginária, e na cultura de Weimar “eles” podiam facilmente ser identificados com os judeus. O mais odiado de todos, Tucholsky, era judeu. Como também o eram outros críticos importantes e formadores de opinião, com Maximilian Harden, Theodor Wolff, Theodor Lessing, Ernst Bloch e Felix Salten. Quase todos os melhores diretores de cinema eram judeus e cerca de metade dos teatrólogos mais bem sucedidos, tais como Sternheim e Schnitzer. Os judeus eram predominantes no mundo dos espetáculos e mais ainda na crítica teatral, um ponto muito delicado entre os germânicos. Havia muitos atores judeus brilhantes e muito conhecidos (…). Os jornais mais conhecidos pertenciam a judeus como o Zeitung, de Frankfurt (…). Eram especialmente bons em editoras. Havia um grande número de escritores judeus proeminentes e bem sucedidos.(entre eles Franz Kafka), que a intelligentsia colocava no mesmo nível de Proust e Joyce e que era objeto de aversão dos ultragermânicos. Em cada setor das artes (…) em que as mudanças tinham sido rápidas e repugnantes para gostos conservadores, os judeus tinham participado da transformação, embora raramente tivessem o controle (…) Convém dizer que a cultura de Weimar teria sido bem diferente e muito mais pobre sem o elemento judeu, o que certamente era prova suficiente para tornar plausível a teoria de uma conspiração cultural judia.
A expansão antissemita. A necessidade de demônios humanos
Esse foi o motivo principal para o fato de o antissemitismo ter feito um avanço tão surpreendente na Alemanha de Weimar (4). Até a república, o antissemitismo não era uma doença que se pensava de fácil contágio na Alemanha. A Rússia era a terra do pogrom. Paris era a cidade da intelligentsia antissemita. O antissemitismo parece ter surgido na Alemanha por volta de 1870 e 1880, numa época em que os filósofos sociais do tipo determinista usavam os princípios da seleção natural de Darwin para desenvolver “leis” que explicassem as mudanças colossais causadas pelo industrialismo, pelo surgimento de megalópoles e pela alienação dos imensos proletariados sem raízes. O cristianismo estava satisfeito, tendo apenas uma figura solitária que explicasse o mal: Satã (5). Mas as fés seculares, modernas, precisavam de demônios humanos, categorias inteiras deles. Para ser plausível, o inimigo tinha de ser toda uma classe ou raça”.
Notas:
- Filistinismo: Nos campos da filosofia e estética, o termo é pejorativo e descreve “os costumes, os hábitos e o caráter, ou o modo de pensar de um filisteu”, que se manifesta como uma atitude anti-intelectual, que socialmente subestima e despreza a arte, o belo, o intelecto e a espiritualidade.
- Doxologia: na teologia é uma forma de louvor. Em filosofia, segundo Leibniz (1646-1716) seria uma compreensão superficial da realidade, já que se restringe a uma reprodução irreflexiva de sua aparência (pratica-se doxologia, p.ex:,quando se diz que o sol nasce ou se põe, a despeito da teoria de Copérnico).
- Pogrom: palavra russa que significa “destruição maciça, destruir violentamente”. Historicamente, o termo designa os violentos ataques contra os judeus no império russo. Tais ataques também foram realizados pelo regime socialista russo e pelos nazistas.
- Destaque em negrito são do site. Os subtítulos em negrito não constam no texto original. Foram introduzidos por nós.
- Na verdade a teologia católica ensina que o mal que praticamos é devido “à carne, ao mundo e ao demônio”. Carne aqui significa nossa natureza atingida pelo pecado original e que nos inclina ao mal; mundo, no sentido dos atrativos que podem nos seduzir afastando-nos do bem, e o demônio que não cansa de nos tentar a abandonar a Deus.
Bibliografia: Johnson, Paul. Tempos Modernos. O mundo doas anos 20 aos 80.Tradução Gilda de Brito Mac-Dowell e Sergio Maranhão da Matta. –RJ: Instituto Liberal, 1990. p. 93-96.